sexta-feira, 24 de agosto de 2012

DOIS DINOSSAUROS


 ("Let's get together" - The Youngbloods, 1967)
     Cumpro as obrigações do dia e fico olhando a rua pela janela. Cinco da tarde. Impossível ouvir no rádio qualquer coisa aproveitável. Quanta porcaria! Não me submeto a isso. Desço as escadas. Procuro uma esquina para me encostar em um poste e ficar parado, na esperança de encontrar meus amigos.

(Banda Terra Seca - meus amigos João, Nanão, Zé Rubens - foto: arq. pessoal)
     - “Cadê o Nanão, o Marquinho; cadê o Zé Américo, cadê o João, o Julim Batata; cadê o Júnior, cadê o Quim, cadê o Paulinho; cadê o Tigrão, o Mamãn...?”
     - “Besteira, por aqui não passarão...” - eu mesmo me respondo calado.
     Entro no carro e me misturo na confusão do trânsito de sexta-feira. O mundo inteiro, ansiosamente, faz barulho lá fora. Aqui dentro, batendo asas no para-brisa, um pequeno inseto me faz companhia.
     Atravesso as avenidas, paro no farol; um menino me oferece doces, um senhor me pede uma moeda. Acelero o carro e sigo na direção do movimento...
     Coloco prá tocar um CD que ganhei do Zé Américo, com capa personalizada, dedicatória e assinatura: setembro de 2002. A primeira música, “Let’s get together”, Youngbloods. Nela estamos todos...
     Ouvindo “Let’s get together” faço uma ligação pelo celular. Lá longe ouço a voz do Renatão atendendo a chamada.

      - “Alô, alô... alô... alô... Bosta! quem é?”
      Não digo nada...  Rio.

     Passadas algumas frações de minuto ele desiste de falar. Aumento o volume. Ele fica em silêncio, atento; não desliga; ouve a música e começa a cantar. Entro no mesmo tom, me ajeito no banco do carro, levanto os vidros de todas as janelas, ligo o ar condicionado, e canto junto...

"C'mon people now
Smile on your brother
Ev'rybody get together
Try and love one another right now"

      A música termina e ouço lá longe uma exclamação de surpresa e contentamento:


      - “Caraaaaio... que tesão de música!”
     Depois desligo o celular sem falar nada. Ele sabe que sou eu. Somos dois amigos “dinossauros” nesse emaranhado de carros e prédios... e estações de rádio vagabundas!


(fonte: http://www.allmusic.com/album/the-youngbloods-mw0000075743)
The Youngbloods

11 comentários:

  1. cadê o Edson e seu corcel amarelo , sem teogonia , sem mar , sem BH.cadê meu amigo Elias agora tão distante entre carros e zumbidos nesta sexta-feira sem cesta sem feira.ainda bem que restou o julim batata e olha que não é pouca coisa não.cadê o piano prá comprar e o violão pra consertar perto da estação....

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é, Edson, muita coisa boa acaba passando (as ruins também, felizmente) e a gente nem se dá conta... passam as coisas e passamos nós. Fico contente que tenha visitado o blog, lido o texto, e postado a mensagem acima relativa às coisas que o texto despertou em você. Grande abraço.

      Excluir
  2. Bom saber que se tem um amigo! E que você tem a quem telefonar, Elias. Esse mundo corrido, esse movimento contínuo e quantas vezes, a gente só quer ouvir uma boa música, bater um papo com um amigo... Escutar e se sentir ouvido! Abraço, Elias. Flávia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Flávia, pelas observações que você postou. Obrigado pelas visitas que faz ao blog e por compartilhar conosco as impressões que os textos fazem nascer em você.

      Excluir
  3. Elias, você é que é um DINOUSSAURO. Benditas são suas tardes inspiradoras!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Meu amigo Charlie... Fiquei contente em saber que você visitou o blog e leu o texto. Obrigado pela mensagem. Grande abraço. E feliz aniversário atrasado.

      Excluir
    2. Obrigado por lembrar de meu níver. É sempre em tempo. Pois é, tenho entrado em seu blog regularmente. Mas, não escrevo - não respondo sempre. Quanto a você, continue, pls!

      Excluir
  4. Querido amigo Elias, obrigado pela referência. Somos todos dinossauros quando se trata das músicas boas que formaram nossa trilha sonora de vida. E sobre a saudade daqueles com os quais vivenciamos essa trilha sonora, também tenho muitas saudades, principalmente dos que já partiram. E olha que foram muitos os que partiram, e nesse caso também podemos considerar que somos dinossauros. Apesar do sentimento angustiante que as lembranças podem trazer, é ao mesmo tempo um alento agradável relembrar os momentos marcantes de nossas vidas. Abraços.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Acho que no fim das contas só temos que agradecer por termos a felicidade de sermos movidos a música; que muitas delas nos remetem a amigos que estão conosco ou que já partiram, mas que dentro de nós, tanto uns quanto outros, seguem cheios de vida. Grande abraço, e obrigado pelas suas observações.

      Excluir
  5. Tarde de sexta, tempo prometendo chuva, na "linha do trem", entre a estação e a rua deputado joao de faria, dois amigos aguardam chegar no trem das 4 vindo de rib preto, compacto de Don'T let me down. Estamos no dia 21 de maio de 1969. Olham um para o outro e dizem: chegou. Ainda hoje ouço o apito do trem.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querido amigo. Com dois anos de atraso venho responder seu comentário. Você, também um grande dinossauro, guardou muitas histórias. Contudo, por você já não mais podemos conhecê-las. Te agradeço pelo depoimento, e te digo que fiquei muito feliz... Obrigado.

      Excluir