quinta-feira, 28 de maio de 2015

THE LOGICAL SONG


"The singing butler" - Jack Vettriano, 1992
fonte: http://graphics8.nytimes.com/images/2006/02/23/arts/lyall2.650.jpg


Para o Tunico


     Um amigo me escreve e diz que está cansado. Que dorme pouco; que seu cachorro late ao invés de fazer "festinha" quando ele chega em casa; que a namorada já nem mais pergunta se ele vai voltar cedo; que não teve tempo de visitar os filhos recém-nascidos dos amigos; que as olheiras estão enormes; que se arrasta pelas escadas do prédio onde mora; e, ainda, que tem de ouvir, com frequência, as pessoas lhe dizerem: "Que ressaca, hein?!?!"

     E esse amigo me pergunta o que fazer.

     Bom... claro que cada um tem sua receita. E, certamente, nenhuma é igual à outra. 

     Mas tudo isso só tem uma explicação: tempo, compromissos, responsabilidades, escolhas; vida.

     A banda britânica "Supertramp" traduziu muito bem, em "The Logical Song", o ciclo da vida.

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Supertramp - "The logical song" (1979) 


The Logical Song

When I was young
It seemed that life was so wonderful
A miracle, oh it was beautiful, magical
And all the birds in the trees
Well they'd be singing so happily
Oh, joyfully, playfully, watching me
 

But then they sent me away
To teach me how to be sensible
Logical, oh responsible, practical
And they showed me a world
Where I could be so dependable
Clinical, intellectual, cynical

There are times when all the world's asleep
The questions run too deep
For such a simple man
Won't you, please, please, tell me what we've learned
I know it sounds absurd
But please tell me who I am

Now watch what you say
Or they'll be calling you a radical
A liberal, oh fanatical, criminal
Oh, won't you sign up your name
We'd like to feel you're
Acceptable, respectable, presentable, a vegetable

At night when all the world's asleep
The questions run so deep
For such a simple man
Won't you please, please tell me what we've learned
I know it sounds absurd
But please tell me who I am
Who I am, who I am, who I am
A Canção Lógica

Quando eu era jovem
Parecia que a vida era tão maravilhosa
Um milagre, era tão bonita, mágica
E todos os pássaros nas árvores
Estavam cantando tão felizes
Alegres, brincalhões, me observando
 

Mas aí fui mandado para longe
Para me ensinar a ser sensato
Lógico, responsável, prático
E me mostraram um mundo
Onde eu poderia ser muito seguro

Clínico, intelectual, cínico
 

Às vezes, quando todo o mundo dorme
As perguntas se aprofundam

Para um homem tão simples
Por favor, me diga o que aprendemos
Eu sei que soa absurdo
Mas por favor me diga quem eu sou

Agora cuidado com o que você diz
Ou eles vão te chamar de radical
Um liberal, fanático, criminoso
Oh, você não vai assinar seu nome?
Gostaríamos de sentir que você é
Adequado, respeitável, apresentável, um vegetal!

À noite, quando o mundo todo está adormecido
As questões seguem muito profundas
Para um homem tão simples
Por favor, me diga o que aprendemos
Eu sei que soa absurdo
Mas por favor me diga quem sou eu
Quem sou eu, quem sou eu, quem sou eu


     Da minha parte, digo ao meu amigo que ele não é o único a fazer perguntas para se conhecer, para compreender o homem, e para reavaliar escolhas. Ainda bem que as faz. 

     Volta e meia somos todos tomados pela mesma necessidade de buscar respostas. Todos nós! Veja só a letra de "The logical song"! Ela não fala justamente disso?

     Pensando no meu amigo, raciocino. Apesar dos pesares há sempre um outro lado para o qual precisamos olhar. Espero que ele o considere e que consiga dosar as porções das atividades escolhidas - na proporção que só a ele cabe definir. Acima de tudo, espero que ele não se esqueça de que o essencial nos é dado de graça. E ainda: que dance com alegria a canção natural da vida, fazendo com que tudo lhe valha à pena... Afinal, o meu amigo sempre soube fazer ótimas escolhas - e por isso sei que sua alma não é - nem nunca foi - pequena! 

     Au revoir!
   

quarta-feira, 20 de maio de 2015

O LIVRO DO PORTO



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(Dresden Concerto in G  major: Adagio - Vivaldi - por Alberto Martini)



"(...) acionando bombas
tirando lá do fundão
a lama vermelha
que vai correndo como sangue pela sarjeta 
fecundar outras terras
levar a elas o vigor da nossa civilização!"
(S.Porto, em "Civilização")


     O Raimundo encontrou no lixo uma caixa cheia de livros e a levou para sua loja de sapatos. Ali, amontoado em um canto, deixou-os entre cadeiras e armários velhos. Não se interessando por nenhum deles, e sem saber a quem doá-los, perguntou-me se eu não os queria. 

     Selecionei alguns deles e trouxe-os para a biblioteca do meu escritório. Dentre tantos escritores, professores e pensadores conhecidos estavam Guimarães Rosa, Dalmo Dallari, Sidney Sheldon e Emile Durkheim. Mas minha atenção ficou em um bem fininho, novinho, de capa simples e lisa: "Terra da Promissão - o poema das gentes e do café"*. Sebastião Porto**, seu autor, eu não conhecia.

(Capa do livro - foto: arq. pessoal)


     No livro, que traz poemas dedicados à cidade de Ribeirão Preto, encontrei logo na primeira página um manuscrito datado de outubro de 1995. Ali, com um "afetuoso abraço", revestindo de pessoalidade suas páginas e seu conteúdo, o próprio autor dedicava o livro a alguém a quem chamou "bom amigo".

(Fonte: http://tdeduc.zip.net/arch2009-03-29_2009-04-04.html)

     Enquanto caminhava em direção à rua, saindo da loja do Raimundo, ficava tentando imaginar e descobrir tudo o que havia se passado com o autor e com os antigos possuidores do livro. 

     - "Será que deixaram de ser amigos? Será que o 'bom amigo' faleceu e seus parentes e sucessores se desfizeram das coisas que foram deixadas? Por que será que não quiseram mais o livro? Como pode alguém dispensar assim um livro com uma dedicatória carinhosa, manuscrita pelo próprio autor? - eu me perguntava.

     Com o livro nas mãos fiquei parado na esquina da loja do Raimundo por um bom tempo, olhando a dedicatória, e chateado por pensar no destino que lhe havia sido dado.

     Depois, ansioso para folhear calmamente cada um daqueles livros, levei-os todos para o meu escritório. Lá chegando escolhi primeiro o do S. Porto e, em uma sentada só vi o café descobrir Ribeirão Preto; vi a Civilização arrancar do chão o sangue generoso da terra-roxa; sentei-me à sombra das figueiras da praça XV; fiquei admirando a fonte luminosa central; e - em especial - passeei pela Praça Luís de Camões - da qual tanto gosto. Eu estava certo de que tinha agora, em mãos, um belo manifesto de amor pela cidade.

(Praça Luís de Camões - foto: arq. pessoal)


     Olhei novamente a dedicatória manuscrita com tinta azul e fiquei me imaginando ao lado do autor e do "bom amigo" naquele momento em que a dedicatória fora feita. Certamente foram muitos os sorrisos e os abraços carinhosos que trocaram. Uma amizade de quanto tempo? Quais os vínculos que os ligavam? O que costumavam conversar quando se encontravam? 

     Pensei bem... e mudei de ideia. Ao invés de ficar aborrecido com os antigos possuidores do livro, eu deveria mesmo era agradecê-los.

     Em sua página final, agora, há uma dedicatória feita para mim - tanto pelo "bom amigo" quanto pelo Raimundo. Só eu a vejo. Não fossem eles eu não teria conhecido o talento literário e a sensibilidade do autor...  Que, passando a morar em uma das estantes do meu escritório, vai estar vivo e sempre pronto para comigo dialogar em minhas horas de devaneio e poesia.


*Editora Legis Summa, 1995
**Sebastião Porto - já falecido, foi jornalista em Ribeirão Preto

terça-feira, 12 de maio de 2015

ÁLBUM DE MEMÓRIAS


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 ("Nuovo Cinema Paradiso" (final), 1988 - Dir.: Giuseppe Tornatore)



Em um domingo, nove da noite,
há muito passado.
Final da primeira sessão de cinema.

A Praça Nove de Julho,
até então adormecida,
venceu a obscuridade.

Ganhou vida.
Enfeitou-se de luzes, 
e vestiu-se de verde...


...para poder abrir e registrar, 
em seu álbum de memórias,
histórias imortais,
de beijos e abraços,

que em seus bancos ficaram guardados.


("A Praça Nove de Julho, em sua obscuridade" - foto postada por Ademir Segundo no facebook)


(Enfeitou-se de luzes e vestiu-se de verde - foto: no facebook, por Amauri Lucas)


(Praça Nove de Julho - foto: no facebook, por Maricilia Silva)

Grupo de amigos, em um banco da Praça - Foto: por Marilucia, no Facebook
(da esq. p/ direita: Jorge, Marilucia, Dorcília, Dudu, W. Helena, Mofio)

Banco na praça Nove de Julho, em Guará, SP. Foto: arq. pessoal

quarta-feira, 6 de maio de 2015

"AU TEMPS DE KLIMT"



("Frisa de Beethoven"* (detalhe) - Klimt - fonte: http://photos1.blogger.com/blogger/336/1943/1600/friso_Beethoven_Klimt_jlj270.jpg)


"Não há religião nem ciência acima da beleza. Eu construiria uma cidade à beira do mar, e numa ilha do porto erigiria uma estátua não à Liberdade, mas à Beleza. Pois foi ao redor da Liberdade que os homens travaram suas batalhas. Por oposição, ante a face da Beleza, todos os homens estenderam as mãos uns aos outros como irmãos".
(Gibran Khalil Gibran)


(Cartaz promocional da exposição na entrada da Pinacoteca - fonte: arq. pessoal)


     Pela cidade de Paris anunciava-se a exposição "Au temps de Klimt - La sécession à Vienne" ("No tempo de Klimt - A secessão em Viena"). Eu, Denise e Lígia localizamos no mapa o endereço onde a exposição estava sendo realizada e para lá nos dirigimos: "Pinacoteca de Paris".

("Pinacoteca de Paris" - Denise e Lígia, na calçada - fonte: arq. pessoal)

     Para a compra de ingressos tomamos nosso lugar na fila e ficamos esperando. Enquanto aguardávamos surpreendia-nos a diversidade de línguas que estavam sendo faladas por diversos grupos. Cada grupo com característica e perfil diferente do outro, sugerindo uma segmentação por nacionalidades. Creio que, se os membros de uma mesma comunidade linguística fosse conversar com os do outro, cada qual em sua própria língua, muito provavelmente não se entenderiam. Portanto, cada grupo ficou restrito à conversa e entendimento entre os seus próprios componentes.

     Atrás de nós um senhor e uma senhora trocavam palavras  em um idioma que me era totalmente desconhecido. Em um determinado momento a senhora distraidamente avançou alguns passos na fila e deixou-nos para trás. Ao perceber isso voltou-se para a Denise, disse algo em seu próprio idioma, retornou ao seu lugar e, suponho, pediu desculpas. Sorrimos todos. Porém, não entendemos as palavras que ela havia nos dito, e imagino que ela tampouco tenha entendido as palavras que dissemos a ela. Porém entendemos sua intenção, e ela certamente entendeu a nossa.

     E nesse universo de idiomas e observações chegamos ao guichê. Compramos nossos ingressos e entramos.

     Lá dentro, toda aquela babel naturalmente se desmanchou. Nas salas de exposições os grupos se desfaziam e as pessoas se misturavam. Dezenas de telas e afrescos nos levavam ao tempo e à história de vida de Klimt. Éramos todos silêncio. Assim como os demais que estavam naquelas salas, e sem que houvesse permissão para fotografias, observávamos os trabalhos expostos - em especial, uma réplica do "Friso de Beethoven"*. Eu não mais ouvia a voz humana, simplesmente a minha voz interior. Externamente, o único som era o do movimento dos presentes.

     Envolta nesse silêncio de vozes, a sala traduzia harmonia entre as nações representadas pelos pequenos grupos que haviam estado segmentados do lado de fora. Sem a necessidade de palavras, o belo promovia a integração e a compreensão. Era a arte promovendo sentimentos... Sentimentos comuns que não dependiam de língua, de local ou de tempo... sentimentos que uniam, que aproximavam, que humanizavam - e que nos colocavam na condição mais pura, verdadeira e primitiva, de "filhos de Deus".


(CLIQUE NA SETA PARA ASSISTIR UM PEQUENO FILME SOBRE A EXPOSIÇÃO)
("Au temps de Klimt - La sécession à Vienne")


*Este afresco, de 34 metros de comprimento por dois de largura, está exposto desde 1986 no palácio-museu vienês da Secessão, onde foi apresentado pela primeira vez pelo próprio Klimt (1862-1918) em 1902.