quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O JOELHO, OS ÓCULOS E O CHANCELER



     Todo mundo sabe que o Vinícius de Moraes adorava compor, ler e trabalhar, durante demorados banhos de imersão. Há uma foto sua, na banheira, que nunca consegui entender bem. Nela, o poeta dobra a perna direita, e ajeita, um pouco abaixo do joelho, os seus óculos.


Vinícius de Moraes
Foto no facebook, por Marta Rodriguez Santamaria

     Sempre que a vejo, fico me perguntando: "o que será que o poeta queria dizer com tal 'montagem'?"


CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
"Eu não tenho nada a ver com isso" - Toquinho/Vinícius
(contam que o título original dessa música era "Deixa o Brasil andar")
https://www.youtube.com/watch?v=EtWn1p4_f9M


     Outro dia, uma amiga, que foi muito próxima do Vinícius, disse-me que o próprio poeta contou a ela que, naquela montagem, ele estava fazendo troça do chanceler que o havia exonerado do Itamaraty; que seu joelho, "de óculos", era a cara do tal chanceler.

     A História conta que Vinícius foi expulso do Ministério das Relações Exteriores em abril de 1969, com base no Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968. Antes, porém, uma Comissão havia sido montada (Comissão de Investigação Sumária) para investigar vidas privadas, e para expulsar diplomatas que o regime tachava de homossexuais, alcoólatras ou emocionalmente instáveis: Vinícius foi um dos punidos, apesar dos registros do Ministério das Relações Exteriores revelarem que ele era considerado um diplomata exemplar: sua vida boêmia, contudo, desagradava à linha-dura da época. Vinícius não foi o único: foram cassados 44 servidores, sendo 13 diplomatas, oito oficiais de chancelaria e 23 funcionários administrativos*. Sua cassação foi assinada pelo então Ministro das Relações Exteriores, e pelo presidente Costa e Silva**.

     - "Mas quem era, afinal, o chanceler que exonerou o Vinícius do Itamaraty?"

     Bom. De março/67 a outubro/69, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil era o advogado, economista, banqueiro e político mineiro, José de Magalhães Pinto. Será, então, que era mesmo a ele que o Vinícius queria se referir?

     Veja a foto do então Ministro, e compare-a com o "joelho de óculos", do Vinícius: "alguma semelhança?"

 
José de Magalhães Pinto
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_de_Magalh%C3%A3es_Pinto


     - "O que você acha?" 

    Só sei que os tempos são outros. E, seja lá como for, "Deixa o Brasil andar...!"


_____________________ 
*conforme artigo de Bernardo de Mello Franco, publicado no jornal "O Globo", de 28 de junho de 2009. Esse artigo está no seguinte livro: "Embaixador do Brasil - Vinícius de Moraes". Brasília: FUNAG, 2010, 132 p. (FUNAG é a Fundação Alexandre de Gusmão. Vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, a FUNAG tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira).
**A Lei 12.265/2010, que reabilitou o poeta ao Itamaraty, promoveu-o, "post mortem", a Ministro de Primeira Classe da Carreira de Diplomata. Na Câmara dos Deputados, o único deputado a se manifestar contra a promoção foi o militar da reserva, e deputado pelo então PP-RJ, Jair Bolsonaro (fonte: o mesmo livro acima mencionado)


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