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(The Beatles - "A day in the life" - Lennon e McCartney)
Ontem à noite, no prédio onde moro, as meninas da república do quinto andar promoveram uma festa. Já era tarde e eu ouvia suas vozes, seus gritos e seus cantos - acho. Estavam em total dessintonia uma com a outra. Fiquei prestando atenção mas não conseguia distinguir uma só palavra vinda daquela agitação. Não me parecia que estavam debatendo a primeira Lei de Newton, cantando "Livre na balada", do Wesley Safadão, ou simplesmente discutindo o teor social de "Tá tranquilo, tá favorável" do MC Bin Laden: era pura gritaria.
Fui me deitar mergulhado naquela barulheira e pensando que nem o síndico poderia fazer cessar aquele amontoado de sons. Cheguei a imaginar que, talvez, as moças estivessem ensaiando para receber a visita do George Martin. Talvez, interessado em mais um experimento musical, ele estivesse procurando gravar vozes femininas latino-americanas desencontradas na madrugada; que talvez ele quisesse inserir o resultado da gravação em alguma música nova. Talvez a solução fosse o seu súbito aparecimento ali. Sim, se ele chegasse naquela república, naquela hora, eu teria elementos para entender o sentido daquela desordem, daquele emaranhado de sons.
(George Martin-fonte: http://jc.ne10.uol.com.br/blogs/toques/2016/01/03/o-produtor-george-martin-completa-90-anos/)
Para quem não se lembra, o George Martin foi produtor e arranjador musical. Algumas de suas experimentações musicais foram incorporadas às canções dos Beatles. Em uma delas gravou quatro vezes uma orquestra de quarenta músicos tocando em total ausência de sintonia entre um instrumento e outro. Juntou todos os sons obtidos e os colocou em "A day in the life" - do disco "Sgt. Pepper's" (1967).
Em um outro experimento sonoro ele gravou um coral de 16 pessoas gritando e cantando ao mesmo tempo frases desconexas e sem sentido. O resultado produziu o efeito anárquico que foi incorporado a "I am the walrus" - do disco "Magical Mistery Tour" (1967).
Mas eu sabia que minhas remotas esperanças estavam sepultadas desde o início. O George Martin, aos 90 anos, morrera em Londres na semana passada. Por esse motivo nada (nem ninguém) poderia dar um certo sentido àquele caos sonoro que reinava na república do quinto andar. Não, definitivamente o George Martin não ia aparecer lá.
Impotente diante daquela barulheira, e envergonhado de mim mesmo por todas as vezes que, em outros tempos, incomodei meus vizinhos, acabei adormecendo com pensamentos que transitavam entre crime e castigo, tolerância e impunidade. Apesar de tudo, eu desejava que cada uma daquelas meninas encontrasse seu caminho na vida e que fossem felizes - muito felizes... (mas que também fossem dormir logo).
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