Minha intenção é publicar aqui as coisas que leio, vejo, penso ou observo, e que me fazem sentir que acrescentam. Afinal, as coisas só se tornam inteiramente bonitas quando podem ser compartilhadas e se mostram repletas de significados comuns.
Com quase 8 bilhões de habitantes, muita gente passa por este planeta sem deixar suas marcas ou sua memória no coração das pessoas. Há muitos que permanecem por algum tempo, mas poucos são aqueles que, independentemente do passar dos anos, ou até mesmo dos séculos, já tendo partido, continuam sendo tema de debates e de rodas de conversa, como se fossem faróis a indicarem rumos para serem seguidos e, periodicamente, reformulados. É o caso de Jesus Cristo, Maomé e Lutero, na religião; de Sócrates, Platão e Voltaire, na filosofia; Einstein, Pasteur e Marie Curie, nas ciências; Alexandre, Mandela e Washington, na política; Beethoven e Bach, na música; Van Gogh, Monet e Picasso, na pintura; Shakespeare, Dostoievski e Garcia Marquez, na literatura. Aqui no Brasil também temos exemplos assim: Rondon, Darcy e os irmãos Villas-Boas, indigenistas; Villa-Lobos e Tom Jobim, na música; Portinari e Di Cavalcanti, na pintura; Machado de Assis e Clarice Lispector, na literatura; Pelé, no futebol... e tantos e tantas outras, em diversos outros campos.
Mas para mim, especificamente, aqui do Brasil, uma das celebridades que é constante em meus pensamentos e em minha inspiração é o poeta Vinícius de Moraes.
Foi pensando nele, no Vinícius de Moraes, que na semana passada fui à música popular brasileira pesquisar canções que, literalmente, mencionam o seu nome, ou mesmo que façam alguma referência a ele utilizando formas carinhosas tais como "poeta" ou "poetinha".*
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Vinícius no plural: samba poesia e carnaval (samba concorrente) União da Ilha, Carnaval 2013
https://www.youtube.com/watch?v=g-Fx6D-V3A8
Logo no início das pesquisas me revi ainda criança, cantando, com o Jongo Trio na vitrola e com o meu pai ao meu lado, a namorada que o Baden Powell e o Lula Freire sonharam ter - em "Feitinha pro poeta":
"Ah quem me dera ter a namorada que fosse para mim a madrugada, de um dia que seria a minha vida (...) que seja na medida, e nada mais, feitinha pro Vinícius de Moraes (...)";
Mas como nem sempre a namorada que se imagina ter é tal qual aquela que se idealiza, a Elis cantou as afirmações feitas pelo mesmo Baden Powell, juntamente com o Paulo César Pinheiro, em "Falei e disse", quando deixam bem claro que tal qual a namorada sonhada pelo Vinícius, é difícil de se encontrar:
"mulher, se Deus não criasse você, ele próprio custava crer; mas só que tem, que não dá pé você ser a mulher de quem Vinícius falou" (em "Falei e disse").
O Chico Buarque e o Toquinho não deixaram por menos: nos anos áureos das grandes apresentações em ginásios de esportes e teatros de arena, eles homenageavam o poeta com pedidos de desculpas pela composição improvisada... anunciando o ingresso do poeta nos palcos onde se apresentavam:
"Poeta, poetinha vagabundo, quem dera todo mundo fosse assim feito você, que a vida não gosta de esperar, a vida é pra valer, a vida é pra levar, Vinícius, velho, Saravá!"
E assim chamado, o poeta com o copo cheio de uísque, oferecido aos céus, ingressava nos palcos da vida, dançando e sorrindo, sob aplausos das plateias por ele encantadas.
No período do "Brasil grande", do "ninguém segura este país", o compositor Benito di Paula dirigiu-se ao "Charlie Brown", personagem de histórias em quadrinhos de muita má sorte, mas dotado de inesgotáveis esperanças e determinação, oferecendo-se para mostrar a ele o Brasil, suas belezas, e todas as marcas de sua cultura. Nestes termos, dirigindo-se ao Charlie Brown, Benito di Paula mencionou o poeta:
"Se você quiser, vou lhe mostrar, Vinícius de Moraes e o som de Jorge Ben; se você quiser, vou lhe mostrar, Brasil de ponta a ponta, do meu coração"
A banda Língua de Trapo, com seu trabalho marcado por humor e crítica social, também colocou o Vinícius em sua música e, parodiando o "Soneto da Fidelidade", assim cantou em "Balada Cibernética", composta por Carlos Melo e Cassiano Roda:
"De tudo ao meu computador serei atenta, antes, e com tal zelo, e sempre e de modo terno, que mesmo diante de um modelo moderno, dele serei sempre a tieta mais sedenta (...) Que não seja imortal, posto que é fabricado em Manaus, mas que seja infinito enquanto dure a garantia"
Chico Buarque, inspirado pelo sopro do maestro soberano, Antônio Carlos Jobim, quando compôs "Paratodos", prescreveu o poeta contra algumas das mazelas da vida:
"Vi cidades, vi dinheiro, bandoleiros, vi hospícios, moças feito passarinho, avoando de edifícios, fume Ary, cheire Vinícius, beba Nelson Cavaquinho"
Em 2013, mais de trinta anos depois da partida do poeta, a Escola de Samba União da Ilha, com o samba enredo escolhido: "Vinícius no plural. Paixão, Poesia e Carnaval" (composta por Ginho, Júnior, Vinícius do Cavaco, Eduardo Conti, Professor Hugo e Jair Turra), ao desfilar pela Avenida Sapucaí, no Rio de Janeiro, fez toda a plateia nas arquibancadas perguntar cantando:
"Onde anda você, 'poetinha', saudade mandou te buscar, a Ilha é paixão na Avenida, mais que nunca é preciso cantar"
Muitos outros sambas, tendo Vinícius como tema, foram compostos para concorrerem na seleção do samba-enredo da Escola de Samba União da Ilha para aquele mesmo concurso de carnaval. E foram sambas muito bons. Um deles, composto por Franco Cava, Muri Cova e outros, dizia o seguinte:
"Quando a luz dos olhos teus, seduz o luar! a noite vai se apaixonar! estrelas! derramem pra mim! Na mesa de um bar, poemas sem fim! Vinícius, paixão imortal! É o show da Ilha nesse Carnaval!"
E como se tudo isso já não bastasse, José Messias, morrendo de paixão, e inspirado pelo poeta, pediu emprestado o olhar, a boca, o sorriso e as mãos de uma mulher, por ele amada, para que ele pudesse sentir a vida:
"Empresta o seu sorriso, e eu te darei o céu se for preciso... empresta (...) Estou apaixonado, como quem precisa ouvir Vinícius de Moraes cantado por Maysa"
Não creio que as lembranças e as homenagens ao poeta tenham parado por aí. Vinícius continua inspirando compositores e escritores, aquecendo ou fazendo bater forte corações apaixonados e, especialmente, promovendo em torno de seu nome e de sua obra a reunião de seus leitores, admiradores e amigos espalhados por todos os cantos do mundo - e nesse grupo, com muito prazer, eu me incluo!
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*Caso você, meu amigo leitor, consiga se lembrar de alguma outra canção de compositor, que não o Vinícius, que mencione o seu nome, e que não conste aqui, conte pra gente.
- Depois de publicado este texto, encontrei "Nossa homenagem", do Benito di Paula - belíssimo sambinha homenageando o Vina.
Baalbek sempre foi, para mim, um aperto no peito, um afeto distante, um sentimento inspirado nas imagens existentes em um anel dourado e negro, exibido no dedo anular da mão esquerda do Sr. Houssain - um imigrante libanês que viveu na minha terra natal e que, carinhosamente, dirigia-se a mim chamando-me "beduíno"... E Baalbek também foi o olhar impreciso do jovem libanês Chafic que, então recém chegado à minha cidadezinha, declamava versos de Khalil Gibran e procurava cuidar de sua própria construção.
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Ruínas de Baalbek
https://www.youtube.com/watch?v=dgxN5SgEQv0
Baalbek, além da estampa no anel do sr. Houssain ou do olhar distante do Chafic, é uma cidade fenícia situada a Noroeste de Beirute, capital do Líbano, e que remonta a muitos anos antes de Cristo. Os romanos a conquistaram, também e ainda, antes de Cristo. Como meio de demonstrar ao Oriente, naquela época, o poder de sua cultura, os romanos nela construíram grandes templos - o maior complexo de templos daquele Império, os quais foram, depois, destruídos por terremotos. No local onde suas ruínas se encontram, um dos festivais culturais mais importantes do Oriente Médio é realizado anualmente, desde 1955: o Festival Internacional de Baalbek.
Hoje assisti on line a transmissão desse Festival. A região libanesa denominada "vale do Bekaa", onde Baalbek está localizada, trouxe-me de volta o anel do sr. Houssain e o olhar impreciso do Chafic. Isso porque, hoje, veio de Baalbek uma voz, um canto, uma ligação do homem com a eternidade... As apresentações no espetáculo trouxeram a expressão da força da cultura libanesa... Guitarras, tambores, instrumentos de sopro, teclados... Baalbek foi hoje a voz da humanidade, a voz de uma nova geração que visitou seus antepassados, que se reinventou, que se levantou, e que mostrou a genialidade criativa do povo daquele país... daquele país que cabia, por inteiro, no anel de um imigrante, e no olhar de um desbravador.