segunda-feira, 19 de abril de 2021

O DIA DO ÍNDIO (DEVEDOR OU CREDOR?)

 


Fonte: https://www.cbc.ca/news/indigenous/status-indian-act-perry-bellegarde-afn-campaign-1.4701123


     O Decreto-lei 5540, de 1943 oficializou o dia 19 de abril como sendo o "Dia do Índio" no Brasil. O objetivo desse Decreto foi, simplesmente, fazer com que nos lembrássemos, anualmente, do quanto os indígenas contribuíram para a formação do povo brasileiro.

     Internacionalmente, a ONU também criou uma data visando a conscientização mundial sobre a preservação e a importância dos direitos e da cultura indígenas. Assim, 09 de agosto é considerado o Dia Internacional dos Povos Indígenas.

     Nós sabemos que, antes mesmo da chegada de Colombo, no final do século XV, os países do continente americano eram habitados por grandes nações indígenas. E, a partir daí, os incas, os astecas e os maias foram estraçalhados pelos europeus; muitas tribos indígenas foram totalmente dizimadas, e grande parte de sua cultura foi suprimida, também pelos europeus. 

     Como se tudo isso não bastasse, ouro, prata, minérios, pau-brasil etc, as riquezas do continente americano, a partir de então, passaram a ser levadas para a Europa sem que houvesse compensação alguma por tal dilapidação de patrimônio. Sob o prisma eurocêntrico, qual o nome que poderíamos dar a essa maneira de proceder: furto? roubo? exploração? saque? empréstimo? Um quilo de ouro por um facão ou um espelho: escambo? Houve autorização dos povos indígenas para que tal transferência de patrimônio pudesse ser feita?

     Assim, levando em consideração os mais de 500 anos que se passaram desde a chegada do europeu ao continente americano e, consequentemente, da exploração não compensada das riquezas aqui existentes, o que nos parece é que qualquer cobrança de um país europeu, de dívida contraída por algum país situado no continente americano, precisa ser reavaliada para se poder apurar quem é o credor e quem é o devedor.

     À luz de tal raciocínio, atribuiu-se a um representante de nações indígenas mexicanas uma manifestação diante de representantes das nações europeias, argumentando serem eles, os habitantes do continente americano, em especial da américa latina, credores, e não devedores aos europeus.

     Eis a manifestação*:


CLIQUE NA SETA


https://www.youtube.com/watch?v=-4Wx6HIfBzo

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"Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para encontrar os que a "descobriram" só há 500 anos. O irmão europeu da aduana me pediu um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento - ao meu país- , com juros, de uma dívida contraída por Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse. Outro irmão europeu me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem pedir-lhes consentimento. Eu também posso reclamar pagamento e juros.

Consta no "Arquivo da Cia. das Índias Ocidentais" que, somente entre os anos 1503 e 1660, chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América.

Teria sido isso um saque? Não acredito, porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao sétimo mandamento! Teria sido espoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão.

Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas ou Arturo Uslar Pietri, que afirmam que a arrancada do capitalismo e a atual civilização europeia se devem à inundação de metais preciosos tirados das Américas.

Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de tantos empréstimos amigáveis da América destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indenização por perdas e danos.

Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva.

Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano "MARSHALL MONTEZUMA", para garantir a reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, criadores da álgebra, da poligamia, e de outras conquistas da civilização.

Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, podemos perguntar: Os irmãos europeus fizeram uso racional responsável ou pelo menos produtivo desses fundos?

Não. No aspecto estratégico, dilapidaram nas batalhas de Lepanto, em navios invencíveis, em terceiros reichs e várias formas de extermínio mútuo. No aspecto financeiro, foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos, tanto de amortizar o capital e seus juros quanto independerem das rendas líquidas, das matérias-primas e da energia barata que lhes exporta e provê todo o Terceiro Mundo.

Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar e nos obriga a reclamar-lhes, para seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente, temos demorado todos estes séculos em cobrar. Ao dizer isto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros ao ano que os irmãos europeus cobram dos povos do Terceiro Mundo.

Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de um módico juro de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 200 anos de graça. Sobre esta base e aplicando a fórmula europeia de juros compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas à potência de 300, isso quer dizer um número para cuja expressão total será necessário expandir o planeta Terra.

Muito peso em ouro e prata... quanto pesariam se calculados em sangue?

Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para esses módicos juros, seria como admitir seu absoluto fracasso financeiro e a demência e irracionalidade dos conceitos capitalistas.

Tais questões metafísicas, desde já, não inquietam a nós, índios da América. Porém, exigimos assinatura de uma carta de intenções que enquadre os povos devedores do Velho Continente e que os obriguem a cumpri-la, sob pena de uma privatização ou conversão da Europa, de forma que lhes permitam entregar suas terras, como primeira prestação de dívida histórica..."

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     Pode ser que essa manifestação nunca tenha ocorrido, que o representante das comunidades indígenas mexicanas - e americanas, por extensão - nunca tenha existido. No entanto, faz todo sentido o conteúdo do suposto discurso proferido, e vale como reflexão em relação a dívidas cobradas por países espoliadores das riquezas dos países do continente americano.

     Por fim, em uma avaliação geral, creio que a Europa, em relação ao continente americano, e em especial em relação aos países latino-americanos, segue devedora de uma fortuna impagável - e crescente, pelo acréscimo de juros.


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*Fonte: https://revistaforum.com.br/blogs/mariafro/bmariafro-discurso-do-embaixador-guaicaipuro-cuatemoc-uma-licao-de-historia-quica-de-direito-internacional/

sábado, 3 de abril de 2021

"EL IMAGINERO"

 


Gabriela Mistral (1889-1957)

https://recantodopoeta.com/gabriela-mistral/


GABRIELA MISTRAL é o pseudônimo da poetisa e diplomata chilena, Lucila de Maria del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga (1889-1957) - prêmio Nobel de Literatura de 1945. Questionando imagens religiosas, ela assim se expressou:


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"El imaginero" - (Gabriela Mistral)

https://www.youtube.com/watch?v=GJ8q0tweuAw


EL IMAGINERO

(Gabriela Mistral)

 

De qué quiere Usted la imagen?

Preguntó el imaginero,

tenemos santos de pino,

hay imágenes de yeso,

mire este Cristo yacente,

madera de puro cedro,

depende de quien la encarga,

una familia o un templo,

o si el único objetivo

es ponerla en un museo.

 

Déjeme pues que le explique,

lo que de verdad deseo.

 

Yo necesito una imagen

de Jesús El Galileo,

que refleje su fracaso

intentando un mundo nuevo,

que conmueva las conciencias

y cambie los pensamientos,

yo no la quiero encerrada

en iglesias y conventos.

 

Ni en casa de una familia

para presidir sus rezos,

no es para llevarla en andas

cargada por costaleros,

yo quiero una imagen viva

de un Jesús Hombre sufriendo,

que ilumine a quien la mire

el corazón y el cerebro.

 

Que den ganas de bajarlo

de su cruz y del tormento,

y quien contemple esa imagen

no quede mirando un muerto,

ni que con ojos de artista

sólo contemple un objeto,

ante el que exclame admirado

¡qué torturado más bello!

 

Perdóneme si le digo,

responde el imaginero

que aquí no hallara seguro

la imagen del Nazareno.

 

Vaya a buscarla en las calles

entre las gentes sin techo

en hospicios y hospitales

donde haya gente muriendo

en los centros de acogida

en que abandonan a viejos,

en el pueblo marginado

entre los niños hambrientos,

en mujeres maltratadas

en personas sin empleo.

 

Pero la imagen de Cristo

no la busque en los museos,

no la busque en las estatuas,

en los altares y templos.

 

Ni siga en las procesiones

los pasos del Nazareno,

no la busque de madera,

de bronce de piedra o yeso,

¡mejor busque entre los pobres

su imagen de carne y hueso!

O SANTEIRO

 

 

De que quer você a imagem?

Perguntou-lhe o santeiro:

Temos santos de pinho,

Há imagens só de gesso

Olhe este Cristo jacente,

Madeira de puro cedro,

Quem encomenda decide,

Uma família, uma igreja,

Ou se o único objetivo

É expô-la em um museu.

 

Deixe-me, pois, que lhe explique,

O que desejo de verdade.

 

Eu necessito uma imagem

De Jesus, o Galileu,

Que reflita o seu fracasso

Em busca de um mundo novo,

Que comova as consciências,

E que mude os pensamentos.    

       Eu não a quero guardada

Em igrejas e conventos.

 

Nem em casas de família

A presidir orações,

Não é para ser levada em andores

Carregada por voluntários.

Eu quero uma imagem viva

De um Jesus homem sofrendo

Que ilumine a quem o mire

O coração e o cérebro.

      

Que inspire vontade de retirá-lo     

De sua cruz e tormento,

E quem contemple a imagem

Não fique olhando um morto,

Nem com os olhos de artista

Só contemple um objeto

Diante do qual exclame admirado

“Que belo esse torturado!”

 

Perdoe-me se inda lhe digo,

responde ainda o santeiro,

Aqui não encontrará certamente

A imagem do Nazareno.

 

Vá procurá-la nas ruas

Entre o povo sem abrigo,

Nos hospícios e hospitais

Onde houver gente morrendo,

Nos centros de acolhimento

Onde abandonam os velhos,

No povo marginalizado,

Entre as crianças famintas,

Nas mulheres maltratadas,

E nas pessoas sem emprego.

 

Mas a imagem de Cristo

Não a procures nos museus,

Não a busque nas estátuas

Nos altares e templos.

 

Nem sigas nas procissões

Os passos do Nazareno,

Nem a busques de madeira,

De bronze, de pedra ou gesso,

É melhor procura entre os pobres

Sua imagem em carne e osso!