Fongwei Liu - "Uma velha história" (2009)
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"Risonhos sonhos sonharemos nós"
(Castro Alves)
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Outro dia o meu amigo Clóvis apresentou o poema "Canção", da Cecília Meireles, a um grupo de amigos.
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
(...)
Sensibilizado ao lê-lo, o também meu amigo Luiz Carlos comentou:
- Esse poema é muito bonito... Deveria ser musicado. Em música, ele corre mundo.
Concordei. Afinal, ao se vestir de melodia, harmonia e ritmo, um poema ganha novos veículos de propagação e desprende-se do papel impresso. Musicado, ele pode transitar com maior facilidade pelas estações de rádio, pelos canais de televisão, viajar, ir mais longe... Ou não: tudo depende de quem o ouve ou de quem o lê.
É por isso que, quando devidamente interpretado na leitura, o poema já é música. A palavra, quando atinge as experiências de vida daquele que a ouve ou que a lê, tem o poder de fazer despertar instintos adormecidos; quando reunida com outras palavras, formando frases, pinta e borda emoções, arrepios e sentimentos: as palavras irmanadas assim, formando frases, movem o mundo de quem procura sair do vácuo.
Muitos poemas foram musicados e enriqueceram a música popular brasileira. Lembro-me agora de "Capricho", do Castro Alves, musicado por Francis Hime e gravado tanto pela Nara Leão quanto pelo Quarteto em Cy. Lembro-me também de "Memória", do Carlos Drummond de Andrade: musicado pelo baiano Alcyvando Luz e cantado pelo Quarteto em Cy, voou longe - ou melhor, ganhou a capacidade de fazer com que qualquer ouvinte possa voar longe... O Fagner não passou batido: musicou e gravou "Motivo", da Cecília Meirelles.
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
(...)
Lembram-se da música "Canteiros", gravada também pelo Fagner? ("Quando penso em você, fecho os olhos de saudaaaade")? Vejam só de onde veio:
(...)
Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudades;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos tristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento.
(...)
Pois é. Foi inspirado nesses versos de "Marcha", da Cecília Meirelles, que nasceu "Canteiros" - e que deu uma baita confusão. Mas isso já é outro papo.
CAPRICHO (Castro Alves)
Ai! quando Brando Vai o vento Lento
À lua Nua Perpassar sutil;
E a estrela Vela, E sobra linfa A ninfa Suspira Mira O divinal perfil;
Num leito Feito De cheirosas Rosas, Risonhos Sonhos Sonharemos nós;
Revoltos, Soltos Os cabelos Belos, Vivace A face, Tremulante a voz
Cantos E prantos Que suspira A lira, A alfombra, À sombra, Encontrarei pra ti;
Celuta, Escuta De meu seio O enleio... Vem, linda, Ainda Há solidões aqui. | MEMÓRIA (Carlos Drummond)
Amar o perdido deixa confundido este coração.
Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não.
As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão.
Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão. |