Discurso que proferi em 05/fev/25, na solenidade de posse da Diretoria 25/26 da Academia Ribeirãopretana de Letras (ARL).
Senhores componentes
da Mesa Diretora, Srs. Acadêmicos, Sras. Acadêmicas, Autoridades, Senhoras e
Senhores, minhas queridas amigas, meus queridos amigos.
A cerimônia de posse
é esse processo de transição, em que um grupo de acadêmicos, que dirigiu a
entidade, transmite a um outro grupo de acadêmicos eleitos, a responsabilidade
de cuidar e fazer cumprir os objetivos que ensejaram a sua fundação. Assim, ao
longo do tempo, para que a academia possa se renovar, uma diretoria é eleita
para geri-la, com prazo determinado, e a entidade, alternando poderes de tempos
em tempos, segue com energias renovadas pelo período estatutariamente previsto,
por todo o período de sua existência.
É importante, que em
todo processo de transição, uma solenidade, como a que está acontecendo nesta
noite, seja realizada. É importante, em especial nesses tempos de “terra em
transe”, que todas as entidades culturais abram
suas portas para que a comunidade possa celebrar o exercício da cultura, do
ideal da paz, e do convívio harmonioso.
Aliás, convívio
harmonioso possível e demonstrado pelo maestro judeu-argentino, Daniel
Baremboim, e pelo teórico literário palestino, Edward Said, que fundaram, em
1999, a West-Eastern Divan Orchestra – uma orquestra, que tem realizado
apresentações em todo o mundo, e que é composta por jovens músicos majoritariamente
árabes e judeus. Na arte, diante da beleza, diante do despertar para o sonho, os
homens se humanizam, cantam, dialogam, estendem os braços uns aos outros, se
abraçam, se completam e se complementam.
Este é, portanto, o
propósito de uma Academia de Letras: incentivar a cultura e a literatura... promover
a difusão e a preservação da Língua Pátria, inspirar, aproximar, humanizar, sugerir
possibilidades, abrir caminhos.
Quero, inicialmente,
agradecer e parabenizar a Fernanda pela sua magnífica condução dos destinos desta
nossa Academia nesses dois últimos anos; quero também agradecer e parabenizar todos
os componentes da diretoria 2023/2024, pelo notável espírito acadêmico, e pelo
carinho que dedicaram a cada um dos eventos e encontros realizados. E foram
muitos!
Destaco,
especialmente, as parcerias culturais com as demais entidades congêneres, com
evidente incentivo à convivência amena e fraterna, entre os membros dos diversos
grupos culturais existentes em Ribeirão Preto – e sempre com o apoio da
Secretaria da Cultura do Município. Ao longo destes últimos dois anos, a ARL promoveu
eventos e esteve presente na comunidade com vigor, com o destaque e o brilho
que ela merece ter, sempre levando e propondo a estética da inclusão. E não
somente nos últimos dois anos, mas também nas gestões anteriores, conduzidas
brilhantemente pelo Waldomiro, pelo Ferriani, e por tantos outros que vieram
antes de nós. O nosso agradecimento a todos os que nos antecederam, por nos
possibilitarem chegar até aqui com a consideração e o respeito vindos de toda a
comunidade.
Quero também
agradecer, com muito carinho, a todos os acadêmicos que se juntaram a nós, na
montagem de uma chapa para ser submetida à aprovação dos 40 membros efetivos da
Academia. Agradeço, portanto, ao voto de confiança que nos foi dado pela
maioria de nossos pares, evidenciando, assim, a legitimidade que necessitamos ter,
para podermos cuidar da Academia, como seus legítimos representantes no biênio
25/26. Sem o decidido apoio de tantos, nós não ousaríamos nos candidatar; e,
eleitos, tampouco ousaríamos assumir a direção da Academia – posição tão
honrosa quanto desafiadora. Afinal, ninguém ignora o quanto é difícil
administrar um centro produtor e difusor de estímulos culturais, sobretudo em
uma época em que determinados valores universais andam tão menosprezados.
Mas felizmente somos todos dotado das
capacidades de observar, de sentir, de pensar, de dialogar e fazer cumprir nossos
impulsos: tanto os construtivos quanto, infelizmente, os destrutivos. E Ruy
Guerra, nesse sentido, fez uma bela observação, no pequeno trecho de poema que
se ouve no “Fado Tropical”, de Chico Buarque de Holanda:
“Sabe, no fundo eu sou um sentimental.
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa
dosagem de lirismo
(além da sífilis, claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em
torturar,
esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos...
e sinceramente, chora...”
E é por isso que os
pensamentos precisam ser pensados antes de serem traduzidos em ação efetiva.
Assim, no breve instante contido entre intenção e o gesto, sensíveis ao universo
ao nosso redor, uma reflexão atenta pode promover resultados admiráveis. E a
literatura nos convida à reflexão.
Ao juntar essas
ideias para serem trazidas aqui, hoje, ocorreu-me um pequeno trecho de uma
canção argentina, “Solo le pido a Diós”, do compositor León Gieco - um
verdadeiro hino de apelo à consciência social e à compaixão humana:
"Só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente
Que a ressecada morte não me encontre
Vazio e só, sem ter feito o suficiente (...)"
E
a ARL é uma entidade que sempre esteve atenta às carências sociais e intelectuais
do homem, propondo, por conseguinte, reflexões inspiradas na literatura, que
possam resultar em descobertas e transformações. E é essa reação pensada,
trabalhada, que pergunta o porquê dos porquês, que procura interpretar um texto
e promover inquietação, ... é essa reação que constrói, que edifica... que faz
sonhar, viajar, acreditar na possibilidade de um mundo menos insensível, menos
desigual...
Nós,
da Academia Ribeirãopretana de Letras, acreditamos que a literatura seja o
instrumento apropriado para inspirar autoestima naqueles que se abatem; que seja
ela, a literatura, o instrumento que coloca o homem em mundos possíveis – e por
que não? - sem que ele, o homem, precise
deixar a pequena escrivaninha onde folheia os seus livros (conforme também
observou, um dia, o nosso amigo, escritor, Perce Polegato).
Pois
a ARL congrega um grupo de pessoas que lança o olhar para o passado, pensa e
repensa o presente, propõe inspiração, reúne, debate, incentiva, e projeta um
futuro. E é mesmo esse o seu propósito: estimular, provocar, sugerir...
acender.... AS-CEN-DER....
“Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além, subamos!
Com a posse física dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz. (...)
Oh, acima
Mais longe que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o infinito
De tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos! (...)"
-
Ah, Vinícius...!!
Em
um universo que agrega 40 mentes sonhadoras, a diversidade de ideias e de
leituras fervilha. Somos professores, médicos, advogados, engenheiros,
sociólogos, dentistas, funcionários públicos, empresários, comerciantes,
comerciários, industriários, historiadores... não importa: somos gente; somos
homens e mulheres, cada qual com sua história de vida, com um pequeno e
maravilhoso universo guardado no peito, que pode despertar e se expandir, a
partir da aproximação de outros universos contidos naqueles que se aproximam. É
nessas trocas que evoluímos, que rompemos fronteiras, que nos abraçamos, que
aceitamos, que celebramos a diversidade. E é bom que seja assim!
Creio
que a função de um intelectual, de um acadêmico, seja mesmo essa: inspirar questionamento,
promover reflexão, discutir possibilidades... Não somente diante de seus pares,
mas especialmente diante dos inocentes, dos ignorantes, dos que não conseguiram
ainda pensar na ideia de outras realidades.
A
estes, e a todos nós, creio, somente ler não basta! É preciso conversar, é
preciso analisar, é preciso avaliar a ideia proposta em um livro, em um texto jornalístico
ou literário qualquer. E é aí que a responsabilidade do intelectual, leia-se,
do acadêmico, é exigida: nas trocas, nos pequenos diálogos... propor questões,
formular perguntas... muito, muito além de trazer respostas – pois é o próprio indivíduo,
estimulado a isso, quem pode vislumbrar soluções para as suas angústias e para
as suas aflições... é ele quem pode encontrar caminhos que julgava impossíveis.
É, pois, a partir de uma provocação, que a elaboração do pensamento fervilha. E,
provocar, é função do intelectual.
É
claro que tudo se renova... o céu se
renova, as águas dos rios se renovam, o ar se renova, a administração pública
se renova, as entidades e os órgãos se renovam... eu revejo meus pensamentos, e
me renovo. Tudo se renova, inclusive a Academia. As possibilidades transitam na
mente de cada um de nós. É um privilégio podermos pensar e repensar, encontrar
caminhos... arejar nossos pulmões... e seguirmos em frente. Creio que a leveza
das nossas horas, do nosso tempo, seja decorrente da compreensão da nossa natureza,
inclusive da falibilidade de nossos gestos... Entendo a maturidade nessa
possibilidade de abertura para o que possa vir.... E é por isso que aplaudo os
jovens... É preciso que continuemos tendo a alegria da criança que vai, aos
poucos, desvendando o mundo... renovando, crescendo, amadurecendo... É o
exercício da reflexão, estimulado pela leitura e discussão de textos e ideias,
que pode rejuvenescer o envelhecido, levar a paz ao rancoroso, e restabelecer a
dignidade ao homem que não sabe onde encontrar a sua.
E
aqui na ARL, cada um dos acadêmicos contribui para que a nossa história
continue sendo tão bem escrita quanto tem sido até hoje. Nosso combustível é o
livro, nossa arma é a palavra; nossa fome é de ideias, nossa esperança é a felicidade
- de todos!
Sonho,
para a gestão que se inicia, propor que ouçamos mais, que enxerguemos mais, que
nos aproximemos dos nossos vizinhos e dos habitantes dos casebres mais distantes da
cidade, e levemos a eles os nossos olhos e os nossos corações sensíveis e
atentos... para que possamos perguntar com fundamento... para que possamos promover
alguma reflexão em torno de alguma ideia... posto que ideias e reflexões,
parece, deixaram de ser pensadas, que passaram a ser simplesmente transmitidas,
sem que haja uma avaliação a respeito da veracidade de seu conteúdo. E a
proposta desse questionamento, pela palavra e pela literatura, a respeito de
conteúdos que possam edificar e transformar, é o que, creio, temos a oferecer.
Penso que cada um de
nós, membros da Academia Ribeirãopretana de Letras, pode ir além das quatro
paredes que nos aprisiona... para podermos inspirar, para podermos fazer nascer
a possibilidade de novos caminhos aos desesperançosos, para podermos sanear
raciocínios tortos, e para podermos possibilitar o alimento intelectual a quem
vive empobrecido de sonhos e de ideais.
Não, não temos o
poder de salvar a tudo e a todos...
"...Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar a todos - se possível - judeus, o gentio... negros... brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido".
E
em um cenário fictício, inspirado no discurso do genial Charlie Chaplin, em O
Grande Ditador, milhões de pessoas ouvem... e se transformam... E quem, hoje,
nos ouve? E quem está disposto a dedicar alguns minutos para pensar no que
ouviu, para compreender que é o responsável pelos próprios erros ou acertos?
Não
sei... penso naquele grupo que, antes mesmo de 1947, em um mundo que havia
sofrido com a discriminação e começava a celebrar amplas liberdades, um grupo
que recitava poesias nos bancos dos jardins da Praça XV, rodeados de flores, propondo
a literatura e o muito que ela tinha (e tem) a oferecer ao homem empobrecido,
às comunidades intelectualmente adormecidas, aos desencantados sob as marquises
de edifícios... Não sei... fico imaginando cada um de nós, a partir dos textos que
lemos, que criamos... no contato com o outro... fico imaginando a proposta de
inspiração que oferecemos...
A
diretoria da ARL, que se inicia, não traz palavras de ordem, pois não as tem. A
diretoria que se inicia propõe o seu empenho, por intermédio da literatura; a sua
crença na capacidade do homem de poder ouvir, ler, pensar, discutir, se
emocionar... e se edificar...
Além da diretoria, no
fim das contas, todos nós, membros da ARL, temos a nossa semente de erro ou de
acerto nas pegadas que deixamos pelo caminho, e na estrada tão inteligentemente
ilustrada pelo poeta latino-americano, Rubén Darío, e que estamos prestes a
seguir:
"Peregrino que vais buscando em vão
Um caminho melhor que teu caminho,
Como queres que te dê a mão,
Se meu estigma é teu estigma, peregrino?
Não chegarás jamais a teu destino;
Levas a morte em ti como o verme
Que te rói o que tens de humano…
O que tens de humano e de divino!
Segue tranquilamente, Oh! Caminhante!
Ainda te fica muito distante
Esse país incógnito que sonhas…
E sonhar é um mal. Passa e esquece,
Pois se te empenhas em sonhar, te empenhas
Em aventar a chama de tua vida."
-
Sigamos, pois.
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