"Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas" (H. Heine)
(Memorial - queima de livros de 1933 - Praça Römemberg, Frankfurt, Alemanha)
Enchentes, terremotos, agentes infecciosos, guerras e regimes totalitários são responsáveis por muitas mortes em todos os cantos do mundo. Mas não só de pessoas.
O registro do pensamento do homem - que, desde Gutenberg*, tem sido transmitido e mantido por livros - de tempos em tempos também foi objeto de destruição. Houve um tempo, aqui no Brasil, em que pensar, debater, questionar e manifestar o conteúdo do pensamento eram exercícios vigiados, passíveis de punição. Por que será que ainda hoje, aqui no nosso país, padecemos da falta de lideranças políticas dignas de respeito e admiração? A perseguição de propagadores de ideias não alinhadas ao convencional de um determinado tempo promove uma perda imediata; mas a restrição da liberdade de expressão produz efeitos que afetam muitas gerações.
O motivo para que esse absurdo seja sustentado é muito variável: destruição de aspectos culturais de uma nação, como ocorreu durante a colonização da América, quando muitos dos manuscritos maias e astecas foram destruídos (1560); perseguição religiosa, como ocorreu com as traduções da Bíblia feitas por Martinho Lutero; "combustível" de incêndios, como ocorreu em 1813 com a queima de livros da Biblioteca do Congresso para incendiar o Capitólio dos EUA, feita pelos ingleses durante a Batalha de Washington; destruição de uma ideologia, como aconteceu na União Soviética, nos anos 20, para combater ideologia ocidental, e na Alemanha nazista, em 1933, com a chegada de Hitler ao poder.
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O registro do pensamento do homem - que, desde Gutenberg*, tem sido transmitido e mantido por livros - de tempos em tempos também foi objeto de destruição. Houve um tempo, aqui no Brasil, em que pensar, debater, questionar e manifestar o conteúdo do pensamento eram exercícios vigiados, passíveis de punição. Por que será que ainda hoje, aqui no nosso país, padecemos da falta de lideranças políticas dignas de respeito e admiração? A perseguição de propagadores de ideias não alinhadas ao convencional de um determinado tempo promove uma perda imediata; mas a restrição da liberdade de expressão produz efeitos que afetam muitas gerações.
O motivo para que esse absurdo seja sustentado é muito variável: destruição de aspectos culturais de uma nação, como ocorreu durante a colonização da América, quando muitos dos manuscritos maias e astecas foram destruídos (1560); perseguição religiosa, como ocorreu com as traduções da Bíblia feitas por Martinho Lutero; "combustível" de incêndios, como ocorreu em 1813 com a queima de livros da Biblioteca do Congresso para incendiar o Capitólio dos EUA, feita pelos ingleses durante a Batalha de Washington; destruição de uma ideologia, como aconteceu na União Soviética, nos anos 20, para combater ideologia ocidental, e na Alemanha nazista, em 1933, com a chegada de Hitler ao poder.
Na América do Sul, em 1973, a ditadura chilena queimou centenas de livros como forma de censura.
O Brasil também foi vítima desse absurdo. Em novembro de 1937 a ditadura do Estado Novo incinerou, na presença de centenas de pessoas em praça pública, uma grande quantidade de livros ditos subversivos. Nos dias anteriores, nas livrarias da cidade de Salvador, os livros da autoria de Jorge Amado e de outros autores que eram considerados, conforme se dizia à época, "simpatizantes do credo vermelho", haviam sido apreendidos. De Jorge Amado, foram incinerados:
888 exemplares de Capitães da Areia;
232 exemplares de Mar Morto;
89 exemplares de Cacau;
93 exemplares de Suor;
267 exemplares de Jubiabá;
214 exemplares de País do Carnaval.
E não foram somente livros de Jorge Amado: José Lins do Rego também entrou na dança. De sua autoria foram apreendidos e queimados:
15 exemplares de Doidinho;
26 exemplares de Pureza;
13 exemplares de Bangue;
04 exemplares de Moleque Ricardo;
14 exemplares de Menino de Engenho.
E, como se as liberdades expressas na Constituição Federal de 1946 não tivessem servido para nada, o país voltou a perseguir pensadores - e livros. Com a publicação da Lei 1050/67, a censura no Brasil foi (re)instituída. E, depois, o Decreto-Lei 1077 de 26 de janeiro de 1970, deu a ela mais força:
Incineração noticiada em jornal
E, como se as liberdades expressas na Constituição Federal de 1946 não tivessem servido para nada, o país voltou a perseguir pensadores - e livros. Com a publicação da Lei 1050/67, a censura no Brasil foi (re)instituída. E, depois, o Decreto-Lei 1077 de 26 de janeiro de 1970, deu a ela mais força:
Art. 1º - Não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação.
Art. 2º - Caberá ao Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal verificar, quando julgar necessário, antes da divulgação de livros e periódicos, a existência de matéria infringente da proibição enunciada no artigo anterior.
Parágrafo único - O Ministro da Justiça fixará, por meio de portaria, o modo e a forma da verificação prevista neste artigo.
Art. 3º - Verificada a existência de matéria ofensiva à moral e aos bons costumes, o Ministro da Justiça proibirá a divulgação da publicação e determinará a busca e a apreensão de todos os seus exemplares.
Mas, qual o significado de "moral e bons costumes"? Eu, angustiado por natureza, fico pensando nessas idas e vindas da história. Com tanta fake news circulando nas mídias sociais, com tanta notícia comprada, direcionada, manipulada, um mínimo de consciência crítica e de bom senso me faz acreditar que o significado de "moral" e "bons costumes" não pode ser o resultado de qualquer imposição que possa levar à proibição do livre exercício de pensamento e de sua expressão. Outro dia li que Heinrich Heine (1797-1856), poeta alemão, em seu tempo, preocupado com o que andava lendo, pensando e observando, acabou por manifestar o seu temor: "Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas". Eu, que olho para o céu e enxergo nuvens que talvez nem existam, acrescento aos temores do Heirich Heine os meus próprios: "restrições chegam a conta-gotas para serem servidas, depois, em caldeirões de agentes tóxicos".
- "Oh, meu Deus", raciocino, "livrai-me desses pensamentos! Vivemos outros tempos!"
- "É, mas as idas e vindas da história..." - ouço, do silêncio.
E concluo:
- "Chega! Sai Satanás! Cada besteira...!"
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*Johannes Gutenberg - (aprox. 1398 - 1468) - alemão, desenvolveu um sistema mecânico que deu início à revolução da imprensa.