sexta-feira, 21 de novembro de 2014

"AL DI LA"



(Prudence e Don - personagens de "O Candelabro Italiano"
fonte: http://www.pinterest.com/pin/138837600987676767/ e http://brilliantmovie.seesaa.net/upload/detail/image/RomeAdventure16-thumbnail2.jpg.html )

     Um dos filmes que assisto com frequência é "O Candelabro italiano" (EUA, 1962 - Dir. Delmer Daves). Lembro-me de tê-lo visto quando ainda era criança - e nunca mais me esqueci de cada uma de suas cenas. 

     O filme conta a história de Prudence - uma professora americana que, por ter emprestado a uma aluna um romance considerado desaconselhável para suas alunas, na época, recebeu uma séria advertência da diretora da escola onde trabalhava. Incomodada, deixou seu trabalho na escola e foi para a Itália onde - acreditava ela - havia uma sociedade com menos proibições.

     Na Itália, morando em uma pensão, Prudence conhece Don - um estudante de arquitetura, americano também, e começa a trabalhar em uma livraria. Prudence e Don aproximam-se e passam a viver um romance.

     Lá na minha casa de menino, eu, minha irmã e meus pais gostávamos tanto desse filme, que vivíamos cantarolando trechos de "Al di la" - uma das músicas que compõem sua trilha sonora. Por isso, guardei algumas frases de sua letra:

Non credevo possibile
Si potessero dire queste parole:

Al di la
del bene piu prezioso
chi sei tu (...)

Al di la delle cose più belle, 

Al di la delle stelle
Al di la del sogno più ambizioso
Al di la del mare piu profondo
Al di la del limiti del mondo
Al di la della vita
chi sei tu...

     Depois de casado, revi com minha esposa "O Candelabro italiano".  Ela simplesmente adorou o filme. Em especial, vibrou com duas de suas cenas: uma delas em cantina romana onde o casal conversava, trocava carícias de mãos, cruzava olhares... e o Emílio Pericoli cantava ao vivo "Al di la". A outra, em um teleférico sobre um bosque coberto de neve, onde o casal ouvia "Al di la" vindo de um alto-falante instalado em uma de suas torres. 

CLIQUE PARA OUVIR E, DEPOIS, ASSISTIR
"Al di la", de Max Steiner, com Emilio Pericoli
(Cena na Cantina Romana)

     Anos depois, com uma filha de seis anos e um filho de quatro, fomos todos passar uns dias em uma cidade serrana, para onde costumam ir casais em lua-de-mel. Em uma tarde de frio e muita neblina tudo pedia romance. E eu, que não sei se por bem ou por mal, sou um tanto romântico, inventei de subirmos o morro mais alto da cidade, por uma estrada estreita e sinuosa. Assim, poderíamos ouvir "Al di la" juntos, no aparelho K7 do carro, como se estivéssemos subindo em direção ao céu por um teleférico. E assim, ouvindo "Al di la" com olhares e corações inspirados, comentamos:

     - Lindo isso... parece que estamos na Itália... o Coliseu... o Lago Maggiore... o teleférico...

     Foi então que, nesse clima de romance, levei uma cotovelada na cabeça: no banco de trás meus dois filhos discutiam à tapas e em altos brados pelo direito de ter o último pedaço de uma barra de chocolate. A partir daí o romantismo escorreu morro abaixo, e chegamos ao topo menos com a cara de namorados, mais com a cara de pais.

     Moral da história: para se ter um bom momento de romance é necessário que saibamos participar de discussões calorosas com os filhos, onde quer que seja, a qualquer hora, e por qualquer motivo - mesmo que o clima esteja para beijos e abraços, e a canção de fundo seja nada mais nada menos do que "Al di la"*.

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*"Al di la"  significa alguma coisa como "muito além do que se possa imaginar".

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

HAICAI


(Basho o mestre do haicai - fonte: http://palavrastodaspalavras.wordpress.com/2009/06/26/basho-o-mestre-do-haicai-pela-editoria/)

                                                                      "De que árvore florida
                                                                      chega? Não sei.
                                                                      Mas é seu perfume"
                                                                      (Matsuo Basho)

     Um antigo professor de português vivia dizendo que o belo não se explica: somente se sente. Lembro-me dele sempre que me vejo diante de versos longos e prolixos, quando então fico procurando traduzir a mesma ideia em poucas palavras. Nessas horas dou razão a muitos de meus familiares que dizem que sou "resumido", "calado", "de pouca fala". 

     Pois para minha alegria de "resumido" conheci, já na minha fase madura de vida, uma maneira concisa e objetiva de expressar o belo. E desde então me tornei um apreciador de Haicais.


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO CONTINUA A LEITURA)
(https://www.youtube.com/watch?v=vF4k6DBVw-k)

     O Haicai é um tipo de poema curto de origem japonesa. Ele sugere, ao invés de dizer. Em geral é um texto contemplativo que reflete um momento de observação da natureza ou do passar do tempo. Em sua forma mais tradicional não tem nem título e nem rima. Em apenas três linhas contendo, na primeira e na terceira delas, cinco sílabas (japonesas), e na segunda sete, o autor capta e procura transmitir de forma objetiva e concisa tudo aquilo que observou. Muitas vezes há uma pintura (chamada de "haiga") que acompanha o haicai.

     Também encontramos muitos haicais que falam de emoções, imagens, comparações, e de tudo o que se quer transmitir.

     Nas comunidades japonesas onde são mantidos os costumes mais antigos, é considerado gesto de extrema delicadeza e gratidão um convidado presentear com um haicai a família que o recebe para um jantar.

     No Brasil Guilherme de Almeida, Millor Fernandes e Paulo Leminski foram haicaístas de destaque. Cyro Armando Catta Preta, de Orlândia/SP, que adotou a forma guilhermiana* de escrever haicais (com título e rima), também o foi. 

     Eis aqui alguns haicais:

HORAS MORTAS (Catta Preta)
Triste hora tardia.
A rua agradece a lua
pela companhia.

IPÊ AMARELO (Catta Preta)
Ainda ao sol posto,
é taça de ouro, na praça,
festejando agosto... 

(Millor) 
Na poça da rua
O vira-lata
Lambe a lua.

     Sempre que leio haicais eu me lembro de um antigo imigrante japonês que viveu em minha terra natal e que foi premiado, no Japão, em concurso de haicais. Não tive o prazer de conhecer seu trabalho literário, em especial o premiado. O que teria ele escrito? Oxalá eu ainda encontre alguém que possa me dizer... Dói pensar que pouquíssimos tiveram notícia disso. Quem me dera, um dia, ver plantado em uma praça da minha terra um busto feito de bronze homenageando o antigo imigrante japonês, preservando sua história e seu feito. As vezes a poesia é a própria vida... vida que só precisa de um leve despertar da sensibilidade que observa, é estimulada, sente e transforma.

     Dos haicais que encontro em meus livros, "Renovação", do Catta Preta, releio com frequência. Ei-lo: 

RENOVAÇÃO
Na folha caída,
na terra, nela se encerra,
o húmus da vida...

     Que tal, então, na próxima visita à casa de amigos, presentear os anfitriões com um haicai? No mínimo uma grande porta para conversas interessantes vai se abrir. Fica aqui a sugestão.

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*no mesmo estilo de Guilherme de Almeida

(CLIQUE PARA ASSISTIR)
(Reportagem de TV sobre Haicais)

sábado, 1 de novembro de 2014

O SHOW DA VERÔNICA (ou "O CARLOS E A FLÁVIA NA ÁGORA")




     - "É na ágora que as coisas acontecem!"

     Sob esse argumento um tanto quanto complicado a Denise conseguiu tirar-me do sofá de casa. Juntos, fomos à pé a uma doceria.

     Entre um quindim e uma queijadinha encontramos alguns amigos. Dentre eles o Carlos e a Flávia - um casal que conheço há alguns anos, e que tem por decreto divino alegrar a cidade e os amigos com seus sorrisos e sua simpatia. Sempre que os vejo fico meio acanhado por não conseguir retribuir da mesma forma todo carinho e atenção que eles dedicam a mim. No entanto, parece-me que eles já se acostumaram com a minha cara amarrada e aprenderam a me aceitar assim mesmo.

     Mas o que me encantou nesse encontro foi ver a disposição e alegria de ambos: com cartazes embaixo do braço, percorriam a cidade divulgando um evento musical.

     Para que vocês que me leem me entendam melhor, preciso explicar que tanto o Carlos quanto a Flávia cantam e tocam violão. E especialmente por isso, já estivemos juntos muitas vezes assistindo apresentações musicais. Foram shows de artistas renomados no teatro Pedro II, apresentações musicais em praças públicas, em eventos fechados, e em botecos da cidade. 

     Mas, em especial, nossos encontros mais gostosos acontecem em sua casa quando recebem grupos de amigos. Lá o violão é sempre abraçado por todos os braços para que cada um toque e cante o que quiser. Até eu, quando estou lá, tenho esse direito!

     E nesse ambiente musical a consequência não poderia ter sido outra: influenciaram o bom gosto do filho e das filhas a ponto tal que uma delas - a Verônica - fez dos palcos musicais o seu lar. Depois de ter se formado em Arquitetura, a Verônica estreou como cantora profissional em 2004. Abriu shows e atuou como mestre de cerimônias de sambistas famosos; apresentou-se em casas de shows no Rio e em São Paulo; gravou programas de televisão dentre os quais o programa Ensaio da TV Cultura e o Som Brasil da Rede Globo. Além disso, já teve o Toquinho, a Beth Carvalho, o Francis Hime e muitos outros artistas como parceiros de palco. Como consequência disso já gravou quatro CDs - um deles de composições próprias.

(Verônica Ferriani - "Rosa", de Pixinguinha - CLIQUE PARA OUVI-LA CANTAR)

     Eu a vi se apresentar diversas vezes. Em todas elas a Verônica esbanjou simpatia e talento, fazendo do palco a sala de estar de sua própria casa. Há pouco, no projeto "Novas vozes do Brasil", e à convite do Itamaraty, apresentou-se na Colômbia, Portugal, Espanha, Rússia, Japão e Israel.

     E eram justamente os cartazes de divulgação de um show da Verônica, cantando serestas e sambas, programado para o dia 13 de novembro no Teatro Pedro II em Ribeirão Preto, que o Carlos e a Flávia tinham debaixo do braço quando os encontrei na doceria. 

     Ao nos despedirmos, depois de abraços e histórias, eu disse a eles que a Denise e eu estaremos no show... E ganhamos deles os mesmos sorrisos simpáticos de sempre - os quais foram retribuídos na mesma proporção e da mesma forma pela Denise. Quanto aos meus, se eu não consegui estampá-los com a mesma intensidade em meu rosto, sei que eles conseguiram enxergá-los assim no meu coração.