Veio de Vitória, no Espírito Santo, uma mensagem enviada pelo meu amigo Luiz Carlos. Nela, o Luiz Carlos sugere que eu ouça a voz, as interpretações e as gravações que foram feitas pela Ella Fitzgerald. Ele diz que a Ella lhe faz companhia nas horas de tranquilidade. Juntamente com a mensagem, ele enviou-me o link da gravação de "Summertime", na interpretação da Ella com o Louis Armstrong, juntos. Achei perfeita a sugestão. "Summertime" faz com que a gente, de dentro de nossos próprios cômodos, fique sentado em uma cadeira de balanço na varanda de uma casa do sul dos Estados Unidos, olhando ao longe uma extensa plantação de algodão - como nos tempos da escravidão.
https://m.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/04/1878386-no-centenario-de-ella-fitzgerald-relembre-shows-da-cantora-no-brasil.shtml
Gosto da Ella. É uma das maiores cantoras de todos os tempos - "uma das". Ela gravou, em 1956, um disco muito bonito com o Louis Armstrong: "Ella and Louis". Nele foram gravadas músicas do naipe de "April in Paris" e "The nearness of you". Este foi o primeiro de uma sequência de três discos que os dois gravaram juntos. Os outros foram "Ella and Louis again" (1957) e "Porgy and Bess" (1959). "Summertime" está no terceiro deles, o "Porgy and Bess". Gosto muito do primeiro deles. Mas gosto de lembrar que a Ella também era apaixonada por música brasileira. Tanto que, em 81, ela gravou um disco inteiro dedicado à Bossa Nova: "Ella abraça Jobim". É um disco bonito e bem brasileiro, a começar pela capa: as ondas formadas no mosaico de pedras das calçadas de Copacabana, no Rio de Janeiro.
https://www.vagalume.com.br/ella-fitzgerald/discografia/ella-abraca-jobim.html
Para mim há uma santíssima trindade negra de cantoras norte-americanas: Sarah Vaughan, Billie Holiday e Ella Fitzgerald. Recentemente, inseri nesse grupo, na forma de "amém", a Nina Simone. Mas a Nina, na minha avaliação, fica um pouco aquém das demais. Isso porque ela tem um perfil um tanto quanto, digamos, "combativo". E eu, como tenho uma certa preferência pelos perfis femininos mais frágeis e dóceis, deixo-a um pouco aquém das demais. No entanto, a interpretação que a Nina faz de "Wild is the wind" e de "I put a spell on you" dão a ela a credencial para estar próxima (um pouco atrás) das outras três.
Das três, a Sarah Vaughan é a minha mais querida. Gosto de tudo o que ela gravou, em especial dos seus três discos de músicas brasileiras. Em 1970, quando esteve no Brasil pela primeira vez, ela participou de um programa na extinta TV Tupi, cantando "The shadow of your smile" com o Wilson Simonal. A gravação dessa música em estúdio, por razões afetivas, é para mim "a cereja do bolo" em sua obra (bom... mas tem também uma segunda cereja: "Misty"... e uma terceira: "Someone to watch over me"... e uma quarta...)
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https://www.youtube.com/watch?v=muH8jXJ-FdU
A Billie foi, para mim, de uma garra e de uma fragilidade doídas. A voz sofrida, como sofrida foi sua vida, faz com que eu sempre queira, de alguma forma, quando a ouço, ampará-la. No fundo, no fundo, é ela quem sempre acaba me amparando quando eu a ouço cantar "I'll be seeing you" ou "You've changed".
https://musica.uol.com.br/noticias/efe/2015/04/07/billie-holiday-a-voz-mais-especial-do-jazz-completaria-cem-anos-hoje.htm
Se o Vinícius de Moraes encontrou no Tom, no Baden e no Carlos Lyra a sua santíssima trindade, com o Toquinho no "amém", como ele mesmo dizia, eu tenho também o amparo constante da minha "santíssima trindade": Sarah, Billie e Ella, nessa ordem - e com a Nina no "amém".
Com isso tudo quero mesmo é dizer que o Luiz Carlos é um bom sujeito: "diga-me com quem andas que eu te direi quem és". Se ele anda com a Ella, mesmo que seja somente nas horas de tranquilidade, ele tem a minha consideração: está demonstrado, portanto, que ele é um bom sujeito!