terça-feira, 8 de abril de 2014

ROMEU E JULIETA


("Romeu e Julieta" - o instante fatal - fonte: http://danibottrel.blogspot.com.br/2009/11/romeu-e-julieta.html)

     Nosso tempo de criar é finito. Dura o tempo de nossa vida. O tempo de duração daquilo que criamos, entretanto, vai muito além do nosso próprio tempo de existência.

     Quando morre um artista a poesia em nosso universo diminui. O mundo embrutece. É muito ruim pensarmos que de um poeta ou compositor de quem gostamos nada mais de novo aparecerá: nenhuma música nova, nenhum poema novo, nenhum texto, nada... É assim que também me sinto nessas circunstâncias: diminuído.

     Foi assim que me senti quando morreram o Vinícius, o Tom, o John Lennon, o Rubem Braga e tantos outros. Quais seriam, então, as possibilidades de ouvirmos hoje uma música nova do Tom? do John Lennon? De lermos uma poesia inédita do Vinícius? ou descobrirmos uma nova crônica do Rubem Braga? Praticamente nenhuma...

     Mas outro dia ouvi o Toquinho e uma cantora interpretando uma música que eu desconhecia. A melodia trazia algo de medieval, e casava muito bem com a letra. Ao ouvi-la parei tudo o que estava fazendo, e segurei a respiração. Não queria atrapalhar nenhuma nota musical, nenhuma palavra da letra.

     A música falava de alguém que, sabendo de sua finitude, procurava carregar da vida um amor que havia tido. Pedia, então, que não fosse esquecido:

"Não te esqueças de mim
quando um dia eu me for..."

     Pedia que fosse depositada uma flor onde houvesse uma mensagem sua; um epitáfio declarando o seu amor:

"Aqui jaz um amor
que foi lindo demais
Aqui jaz um amor
em paz"

     Atento a essa letra, carregada ao mesmo tempo de sofrimento e lirismo, percebi nela um certo quê de Vinícius de Moraes.

     E continuei a ouvi-la, encantado que estava com a simplicidade poética dos seus versos.

     No final da letra o autor pedia que alguém, depois dele, procurasse um punhal para concluir sua própria vida, e que derramasse seu sangue junto ao dele:

"E no instante fatal,
ao sentires teu fim,
vem deitar o teu sangue
em mim".

     Gelei! Tudo isso me lembrou a história dos suicídios de Romeu e de Julieta, ambos por amor de um pelo outro, tal como contado por William Shakespeare em sua obra literária - e que todos nós conhecemos: o amor e a morte de dois jovens, cujas famílias, Montecchio e Capuleto, viviam em conflito.

     Com essa música na cabeça, fui pesquisar sua autoria. E encontrei o próprio Toquinho contando: que havia feito a música com o Vinícius de Moraes em meados da década de 70; que lembrava-se da melodia e parte da letra, mas que  a composição havia sido perdida e, por isso, nunca gravada. Conta ainda que, um belo dia, uma amiga do Vinícius o procurou para entregar-lhe a letra datilografada e com correções manuscritas pelo próprio Vinícius.

     Depois disso essa música foi então gravada pelo Toquinho, com a participação de Anna Setton, em um disco seu de 2011 chamado "Quem viver verá".

     Conhecendo agora essa história, e confabulando o impossível, ouço a música e fico me perguntando:

     - "Se fossem contemporâneos, ao ouvir uma obra sua sendo assim resumida e musicada, o que o Shakespeare teria dito ao Vinícius?"

     Não tenho a resposta. Só sei que gostei da composição... e da história de seu aparecimento.

(CLIQUE PARA OUVIR)


Romeu e Julieta 
(Toquinho e Vinicius de Moraes)
Não te esqueças de mim
Quando um dia eu me for
Deposita uma flor
Onde disser assim: 
Aqui jaz um amor
Que foi lindo demais
Aqui jaz um amor em paz

E não busques jamais
Repousares enfim
Busca um velho punhal
De ferrugem ruim
E num instante fatal
Ao sentires teu fim
Vem deitar o teu sangue em mim 

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Creio que o Shakespeare, além de muitas outras coisas, também teria dito ao Vinícius: "Belíssimo!". Obrigado pelo comentário.

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  2. Sílvio. Suas visitas ao blog e os comentários que faz em relação aos textos me contentam muito. Obrigado. Grande abraço.

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