quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

A MINHA MANGUEIRA

 


 "Mangueira" - Foto: arq. pessoal



"Quando vejo uma luz que ninguém vê

E me sinto só, não sei por quê

Corro, vou pelo campo procurar

Lá tenho um amigo pra contar (...)"

(Paulinho Nogueira)


CLIQUE NA SETA

Paulinho Nogueira - "O pequeno amigo"

https://www.youtube.com/watch?v=YOCmmft5TQI


 

Foi no quintal de nossa casa que ela quis morar.

Fez sombras, ficou forte, deu frutos, cresceu: cresci com ela.

Testemunhou, por muitos anos, o caldeirão com leite em cima do muro:

Presente diário do fazendeiro-amigo, vizinho de fundo.


Contente com tão boa vizinhança, a mangueira buscou o céu,

Cresceu mais, fez mais sombras, deu mais frutos, deu pouso a pássaros.

Acompanhou a família nas festas e reuniões

Que aconteciam no fundo do quintal.


O tempo passou; nosso vizinho se foi, novos vizinhos vieram.

Feito braços de boas-vindas,

nossa mangueira estendeu seus galhos, cruzou o muro.

Passou a presentear o novo morador com suas folhas e seus frutos.


Avessa à demarcação de limites,

a mangueira ainda prolongou suas raízes por baixo do muro,

manifestou seu desejo de promover boa vizinhança,

e anunciou que fronteiras não devem imperar entre bons confrontantes.


Os novos vizinhos, incapazes de entender o significado de tais gestos,

Instalaram no muro cercas de arame eletrificado.

Tocadas pelas folhas e pelos frutos da mangueira,

um alarme passou a soar escandalosamente em ouvidos vigilantes.


Partindo do outro lado do muro, a queixa e o pedido logo chegaram:

"Frondosa e alta, a mangueira incomoda;

Suas folhas e seus frutos esbarram no arame,

fazem disparar o alarme: eliminá-la é a solução."

 

Infrutíferas as negociações, o fundo da casa ficou triste:

Sem a árvore, sem as sombras, sem os frutos, sem os pássaros.

Sobre o muro, fios enrolados exaltam Auschwitz -e seus idealizadores.

Em casa, sinto um vazio no peito ao olhar o quintal.