quinta-feira, 25 de junho de 2020

KATIE JAMES E O "BAMBUCO" ANDINO


Climandes: new report provides best-practices for farmers in Peru and the Andean region
Trabalhadores da região andina

     Ontem recebi de um amigo uma mensagem e um link para um vídeo feito por uma cantora colombiana, juntamente com o pedido de que eu o assistisse e opinasse a respeito.

     Ao abrir o link vi uma jovem de pele clarinha, muito simpática. Antes de cliclar no on, eu disse a mim mesmo: "De colombiana essa moça não tem nada!" Claro! E acredito que você, meu raro leitor, vai concordar comigo. Afinal, a gente sabe que o território colombiano foi habitado, inicialmente, por indígenas de diversas etnias. Depois chegaram os espanhóis, que trouxeram africanos para o trabalho escravo. E a miscigenação não parou mais. Assim o povo colombiano, colonizado pelos espanhóis, tem muito do indígena e do negro. Como é que eu poderia acreditar que aquela moça de pele clarinha seria colombiana?

     No entanto, meus olhos estavam voltados apenas para a cor de sua pele e de seus cabelos. Eu havia me esquecido de procurar compreender sua formação cultural e suas vivências. Incomodado com meus julgamentos defeituosos, anotei o nome da cantora e fui pesquisar sua biografia. Li que ela nasceu na Irlanda, que seu pai é irlandês, que sua mãe é inglesa, e que eles imigraram para a Colômbia quando ela tinha apenas dois anos de idade. Na Colômbia ela cresceu em um pequeno povoado, e depois foi estudar música, academicamente, em Bogotá. Participou de algumas bandas, mas seguiu carreira solo.

     Muito provavelmente em virtude de sua mudança do interior para a capital, bem como das diferenças culturais existentes entre as diversas regiões do país, ela contou  em suas publicações que quis compor uma canção para mostrar ao habitante da cidade grande os valores e a capacidade produtiva dos habitantes das pequenas cidades colombianas. Foi assim que nasceu "Toitico bien empaca'o", que é a canção que está no vídeo que me foi enviado pelo meu amigo: uma canção alinhavada em ritmo de "bambuco", gênero musical originário dos primeiros habitantes do continente americano, especialmente na região andina, e que servia para estimulá-los enquanto trabalhavam.

     Pois então vamos lá! Assistam ao vídeo e depois me contem se essa moça traz ou não alguns contrastes interessantes: uma jovem de pele clara e traços bastante frágeis, e que incorpora uma indígena valente com tempero de alma negra. Vamos assisti-la cantar "Toitico Bien Empaca'o" - um bambuco andino que eu adorei, que traz cheiro de terra molhada, que fala de raízes, de ancestrais, de café da manhã na cozinha e de valores interioranos: exatamente como as riquezas da região onde nasci, e que me custou algum tempo para que eu pudesse enxergá-las e dar a elas o seu devido valor.



Toitico Bien Empacao
(Katie James)
¿Que tal su café?
¿Cómo estuvo su agua e'panela?
¡Que buenas arepas las que prepara doña Rubiela!
¿Qué tal el ajiaco, con el frío de la mañana?
¿Y el sabor de la papa que traje fresquita allí e'la sabana?

Discúlpeme, si interrumpo su desayuno
Pa'salir de las dudas es el momento más oportuno
Dígame usted, si conoce la molienda
¿O el azúcar es solo una bolsa que le compran en la tienda?

¿Y cuénteme que sabe de su tierra?
¿Cuénteme que sabe de su abuela?
¿Cuénteme que sabe del maiz?
¿O acaso a olvidado sus antepasados y su raíz?

Dibújeme el árbol del cacao, mientras se toma
Ese chocolate con pan tosta'o
Dígame su mercé, ¿qué sabe del azadón?
Ese es el que le trae a usted la sopita hasta el cucharon

¿Y cuénteme que sabe de su tierra?
¿Cuénteme que sabe de su abuela?
¿Cuénteme que sabe del maíz?
¿O acaso a olvidado sus antepasados y su raíz?

Venga le cuento, los cuentos del huerto y de la malanga
La yuca, la yota, los chontaduros, la quinua, las habas y la guatila
Le tengo el guandú, las arracachas y la calabaza
Le traigo guineos, también chachafrutos
Y unas papitas en la mochila

¡Ay perdón señor!
Por ser yo tan imprudente
Es que a veces me llegan estos
Pensamientos irreverentes
¿Pa'qué va usted querer saber
Sobre el ara'o?
¡Si allí en la esquina lo encuentra
Toitico bien empaca'o!

Tudo bem embalado

Que tal o seu café?
Como estava sua água na panela?
Que broinhas boas são aquelas preparadas pela dona. Rubiela!
E a sopa de batatas com galinha no frio da manhã?
E o sabor da batata que se colhe fresquinha ali na savana?

Desculpe-me, se interrompo o seu café da manhã
Para tirar as dúvidas, é o momento mais oportuno
Diga-me se conhece a moenda
Ou o açúcar é apenas um pacote que se compra na loja?

Conte-me, o que sabe sobre a sua terra?
Diga-me, o que você sabe sobre sua avó?
Diga-me, o que você sabe sobre o milho?
Ou você esqueceu seus ancestrais e sua raiz?

Desenhe a árvore do cacau enquanto bebe
Esse chocolate com pão torrado
Diga-me,  o que sabe sobre a enxada?
É ela que traz para você a sopa até a colher

Conte-me, o que sabe sobre a sua terra?
Diga-me, o que você sabe sobre sua avó?
Diga-me o que você sabe sobre milho?
Ou você esqueceu seus ancestrais e sua raíz?

Venha que eu conto as histórias da horta e da batata doce
da mandioca, do inhame, da pupunha, da quinoa, das favas e do chuchu
Eu tenho o feijão guandu, as mandioquinhas e a abóbora
Trago-lhe bananas, também feijão de árvore
E algumas batatinhas na mochila

Oh, desculpe senhor!
Por ser tão imprudente
Às vezes me vêm esses
Pensamentos irreverentes
Por que o senhor vai querer saber
Sobre o arado?
Se ali na esquina você encontra
Tudo bem embalado!


quarta-feira, 17 de junho de 2020

LILI MARLENE: ASSIM QUEREMOS NOS VER NOVAMENTE


Lili Marleen and Lale Andersen memorial in Langeoog

     Minha amiga Márcia me enviou um vídeo, via whatsapp. Gostei bastante. Por intermédio dele vejo a cidade de Paris homenageando, nas estruturas da Torre Eiffel, os profissionais da saúde que estão nas frentes de batalha contra o coronavírus.

CLIQUE NA SETA - VEJA ATÉ O FINAL
Torre Eiffel - reabertura com homenagem

     Acompanhando as diversas músicas de fundo que se sucedem na homenagem, em um determinado momento a sequência de luzes acesas sugere o rolar de lágrimas em uma face - retrato fiel do sofrimento que toda a humanidade está suportando, enquanto não encontra a cura definitiva para o coronavírus.

     Já quase no final do vídeo que recebi, a música que acompanha a dança das luzes é "Lili Marlene".

   - Mas... "Lili Marlene"? Por que a escolha de uma canção alemã que lembra a França ocupada durante a Segunda Guerra Mundial?

     E fiquei pensando... Escrita em 1938 pelo professor, poeta e soldado alemão Hans Leip, depois musicada por Norbert Schultze, a lembrança dessa canção alemã, pela organização do evento, foi muito oportuna. Durante a Segunda Guerra Mundial ela costumava ser tocada muitas vezes em uma estação de rádio (a Rádio Belgrado), que era sintonizada em toda a Europa - inclusive nas trincheiras, por soldados tanto alemães quanto aliados.

CLIQUE NA SETA
Marlene Dietrich - "Lili Marlene" (Hans Leip/Norbert Schultze)

     Ao ser ouvida, a canção, um tanto quanto melancólica, enternecia os soldados de ambos os lados, de tal forma a causar momentos de cessar fogo enquanto era transmitida.

     "Lili Marlene" conta a história de um soldado alemão que costumava fazer guarda em frente ao portão de um quartel, sob a luz de um lampião, e que depois foi lutar na Guerra. Nas trincheiras do campo de batalha, ao ouvir "Lili Marlene", ele se recordava de seus encontros com sua amiga* Lili Marlene em frente àquele portão, sob a luz do lampião. E ao ouvi-la, ele ficava se perguntando se voltaria algum dia, e se poderia reencontrá-la sob a luz daquele lampião.

     É interessante pensarmos que os franceses, que tiveram parte de seu território ocupado por tropas nazistas, escolheram, dentre algumas, uma canção alemã para prestar a homenagem. Mas é mais interessante ainda podermos compreender que, independentemente da origem da canção, a humanidade toda pode se irmanar por um propósito que vai além de rivalidades ou fronteiras físicas. 

Datei:Munster Lili-Marleen Figuren.jpg
Lili Marleen Statue (Münster, Alemanha)

     E foi pela esperança de volta daquele soldado, de seu retorno às coisas simples, aos pequenos encontros, que "Lili Marlene", apresentada como fundo musical para a homenagem na Torre Eiffel, teve um grande significado simbólico: representou a lembrança não só daquele soldado entrincheirado e enternecido em um campo de batalha, durante a Segunda Guerra Mundial, mas também a esperança de toda a humanidade na luta contra o vírus da covid-19.

LILI MARLEEN
(Hans Leip/Norbert Schultze)

1. Von der Kaserne
Vor dem großen Tor
Stand eine Laterne
Und steht sie noch davor
So woll'n wir uns da wieder seh'n
Bei der Laterne wollen wir steh'n
Wie einst Lili Marleen

2. Unsere beide Schatten
Sah'n wie einer aus
Daß wir so lieb uns hatten
Das sah man gleich daraus
Und alle Leute soll'n es seh'n
Wenn wir bei der Laterne steh'n
Wie einst Lili Marleen

3. Schon rief der Posten,
Sie blasen Zapfenstreich
Das kann drei Tage kosten
Kam'rad, ich komm sogleich
Da sagten wir auf Wiedersehen
Wie gerne wollt ich mit dir geh'n
Mit dir Lili Marleen

4. Deine Schritte kennt sie,
Deinen zieren Gang
Alle Abend brennt sie,
Doch mich vergaß sie lang
Und sollte mir ein Leids gescheh'n
Wer wird bei der Laterne stehen
Mit dir Lili Marleen?

5. Aus dem stillen Räume,
Aus der Erde Grund
Hebt mich wie im Träume
Dein verliebter Mund
Wenn sich die späten Nebel drehn
Werd' ich bei der Laterne steh'n
Wie einst Lili Marleen

LILI MARLENE

Na frente da caserna
Defronte ao grande portão
Há uma lanterna (poste)
E ainda continua lá
Assim queremos nos ver novamente
Perto da lanterna queremos estar
Como antigamente Lili Marleen

As nossas duas sombras
Pareciam uma só
Que nos amávamos muito
Qualquer um via logo
E todas as pessoas precisam vê-lo
Quando nós nos encontramos perto da lanterna
Como antigamente Lili Marleen

Logo chamou a sentinela
Com um toque como um golpe
Isto pode lhe custar três dias
Camarada eu vou imediatamente
Então dizíamos até breve
Como eu gostaria de ir contigo
Contigo Lili Marleen

Teus passos ela (a lanterna) conhece
O teu lindo caminhar
Toda a noite ela se acende
Mas de mim esqueceu-se por longo tempo
E se me acomete uma amargura
Quem estará junto a lanterna
Contigo Lili Marleen

Dos quartos silenciosos
Como surgido do chão
Ergue-me como num sonho
A tua boca apaixonada
E quando as nuvens tardias se moverem
Eu estarei junto a lanterna
Como antigamente Lili Marleen.


     A história envolvendo essa música e a primeira cantora a gravá-la, Lale Andersen**, é contada no filme "Lili Marlene"*** - disponibilizado no youtube. Vale a pena conferir. É um dos filmes que costumo rever.   

________________________ 
*Na verdade, na biografia de Heins Leip, conta-se que eram duas amigas: Lili e Marlene
**Lale Anderson, nascida em 1905, faleceu em 1972. Foi sepultada em Langeoog, cidade alemã, onde está homenageada em um Memorial.
***"Lili Marlene", o filme (Alemanha, 1981. Dir.: Fassbinder)

quarta-feira, 3 de junho de 2020

ANOITECER EM CASA


Foto: arq. pessoal

     Quando o sol demonstra cansaço, os cães latem o seu abandono pelas ruas da cidade. Depois se cansam.

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Isabel Bayrakdarian -"Azulão" (Jayme Ovalle)

     As maritacas, fazendo algazarra, sobrevoam a minha casa e pousam nos fios de eletricidade. Depois escurece e elas se aquietam.

Foto: arq. pessoal

     No jardim da casa ao lado, uma coruja me olha.

     Acomodada no tronco da árvore uma cigarra, zunindo, parece determinar que eu abra o portão, que eu entre, que eu me sente no chão do alpendre e fique ouvindo o tempo passar...

     Lá no quintal, os pirilampos fazem luzir a intermitência dos meus anseios...

     No meu quarto, a luz minguante do abajur insinua a necessidade do descanso...

     Deito-me.

     Na escuridão, ouço as vozes que costumava ouvir. 

     Depois tudo se aquieta. E eu adormeço.