sábado, 21 de outubro de 2017

OS BEATLES E O GUARDA-CHUVA


http://foundmagazine.com/find/old-man-with-umbrella/

     Sabe, aquele guarda-chuva que era do avô? Aquele que ficou no canto da sala como lembrança e que evoca a memória de coisas boas? Que, só de sabermos que ele está por ali a sensação é de estarmos protegidos e com o coração aquecido?

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The Beatles - "Hello, Goodbye"

     Pois os Beatles e a sua música são isso para mim: o guarda-chuva velho do meu avô que está há anos no canto da sala, pronto para me abrigar, aquecer e encher de vida o meu coração.


The Beatles - Fonte: http://www.billboard.com/articles/news/6851679/beatles-spotify-data-age-groups

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

DI CAVALCANTI



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"Pescadores" (1951)
https://luizmuller.com/2017/08/27/o-estado-a-burocracia-e-as-microempresas/

     Se me dessem lápis e papel para que eu traçasse uma imagem emblemática do Brasil, muito provavelmente eu tentaria fazer um esboço da baía de Guanabara com o bondinho ligando o Morro da Urca ao Pão-de-Açúcar, ou ainda do Cristo Redentor, no Corcovado. Acho que a tendência da maioria de nós, brasileiros, seria a mesma. Em especial se tivéssemos que apresentar essa imagem no exterior - ou a algum estrangeiro.

     Mas Di Cavalcanti não faria assim. Ele não fez assim. No conjunto de sua obra, o que observamos é que ele não procurou traduzir o Brasil em paisagens ou figuras grandiosas. Sua sensibilidade estava voltada para o povo, para a pele morena, para a gente simples, e para o seu aspecto cotidiano. Ele vivia impregnado por uma atmosfera quente, amorosa e sensual. Ele gostava de pintar mulheres; gostava de pintar o trabalho informal e o lazer. Não há em suas telas ou ilustrações sugestões verdadeiras ou falsas de um país grandioso, com aparência imediata indicativa de riqueza material. Não! Mas há, sim, a evidência do desejo de mostrar a realidade contida em nossa riqueza cultural. 

Imagem representativa do artigo
"Cinco moças de Guaratinguetá" (1930)
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2592/cinco-mocas-de-guaratingueta

     Di Cavalcanti pintou bordeis; encontrou e traduziu, em poesia pintada, a pobreza. Em suas telas mostrou e denunciou o Brasil que conheceu: uma terra vibrante em cor, que, apesar da aparente alegria, estava, em seu tempo, habitada por um povo inocente e triste.

"Samba" (1927)

     Talvez tenha sido por sua obra com temática social e nacional, por sua sensibilidade voltada para os mais humildes, pelas cenas urbanas, musicais e eróticas que pintou, por seu jeito de mostrar a realidade do Brasil, que o governo militar o impediu de assumir função de adido cultural na França, em 1964. Afinal, "o que, do Brasil, um artista-pensador poderia mostrar no exterior?"


"Cinco moças de Guaratinguetá" (1930)

     Além de pintor, Di foi ainda ilustrador de jornais, livros, revistas, e até de capas de disco. Em Di Cavalcanti, pintor, há música e literatura. Vejo nele muito de Jorge Amado, escritor, e muito de Dorival Caymmi, compositor. Há pescadores, prostitutas, bordeis, mulheres "da vida", malandros e seresteiros - sempre em ambientes modestos. A obra de Di Cavalcanti é, enfim, uma perfeita caracterização da vida e da sensualidade do povo brasileiro.

     Di Cavalcanti foi um dos responsáveis pela realização da Semana da Arte Moderna em 1922. Foi, portanto, um dos responsáveis pelo debate a respeito da identidade nacional. Para esse debate ele trouxe a ideia da criação de uma imagem ao mesmo tempo moderna e popular, para um país habitado por um povo moreno, alegre e melancólico, que leva muito a sério o prazer e o descanso.

     Em viagem recente a São Paulo fui visitar a exposição "No Subúrbio da Modernidade - Di Cavalcanti 120 anos", na Pinacoteca do Estado. Deparei-me com um artista verdadeiramente apaixonado pelo Brasil.


Foto: arq. pessoal

     Ao lado de figuras notáveis como os citados Jorge Amado e Dorival Caymmi; de estudiosos do nosso perfil, como Sérgio Buarque, Darcy Ribeiro e Gilberto Freyre, tenho agora uma nova referência para falar do nosso país: Di Cavalcanti - um dos grandes responsáveis pela construção da identidade cultural brasileira.

     E é por isso que, se a ele tivessem pedido o esboço de uma única imagem que pudesse representar o Brasil, muito provavelmente a imagem não teria sido outra senão a figura de uma mulher - uma mulata, mais precisamente. E com traços delicadamente sensuais.

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Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=2pD_Z8Z8TUw

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

NO SILÊNCIO DA NOITE


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"Milonga del Angel" - Astor Piazzolla

     Quantos homens e mulheres em idade avançada constituíram uma família, já criaram seus filhos, já deixaram de trabalhar e vivem sós. Quantos homens e mulheres, em idade avançada, continuam com boa saúde, podem curtir a vida e desfrutar dos pequenos prazeres que ela oferece - passear de vez em quando, jantar em um restaurante, tomar um café em uma esquina qualquer, caminhar por um shopping center, olhar vitrines... Pessoas cujos filhos já se ajeitaram na vida e que, em busca de seus próprios interesses, vivem distantes. Pessoas que, por determinação do destino, ou se separaram ou ficaram viúvas.
     Fico pensando nas dificuldades que encontram para a realização das coisas práticas e necessárias - a alimentação, o almoço, o jantar, os cuidados com a roupa, o controle financeiro. Imagino que cada amanhecer tenha se tornado uma árdua tarefa consistente na procura de alguma maneira de preencher o tempo de um dia: fazer palavras cruzadas, ler um livro, rememorar coisas que se passaram, remexer em papeis, em gavetas; procurar algum amigo, encontrar algum assunto para conversar, dar um telefonema. Mas, a quem recorrer? Quem estaria disposto a ouvir? Quem estaria disposto a conversar?
     Atravessar o dia, sob a luz do sol, parece não ser tão difícil. O movimento nas ruas, os veículos trafegando, tudo isso distrai e ocupa a imaginação. Mas, e a noite? A hora de ir para a cama, o silêncio, a escuridão? Qual a dimensão da angústia para se poder vencer as madrugadas, as insônias, os pensamentos em tudo o que vai ficando? Como adormecer com o incômodo pensamento naquilo que poderia ter sido feito da própria vida, mas não foi? Na quietude do quarto, estender o braço e ter o outro lado vazio, ninguém com quem conversar; deparar-se com sombras e com todo o vazio que a alma pode suportar. Estar só.
     Outro dia assisti a um filme que aborda esse assunto. Baseado no livro "Nossas Noites"*, do escritor indiano Kent Haruf, o filme conta a história de Addie e Louis, ambos com mais de 70 anos de idade. Addie e Louis já foram casados, tiveram suas famílias e seus filhos. Vivem sós. São vizinhos há muitos anos, e se conhecem apenas pelos cumprimentos formais e distantes. No filme, Addie, na angústia de suas noites, supondo que Louis sentisse, como ela, a mesma falta de alguém com quem conversar, um dia vai à casa dele e sugere que eles, de vez em quando, poderiam dormir juntos em sua casa para poderem conversar; que, conversando, poderiam vencer a noite, afastar a escuridão e o silêncio.
     Não - ela esclarece - Ela não estava sugerindo ou propondo sexo; ela procurava e oferecia companhia. Ela queria alguém com quem pudesse dialogar, alguém para quem pudesse contar histórias, e de quem pudesse ouvir histórias.

Deux Arbres, Mezel, Provence, France, evening, twilight, Provencal, Valensole, sunset, oak, trees, gradient, colour, whe photo
"Deux arbres" - http://www.transientlight.co.uk/photo/deux-arbres/

     Pensando no filme e lembrando-me das muitas pessoas que conheço e que vivem nas mesmas condições de Addie e Louis, imaginei que seria muito bom se elas conseguissem fazer com que tudo se tornasse menos complicado. Que todos nós, enfim, pudéssemos fazer com tudo fosse menos complicado. Passei a me perguntar o porquê da natureza humana exigir que escondamos as dores e as carências que nos afligem; o porquê de querermos nos mostrar incólumes aos tormentos da vida quando eles são próprios da nossa existência, e próprios da vida daqueles que vivem sós, que precisam de alguém para simplesmente conversar, vencer a escuridão, abraçar durante a noite, e seguir em frente...

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*"Nossas Noites" - "Our souls at night" (EUA, 2017). Dir. Ritesh Batra. Drama.