Minha intenção é publicar aqui as coisas que leio, vejo, penso ou observo, e que me fazem sentir que acrescentam. Afinal, as coisas só se tornam inteiramente bonitas quando podem ser compartilhadas e se mostram repletas de significados comuns.
(Paul McCartney and the Frog Chorus - "We all stand together")
https://www.youtube.com/watch?v=PcDVH8DiBnM
Recebo do João uma mensagem, do Ian um cartão, da minha mãe um telefonema, da minha esposa seu amor, dos meus filhos seus bons olhares, da minha tia um elogio, do Abrahão a solidariedade, da minha irmã um sorriso, do Romeu uma gravação, do Charles um brinde, do Ricardo “feliz Navidad”, do Nanão a amizade, do Rossi a simpatia, do Adilson um CD, do Zé um livro, da Estela um abraço, do Mobi a consideração, do vendedor uma bala, do desconhecido um sorriso... e muito, muito mais... de tanta gente...
Fico olhando nas ruas, nas lojas, as pessoas escolhendo alguma coisa para presentear a família, os amigos... Gosto disso. Nessa época do ano todos nós levamos no pensamento as pessoas que nos são caras - e queremos agradá-las, vê-las contentes. São todos gestos de consideração, de carinho, de amor e amizade. É o período de maior pureza e bondade espalhadas por todos os lados. Os litígios formais são deixados de lado...
Além de saúde, do que mais precisamos nós senão da capacidade de sabermos reconhecer que estamos rodeados de gente querida que nos quer bem?
Sigamos juntos. Estamos vivendo o mesmo tempo e passando pela vida com a mesma ânsia de sermos felizes. Somos os autores da nossa própria história, e temos o privilégio de podermos contar uns com os outros. Sigamos juntos... no espírito de Natal:
(Sinatra & Jobim, 1964 - "Corcovado", "Change Partners", "I concentrate on you", "The girl from Ipanema")
Ah!!.... mas que delícia ver e ouvir isso. Ene vezes, milhares de vezes... Sinatra & Jobim, a bossa-nova sendo apresentada nos Estados Unidos. A música garbosa, elegante, o tom intimista, a delicadeza do violão, o Frank Sinatra – adequando-se ao estilo - sussurrando melodias de bossa nova, admirando o Tom...
Quando fui para a Inglaterra pelo Rotary, além de um belíssimo CD da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto interpretando bossa-nova, levei também algumas coletâneas de música brasileira. Era meu desejo presentear com música as pessoas que eu encontrasse eque demonstrassem bom gosto musical. A primeira gravação do CD de coletâneas era “Garota de Ipanema”, na voz do Frank Sinatra e do Tom Jobim.
Ao conhecer o Ian e a Sue em Corbridge, percebi nos dois sensibilidade para a música: a evidência? um poster da capa do LP “Help” dos Beatles que tinham na parede da sala. Conversamos sobre o Brasil e sobre música além de muitas outras coisas... Expliquei a eles os valores da bossa-nova, o céu, o mar, o barquinho, o sol... expliquei também o ambiente ideal para se ouvir bossa-nova: uma sala pequena, voz, violão... uísque e cigarro (para os que fumam). Ouviram-me com atenção britânica. Presenteei-os com uma cópia de cada CD.
(Estação de Corbridge - arq. pessoal - 05/out/2011)
Em uma das noites em que estive hospedado na casa deles, logo depois de um dia de muitas visitas cumpridas, encontrei os dois sentados em silêncio na sala de música. Tomavam uísque e ouviam em silêncio a gravação de “Garota de Ipanema” que eu havia lhes dado. Estavam encantados com a batida do violão. O Ian, beatlemaníaco dos bons, pediu-me então para também me sentar, ouvir música e tomar uísque com eles. Em seguida, enchendo meu copo, trouxe-me um violão e pediu-me para mostrar-lhe como puxar as cordas na mão direita para conseguir a batida de bossa-nova. Exemplifiquei com os acordes de “Garota de Ipanema”. Ele, sentado no carpete, na minha frente, observava atentamente como se estivesse decifrando a coisa mais maravilhosa do mundo. Ouvimos o CD e tocamos violão até a última gota de uísque.
No dia em que fui embora de Corbridge, dentro do carro, pedi ao Ian e à Sue para que falassem qualquer coisa para que eu pudesse filmá-los e guardar suas mensagens. Para minha surpresa e alegria, o Ian nada falou: cantou “Garota de Ipanema”. Percebi então que havia nascido ali, naquela parte da Inglaterra, um novo apreciador de bossa-nova.
Do outro lado da rua, bem na direção do meu escritório, há três palmeiras imperiais bem altas. Quando me distraio olhando através da vidraça, é para elas que meu olhar se direciona. Essas três palmeiras sempre me trazem outras árvores que, em algum dia, em algum momento, já me serviram de referência.
Eu me recordo que depois dos muros da minha escola primária, dando para cada uma das suas ruas laterais, havia duas árvores enormes. Não sei dizer se eram seringueiras... Sob suas sombras ficávamos aguardando o início de nossas aulas. Já eram antigas e enormes naquele tempo. Mirando as palmeiras e revendo na memória essas árvores da minha escola primária, o pensamento viaja:
Olha estas velhas árvores, mais belas
do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
vivem, livres de fomes e fadigas;
e em seus galhos abrigam-se as cantigas
e os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
como as árvores fortes envelhecem:
Na glória da alegria e da bondade,
agasalhando os pássaros nos ramos,
dando sombra e consolo aos que padecem!¹
("uma velha árvore na rodovia" - arq. pessoal, jun2010)
Gosto de rever as árvores que me servem de referência. Ao revê-las tenho de volta tudo o que sua lembrança evoca e suscita. Há sempre comunicação e ensinamentos transformadores entre árvores e homens que observam.
"Outoniza-te com dignidade, meu velho", concluiu uma amendoeira quando inspirava no Drummond o aprendizado de que "o outono é mais uma estação da alma que da natureza".²
Da mesma forma, quando o Rubem Braga percebeu que um pé de milho empendonou-se em retribuição a um gesto seu, observou com alegria³:
"(...) não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever: sou um rico lavrador (...)."
E flutuando assim, com o pensamento vagando pelas palmeiras, ressurge-me também a mangueira de tronco forte e galhos frondosos que havia no quintal de minha casa. Cuidávamos bem dela e brincávamos em seus galhos com laços de corda e balanços de madeira. Era com folhas e frutos que retribuía as atenções que a ela dedicávamos. Nas festas de aniversário nós a enfeitávamos de luzes, e sob seus galhos nós nos confraternizávamos com amigos e familiares. Provocada pelo vento, e em madrugadas chuvosas, eu louvava sua existência anunciada pelo barulho de suas folhas. Quando acordávamos nas manhãs que se seguiam, o chão forrado de folhas e frutos caídos evidenciava as batalhas que ela enfrentava para atravessar a noite ao nosso lado.
As árvores que nos servem de referência têm o poder de congelar nosso tempo interior. De existência mansa e constante, elas acompanham nossa passagem como se fossem depositárias de nossas histórias e de nosso tempo.
Aos que me perguntam, situo meu escritório bem em frente às três palmeiras, como se não houvesse mais nada por ali que, estando vinculado a mim, pudesse servir de referência. Porém, explicando a um amigo onde estava situado meu escritório, surpreendi-me ao ouvi-lo concluir que ele se localiza no quarteirão da avenida onde há cinco bananeiras na esquina.
Essa observação me encantou. Afinal, "árvore nova, histórias novas, vida nova!", pensei.
Quantas árvores podem encerrar uma identificação relativa à nossa existência? A árvore simboliza a vida em si. Uma nova árvore representa um universo de novas histórias e identificações. Fui procurá-las. Minhas novas árvores. Eram pequenas. Nunca as havia notado. Fiquei contente ao ver que eram novas e que ainda vão crescer e dar frutos. Eu não imaginava que aquelas pequenas bananeiras na calçada de uma avenida de cidade grande poderiam servir de referência a algo relativo a mim.
Pois agora eu as observo de longe, com atenção e cuidado, percebendo que um cacho de frutos está brotando de uma delas...
("Uma bananeira na esquina" - arq. pessoal, 05dez2011)
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¹ - Olavo Bilac – “Velhas Árvores”
² - ANDRADE, Carlos Drummond de. Fala Amendoeira. Rio de Janeiro, 10ª Ed., Record/1986
³ - BRAGA, Rubem. 200 Crônicas Escolhidas. Rio de Janeiro, 6ª Ed., Record/1986