terça-feira, 23 de janeiro de 2018

MERLI


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Abertuta da série "Merli"
fonte: https://www.youtube.com/watch?v=e3N7YVTWw-I

     Há tempos ando distante dos programas de televisão. Cansei de ficar zapeando, passando de canal em canal sem encontrar algum programa que atraia minha atenção. Assim, depois do jantar, normalmente fico na sala de estar, dou alguns telefonemas, leio, escrevo, toco violão para mim mesmo, ou assisto em DVD algum filme previamente escolhido. Mas, por sugestão de um amigo, outro dia liguei a TV para conhecer, na NETFLIX, a série "Merli": e não consegui parar! Foi um episódio atrás do outro. Não, não se trata de uma série repleta de fantasias mirabolantes... Não. Ela fala de jovens e de seu universo de problemas. Ela fala também da eterna construção por que passa o homem; das dificuldades a que somos submetidos em nosso dia a dia. Legal mesmo é que, por intermédio da Filosofia, cada episódio da série nos induz a pensar - um exercício que, lamentavelmente, parece ter sido deixado de lado em função do conformismo e passividade em relação a tudo aquilo a que a dinâmica da vida nos apresenta. 

Merlí
https://seriemaniacos.tv/merli-humor-com-doses-cavalares-de-drama/

     Trata-se de uma série catalã, falada em catalão. Seu protagonista é um professor de Filosofia muito controverso, que arruma encrencas e desafetos por onde passa. Esse professor - um senhor de uns quarenta e tantos anos de idade, chamado Merli - é separado, tem um filho, e volta a morar na casa da mãe - uma atriz renomada. Merli, desempregado, é então chamado a dar aulas em um colégio secundário. E a série se desenvolve ilustrando e discutindo diversas situações que possam surgir em uma escola, ou que nela apareçam por reflexo dos conflitos pessoais vividos dentro de casa ou na rua.

     Merli, com métodos pouco convencionais, atrai a simpatia de seus alunos, e consegue despertar neles a paixão pelo conhecimento. Ao mesmo tempo, desperta nos colegas professores muita antipatia.

     O interessante é que Merli tem a sensibilidade apurada, ao ponto de captar alguma situação específica pela qual um ou outro aluno - ou grupo de alunos -, especificamente, esteja passando. E assim, em cada uma de suas aulas, ele apresenta um Filósofo ou Escola Filosófica que possa promover entre os alunos a discussão e o enfrentamento daquela questão observada por ele. Claro, tudo isso sem expor nominalmente o aluno ou situação que inspirou a escolha do filósofo da vez. Assim, os Peripatéticos, Aristóteles, Nietzche, Epicuro, os Céticos e muitos outros são temas de alguns dos episódios. Dessa forma, por intermédio da Filosofia e dos questionamentos filosóficos, os diversos episódios discutem assuntos, tais como homossexualismo, política, amor, preconceito, vaidade, censura, hipocrisia, ganância... enfim, uma série de temas atuais e inerentes à condição humana.
  
     Em vista de tudo isso, a série é ao mesmo tempo romântica, dramática e engraçada - além de muito interessante. Ela inspira, nos jovens apresentados na série, pela Filosofia, o despertar para uma autoconstrução. E inspira isso não só nos jovens alunos de Merli: os temas discutidos em cada episódio, tal como uma mosca eventualmente pode fazer conosco, ficam zunindo na cabeça de quem assiste a série, chacoalham crenças e nos convidam a reexaminá-las - pois que, como grandes sabichões (que não somos), sem maiores questionamentos, costumamos acreditar que nossas convicções sejam definitivas e imutáveis. Será? Vale a pena assistir. Recomendo. 

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

BOM DIA TRISTEZA


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"Bom dia tristeza" (Vinícius/Adoniran)


"Você tem uma ideia do amor um pouco simplista.
Não se trata de uma série de sensações independentes umas das outras...
Existem a ternura constante, a doçura, a saudade...
Coisas que você não pode compreender."
(Françoise Sagan)


     Desde pequeno tenho vontade de falar fluentemente o Francês. Fiz alguns cursos, continuo lendo um montão de coisas, e recentemente gravei em um pen drive 4 giga bites de músicas francesas para poder cantá-las enquanto as estiver ouvindo. Por intermédio da música e do entendimento da mensagem contida nas letras, acredito que a capacidade de reproduzir o som das palavras e de fixação do vocabulário ficam favorecidas.

     "Bonjour Tristesse", interpretada pela Juliette Greco, é uma das gravações que tenho no pen drive. Anotei sua letra em uma folha de caderno e fui pesquisar as palavras desconhecidas.


hhJuliette Greco - artist photos
Juliette Greco
fonte: http://www.metrolyrics.com/juliette-greco-overview.html


     Acontece que outro dia, ao ouvir "Bonjour tristesse", lembrei-me de "Bom dia, tristeza" - única parceria do Vinícius de Moraes com o Adoniran Barbosa*. E, ao me lembrar disso, ao me dar conta de que o nome da música é o mesmo, que ambas são tristes, depressivas e muito parecidas, imaginei que alguém tinha feito a versão da letra do Vinícius para o francês. Fiz então algumas pesquisas e descobri que a letra em francês é de Jacques Datin/Henri Lemarchand - com música de Georges Auric**. Contudo, estranhei muito não encontrar, nos registros da gravação da Juliette Greco, a menção aos nomes de Vinícius e Adoniran como sendo seus verdadeiros autores. Confuso, passei a acreditar na possibilidade do Vinícius ter feito a versão da letra do francês para o português.

     Comparando datas, vi que "Bom dia, tristeza" do Vinícius com o Adoniran é de 1957***. Não encontrei a indicação do ano que Datin/Lemarchand escreveram a letra de "Bonjour tristesse". Contudo - e para me deixar mais confuso ainda - descobri que "Bonjour tristesse" foi tema de um filme**** lançado em 1958, que tem o mesmo nome da música.


Bonjour Tristesse film poster.jpg
Cartaz do filme "Bonjour Tristesse"
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Bonjour_Tristesse_(film)

     O filme "Bonjour tristesse" - vim a saber depois - foi feito com base no livro "Bonjour tristesse", de 1954, de autoria de Françoise Sagan*****. Por coincidência, nas minhas ídas semanais à banca de revistas vi uma nova edição do livro da Sagan em exposição: era o livro da semana na coleção "Mulheres na Literatura" - da Folha de São Paulo.


Capa do livro 18 da coleção "Mulheres na Literatura" - foto: arq. pessoal

     Contudo, as questões da autoria original e da versão da música permaneciam. Os biógrafos contam que Vinícius de Moraes viveu em Paris entre os anos de 1953 e 1958, onde servia como diplomata******. Ora, se o Vinícius vivia em Paris em 1958, e o filme foi lançado lá naquele mesmo ano, não era nenhum absurdo imaginar que o Vinícius havia se inspirado no filme para escrever sua letra de "Bom dia tristeza".

     Na composição Vinícius dá boas vindas à tristeza, a qual, diz ele, sente que o visita quando está amando. No livro, Françoise Sagan conta a história de um quarentão viúvo, pai de uma adolescente, que debochava do amor e transmitia à sua filha essa mesma forma de interpretá-lo - o amor. Até que um dia ele encantou-se por alguém e deixou de lado essa frivolidade... Na trilha sonora do filme, a música de Datin/Lemarchand/Auric seguiu nessa mesma linha.

     Com toda essa confusão que aprontei, fui ouvir com mais atenção as duas músicas. Por fim, acabei me dando conta de que ambas são originais e diferentes uma da outra. Nenhuma é versão da outra.

     Pela proximidade dos anos em que vieram a público as letras de Datin/Lemarchand e do Vinícius, não sei dizer qual foi composta primeiro. Contudo, construí a ideia de que o Vinícius de Moraes, um dia, depois de ter assistido "Bonjour tristesse" em Paris, saiu do cinema tão mexido pela mensagem do filme que, de imediato, foi para seu apartamento, abriu uma garrafa de uísque, e deu bom dia à sua tristeza: muito provavelmente estava amando.   

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*Sagan, Françoise. Bom dia tristeza: tradutora: Sieni Maria Campos: 1ª Ed. - São Paulo: Mediafashion, 2017
**Georges Auric (1899-1983) - compositor francês
***Vinícius fez a letra, enviou-a por carta para sua amiga Aracy de Almeida que, por sua vez, entregou-a a Adoniran Barbosa - que a musicou.
**** "Bonjour tristesse" (EUA, 1958. Dir. Otto Preminger)
***** Françoise Sagan (1935-2004) - escritora francesa.
******Flávio Moura/André Nigri - Adoniran - Coleção Paulicéia. Boitempo Editorial, 1ª Ed., 2002, pg. 102