segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

ACADEMIA RIBEIRÃOPRETANA DE LETRAS - DISCURSO PROFERIDO NA SOLENIDADE DE POSSE DA DIRETORIA 25/26

 

Discurso que proferi em 05/fev/25, na solenidade de posse da Diretoria 25/26 da Academia Ribeirãopretana de Letras (ARL).

Foto: acervo pessoal (05fev25)
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Senhores componentes da Mesa Diretora, Srs. Acadêmicos, Sras. Acadêmicas, Autoridades, Senhoras e Senhores, minhas queridas amigas, meus queridos amigos.

 

A cerimônia de posse é esse processo de transição, em que um grupo de acadêmicos, que dirigiu a entidade, transmite a um outro grupo de acadêmicos eleitos, a responsabilidade de cuidar e fazer cumprir os objetivos que ensejaram a sua fundação. Assim, ao longo do tempo, para que a academia possa se renovar, uma diretoria é eleita para geri-la, com prazo determinado, e a entidade, alternando poderes de tempos em tempos, segue com energias renovadas pelo período estatutariamente previsto, por todo o período de sua existência.

 

É importante, que em todo processo de transição, uma solenidade, como a que está acontecendo nesta noite, seja realizada. É importante, em especial nesses tempos de “terra em transe”, que todas as entidades culturais abram suas portas para que a comunidade possa celebrar o exercício da cultura, do ideal da paz, e do convívio harmonioso.

 

Aliás, convívio harmonioso possível e demonstrado pelo maestro judeu-argentino, Daniel Baremboim, e pelo teórico literário palestino, Edward Said, que fundaram, em 1999, a West-Eastern Divan Orchestra – uma orquestra, que tem realizado apresentações em todo o mundo, e que é composta por jovens músicos majoritariamente árabes e judeus. Na arte, diante da beleza, diante do despertar para o sonho, os homens se humanizam, cantam, dialogam, estendem os braços uns aos outros, se abraçam, se completam e se complementam.

 

Este é, portanto, o propósito de uma Academia de Letras: incentivar a cultura e a literatura... promover a difusão e a preservação da Língua Pátria, inspirar, aproximar, humanizar, sugerir possibilidades, abrir caminhos.

 

Quero, inicialmente, agradecer e parabenizar a Fernanda pela sua magnífica condução dos destinos desta nossa Academia nesses dois últimos anos; quero também agradecer e parabenizar todos os componentes da diretoria 2023/2024, pelo notável espírito acadêmico, e pelo carinho que dedicaram a cada um dos eventos e encontros realizados. E foram muitos!

 

Destaco, especialmente, as parcerias culturais com as demais entidades congêneres, com evidente incentivo à convivência amena e fraterna, entre os membros dos diversos grupos culturais existentes em Ribeirão Preto – e sempre com o apoio da Secretaria da Cultura do Município. Ao longo destes últimos dois anos, a ARL promoveu eventos e esteve presente na comunidade com vigor, com o destaque e o brilho que ela merece ter, sempre levando e propondo a estética da inclusão. E não somente nos últimos dois anos, mas também nas gestões anteriores, conduzidas brilhantemente pelo Waldomiro, pelo Ferriani, e por tantos outros que vieram antes de nós. O nosso agradecimento a todos os que nos antecederam, por nos possibilitarem chegar até aqui com a consideração e o respeito vindos de toda a comunidade.

 

Quero também agradecer, com muito carinho, a todos os acadêmicos que se juntaram a nós, na montagem de uma chapa para ser submetida à aprovação dos 40 membros efetivos da Academia. Agradeço, portanto, ao voto de confiança que nos foi dado pela maioria de nossos pares, evidenciando, assim, a legitimidade que necessitamos ter, para podermos cuidar da Academia, como seus legítimos representantes no biênio 25/26. Sem o decidido apoio de tantos, nós não ousaríamos nos candidatar; e, eleitos, tampouco ousaríamos assumir a direção da Academia – posição tão honrosa quanto desafiadora. Afinal, ninguém ignora o quanto é difícil administrar um centro produtor e difusor de estímulos culturais, sobretudo em uma época em que determinados valores universais andam tão menosprezados.

 

        Mas felizmente somos todos dotado das capacidades de observar, de sentir, de pensar, de dialogar e fazer cumprir nossos impulsos: tanto os construtivos quanto, infelizmente, os destrutivos. E Ruy Guerra, nesse sentido, fez uma bela observação, no pequeno trecho de poema que se ouve no “Fado Tropical”, de Chico Buarque de Holanda:

 

“Sabe, no fundo eu sou um sentimental.

Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo

(além da sífilis, claro)

Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar,

esganar, trucidar

Meu coração fecha os olhos...

e sinceramente, chora...”

 

E é por isso que os pensamentos precisam ser pensados antes de serem traduzidos em ação efetiva. Assim, no breve instante contido entre intenção e o gesto, sensíveis ao universo ao nosso redor, uma reflexão atenta pode promover resultados admiráveis. E a literatura nos convida à reflexão.

 

Ao juntar essas ideias para serem trazidas aqui, hoje, ocorreu-me um pequeno trecho de uma canção argentina, “Solo le pido a Diós”, do compositor León Gieco - um verdadeiro hino de apelo à consciência social e à compaixão humana:

 

"Só peço a Deus

Que a dor não me seja indiferente

Que a ressecada morte não me encontre

Vazio e só, sem ter feito o suficiente (...)"

 

       E a ARL é uma entidade que sempre esteve atenta às carências sociais e intelectuais do homem, propondo, por conseguinte, reflexões inspiradas na literatura, que possam resultar em descobertas e transformações. E é essa reação pensada, trabalhada, que pergunta o porquê dos porquês, que procura interpretar um texto e promover inquietação, ... é essa reação que constrói, que edifica... que faz sonhar, viajar, acreditar na possibilidade de um mundo menos insensível, menos desigual...

 

       Nós, da Academia Ribeirãopretana de Letras, acreditamos que a literatura seja o instrumento apropriado para inspirar autoestima naqueles que se abatem; que seja ela, a literatura, o instrumento que coloca o homem em mundos possíveis – e por que não? -  sem que ele, o homem, precise deixar a pequena escrivaninha onde folheia os seus livros (conforme também observou, um dia, o nosso amigo, escritor, Perce Polegato).

 

       Pois a ARL congrega um grupo de pessoas que lança o olhar para o passado, pensa e repensa o presente, propõe inspiração, reúne, debate, incentiva, e projeta um futuro. E é mesmo esse o seu propósito: estimular, provocar, sugerir... acender.... AS-CEN-DER....

 

“Subamos!

Subamos acima

Subamos além, subamos

Acima do além, subamos!

Com a posse física dos braços

Inelutavelmente galgaremos

O grande mar de estrelas

Através de milênios de luz. (...)

 

Oh, acima

Mais longe que tudo

Além, mais longe que acima do além!

Como dois acrobatas

Subamos, lentíssimos

Lá onde o infinito

De tão infinito

Nem mais nome tem

Subamos! (...)"

 

       - Ah, Vinícius...!!

 

       Em um universo que agrega 40 mentes sonhadoras, a diversidade de ideias e de leituras fervilha. Somos professores, médicos, advogados, engenheiros, sociólogos, dentistas, funcionários públicos, empresários, comerciantes, comerciários, industriários, historiadores... não importa: somos gente; somos homens e mulheres, cada qual com sua história de vida, com um pequeno e maravilhoso universo guardado no peito, que pode despertar e se expandir, a partir da aproximação de outros universos contidos naqueles que se aproximam. É nessas trocas que evoluímos, que rompemos fronteiras, que nos abraçamos, que aceitamos, que celebramos a diversidade. E é bom que seja assim!

 

       Creio que a função de um intelectual, de um acadêmico, seja mesmo essa: inspirar questionamento, promover reflexão, discutir possibilidades... Não somente diante de seus pares, mas especialmente diante dos inocentes, dos ignorantes, dos que não conseguiram ainda pensar na ideia de outras realidades.

 

       A estes, e a todos nós, creio, somente ler não basta! É preciso conversar, é preciso analisar, é preciso avaliar a ideia proposta em um livro, em um texto jornalístico ou literário qualquer. E é aí que a responsabilidade do intelectual, leia-se, do acadêmico, é exigida: nas trocas, nos pequenos diálogos... propor questões, formular perguntas... muito, muito além de trazer respostas – pois é o próprio indivíduo, estimulado a isso, quem pode vislumbrar soluções para as suas angústias e para as suas aflições... é ele quem pode encontrar caminhos que julgava impossíveis. É, pois, a partir de uma provocação, que a elaboração do pensamento fervilha. E, provocar, é função do intelectual.

 

       É claro que tudo se renova...  o céu se renova, as águas dos rios se renovam, o ar se renova, a administração pública se renova, as entidades e os órgãos se renovam... eu revejo meus pensamentos, e me renovo. Tudo se renova, inclusive a Academia. As possibilidades transitam na mente de cada um de nós. É um privilégio podermos pensar e repensar, encontrar caminhos... arejar nossos pulmões... e seguirmos em frente. Creio que a leveza das nossas horas, do nosso tempo, seja decorrente da compreensão da nossa natureza, inclusive da falibilidade de nossos gestos... Entendo a maturidade nessa possibilidade de abertura para o que possa vir.... E é por isso que aplaudo os jovens... É preciso que continuemos tendo a alegria da criança que vai, aos poucos, desvendando o mundo... renovando, crescendo, amadurecendo... É o exercício da reflexão, estimulado pela leitura e discussão de textos e ideias, que pode rejuvenescer o envelhecido, levar a paz ao rancoroso, e restabelecer a dignidade ao homem que não sabe onde encontrar a sua.

 

       E aqui na ARL, cada um dos acadêmicos contribui para que a nossa história continue sendo tão bem escrita quanto tem sido até hoje. Nosso combustível é o livro, nossa arma é a palavra; nossa fome é de ideias, nossa esperança é a felicidade - de todos!

 

       Sonho, para a gestão que se inicia, propor que ouçamos mais, que enxerguemos mais, que nos aproximemos dos nossos vizinhos e dos  habitantes dos casebres mais distantes da cidade, e levemos a eles os nossos olhos e os nossos corações sensíveis e atentos... para que possamos perguntar com fundamento... para que possamos promover alguma reflexão em torno de alguma ideia... posto que ideias e reflexões, parece, deixaram de ser pensadas, que passaram a ser simplesmente transmitidas, sem que haja uma avaliação a respeito da veracidade de seu conteúdo. E a proposta desse questionamento, pela palavra e pela literatura, a respeito de conteúdos que possam edificar e transformar, é o que, creio, temos a oferecer.

      

Penso que cada um de nós, membros da Academia Ribeirãopretana de Letras, pode ir além das quatro paredes que nos aprisiona... para podermos inspirar, para podermos fazer nascer a possibilidade de novos caminhos aos desesperançosos, para podermos sanear raciocínios tortos, e para podermos possibilitar o alimento intelectual a quem vive empobrecido de sonhos e de ideais.

 

Não, não temos o poder de salvar a tudo e a todos...  

 

"...Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar a todos - se possível - judeus, o gentio... negros... brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar ou desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossas necessidades. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido".

 

       E em um cenário fictício, inspirado no discurso do genial Charlie Chaplin, em O Grande Ditador, milhões de pessoas ouvem... e se transformam... E quem, hoje, nos ouve? E quem está disposto a dedicar alguns minutos para pensar no que ouviu, para compreender que é o responsável pelos próprios erros ou acertos?

 

       Não sei... penso naquele grupo que, antes mesmo de 1947, em um mundo que havia sofrido com a discriminação e começava a celebrar amplas liberdades, um grupo que recitava poesias nos bancos dos  jardins da Praça XV, rodeados de flores, propondo a literatura e o muito que ela tinha (e tem) a oferecer ao homem empobrecido, às comunidades intelectualmente adormecidas, aos desencantados sob as marquises de edifícios... Não sei... fico imaginando cada um de nós, a partir dos textos que lemos, que criamos... no contato com o outro... fico imaginando a proposta de inspiração que oferecemos...

 

       A diretoria da ARL, que se inicia, não traz palavras de ordem, pois não as tem. A diretoria que se inicia propõe o seu empenho, por intermédio da literatura; a sua crença na capacidade do homem de poder ouvir, ler, pensar, discutir, se emocionar... e se edificar...

 

Além da diretoria, no fim das contas, todos nós, membros da ARL, temos a nossa semente de erro ou de acerto nas pegadas que deixamos pelo caminho, e na estrada tão inteligentemente ilustrada pelo poeta latino-americano, Rubén Darío, e que estamos prestes a seguir:

 

"Peregrino que vais buscando em vão

Um caminho melhor que teu caminho,

Como queres que te dê a mão,

Se meu estigma é teu estigma, peregrino?

Não chegarás jamais a teu destino;

Levas a morte em ti como o verme

Que te rói o que tens de humano…

O que tens de humano e de divino!

Segue tranquilamente, Oh! Caminhante!

Ainda te fica muito distante

Esse país incógnito que sonhas…

E sonhar é um mal. Passa e esquece,

Pois se te empenhas em sonhar, te empenhas

Em aventar a chama de tua vida."

 

       - Sigamos, pois.


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