Tomei o meu café da manhã ouvindo um podcast a respeito de cronistas brasileiros. Enquanto comentavam, na gravação, os trabalhos de Fernando Sabino, dei-me conta de que não havia ido além de seus romances "O encontro marcado” e "O menino no espelho"; que pouco conhecia sobre sua obra. Terminei então o meu café, e saí à procura de alguma coletânea de suas crônicas.
A duas quadras de casa há uma pequena loja de livros usados. Logo que lá entrei fui recebido por um senhor bastante idoso, o qual apresentou-se como proprietário. Disse a ele, especificamente, o que buscava, e aproveitei para solicitar que procurasse, também, alguma coletânea do Paulo Mendes Campos, do Hélio Pellegrino ou do Otto Lara Rezende.
Ele esboçou um sorriso. Em seguida mostrou-me a região da loja onde estavam os autores brasileiros, indicou-me onde estavam os livros do Fernando Sabino, e pediu-me licença para ir em busca dos demais cronistas mencionados por mim. Puxei uma cadeira, sentei-me, e fiquei por ali lendo os títulos nas lombadas dos livros enfileirados, tirando um ou outro de seu lugar, olhando a capa, lendo os textos de apresentação na primeira e segunda orelhas, os comentários na contracapa, e passeando pelos índices para ter uma visão de conteúdo.
Pouco depois ele se aproximou. Com alguns livros nas mãos comentou que, ainda adolescente, na ilusão de tornar-se escritor, havia estado no lançamento de um livro do Fernando Sabino, em Campinas; que, inspirado por ele, havia começado a valorizar os seus próprios escritos, tendo, consequentemente, ingressado na faculdade de Letras. Deixando comigo uma pilha de livros que selecionara para me mostrar, sugeriu-me folhear Hélio Pellegrino, Lourenço Diaféria e Contardo Calligaris. Em seguida voltou para o local onde se encontrava inicialmente, sentou-se quieto em meio a uma desordem interessante, e voltou a manusear os livros que estavam ao seu lado.
Cerca de quarenta minutos se passaram até que fui, finalmente, até à sua mesa, e entreguei a ele os livros que havia escolhido: "A cidade vazia" e "Deixa o Alfredo falar!", do Fernando Sabino, e "Lucidez embriagada", do Hélio Pellegrino. Enquanto manuseava os livros ele contou-me como os havia adquirido, e lamentou pelo Fernando Sabino, o Graciliano Ramos, a Clarice Lispector e o Jorge Amado não terem conseguido ocupar Cadeira na Academia Brasileira de Letras. Continuou sua fala relembrando fatos passados e lidos a respeito de cada um dos escritores por ele mencionados; e, por fim, contou-me do quanto sua esposa havia ficado contente quando ele retirou de dentro de sua casa todos os seus livros para poder iniciar o negócio do sebo; que ainda não havia conseguido cadastrar todos, mas que gostava de passar os seus dias ali, separando livros, cadastrando, ajeitando...
Naquele instante uma senhora entrou na loja, e a conversa precisou ser interrompida para que ele pudesse atendê-la. Depois, fiz o acerto dos valores da minha compra com a sensação de que, independente dos livros que eu havia escolhido, aquela pequena conversa já havia feito com que valesse à pena a minha estada naquela livraria.
Ao agradecer e me despedir, dei-me conta de que, ao lado de sua mesa de trabalho, havia uma garrafa de vinho tinto e uma taça; e que, mesmo sem muitos clientes, ele parecia de fato sentir-se muito bem ali, rodeado por ideias desenvolvidas por mentes iluminadas, cujos nomes, pela simples menção, já eram motivo para o início de uma conversa.
Pouco falei. Mas ouvi. Voltei para casa com o sentimento de que a compra e a venda, em si, não eram o melhor que aquele sebo podia oferecer: eram uma simples consequência.
No próximo sábado, no período da manhã, pretendo retornar àquela loja de livros usados; quero comentar minhas impressões a respeito dos livros que lá adquiri. E talvez, se não for incômodo ao proprietário, eu até leve para lá uma taça e uma garrafa de vinho tinto para ficar também bebendo e manuseando livros, até que a fome se manifeste e eu precise retornar à minha casa para o almoço.