(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("Oblivion" - Astor Piazzolla)
https://www.youtube.com/watch?v=dF-IMQzd_Jo
"A vida é suficientemente longa,
e com generosidade nos foi dada
para a realização das maiores coisas
se a empregamos bem."
(Sêneca)
No espaço aéreo da cidade grande, enclausurado no apartamento onde vivo, fico olhando o lustre no teto.
Do teto às janelas; delas, às janelas dos prédios vizinhos. Algumas delas abertas, porém sem nenhum sinal de vida. As horas que se vão passando carregam consigo a sensação angustiante de desperdício de tempo.
Qualquer ruído, qualquer som, alguma voz que eventualmente ouvisse poderia me servir de estímulo para alguma busca. Nada ouço, porém.
De súbito o acionamento de uma válvula de descarga de algum apartamento do prédio e o fluxo de água pela tubulação dão sinais de vida. Esses barulhos distantes, quase imperceptíveis, preenchem tanto o meu vazio quanto o meu silêncio.
Penso no casal que vive no apartamento imediatamente acima do meu. Octogenários aposentados desde longa data, ele, médico neurologista, ela professora de piano. Nunca os visitei. Nas poucas vezes que nos vimos no elevador nós nos cumprimentamos e sorrimos. Quando penso neles eu os imagino sentados em suas poltronas, um ao lado do outro, esperando, quase adormecidos. Moram sós. Não tiveram filhos.
O barulho de água fluindo pela tubulação acendeu-me o desejo de levar a eles a possibilidade de um pensamento bom, a lembrança de um momento feliz. Instintivamente vou buscar minha caixinha de som, abro a janela da sala, e com o aparelho suspenso pelas minhas mãos para o lado de fora aciono a tecla PLAY. Retiro das profundezas do esquecimento o bandoneon do Astor Piazzolla. Quero que o suspiro de seu fole encha de vida os pulmões viventes no apartamento dos meus vizinhos. Desejo imensamente que eles consigam ouvir a música que, pensando neles, pus para tocar; desejo que, ao ouvi-la, seus corações se aqueçam; que, despertando de seu suave cochilo, animem-se em dizer um ao outro: "alguém ouve música". Que sorriam diante da simplicidade dessa ideia, que estendam as mãos um para o outro, e com toques de carinho relembrem histórias de amor que ficaram guardadas nas gavetas do tempo.
*Oblivion - (do inglês) esquecimento, adormecimento, abandono.
("O lustre" - foto: arq. pessoal)
Do teto às janelas; delas, às janelas dos prédios vizinhos. Algumas delas abertas, porém sem nenhum sinal de vida. As horas que se vão passando carregam consigo a sensação angustiante de desperdício de tempo.
Qualquer ruído, qualquer som, alguma voz que eventualmente ouvisse poderia me servir de estímulo para alguma busca. Nada ouço, porém.
De súbito o acionamento de uma válvula de descarga de algum apartamento do prédio e o fluxo de água pela tubulação dão sinais de vida. Esses barulhos distantes, quase imperceptíveis, preenchem tanto o meu vazio quanto o meu silêncio.
Penso no casal que vive no apartamento imediatamente acima do meu. Octogenários aposentados desde longa data, ele, médico neurologista, ela professora de piano. Nunca os visitei. Nas poucas vezes que nos vimos no elevador nós nos cumprimentamos e sorrimos. Quando penso neles eu os imagino sentados em suas poltronas, um ao lado do outro, esperando, quase adormecidos. Moram sós. Não tiveram filhos.
(Fonte: http://graceburrowes.com/blog/2015/09/play-it-where-it-labels/)
O barulho de água fluindo pela tubulação acendeu-me o desejo de levar a eles a possibilidade de um pensamento bom, a lembrança de um momento feliz. Instintivamente vou buscar minha caixinha de som, abro a janela da sala, e com o aparelho suspenso pelas minhas mãos para o lado de fora aciono a tecla PLAY. Retiro das profundezas do esquecimento o bandoneon do Astor Piazzolla. Quero que o suspiro de seu fole encha de vida os pulmões viventes no apartamento dos meus vizinhos. Desejo imensamente que eles consigam ouvir a música que, pensando neles, pus para tocar; desejo que, ao ouvi-la, seus corações se aqueçam; que, despertando de seu suave cochilo, animem-se em dizer um ao outro: "alguém ouve música". Que sorriam diante da simplicidade dessa ideia, que estendam as mãos um para o outro, e com toques de carinho relembrem histórias de amor que ficaram guardadas nas gavetas do tempo.
*Oblivion - (do inglês) esquecimento, adormecimento, abandono.
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