Mexendo em meus antigos guardados - recortes de jornal, textos antigos, fotografias - encontro o rascunho de uma manifestação que fiz no dia 20/12/2001. Na ocasião, homenageando o advogado Dr. Nehif Antônio, foi realizada a cerimônia de descerramento de uma placa colocada na sala da OAB de Guará - que leva seu nome. Transcrevo aqui o texto na sua íntegra.
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Exma. Sra. Dra. A, Juíza de Direito da Comarca de Guará;
Dr. B, representante do Ministério Público;
Dr. C, Delegado de Polícia;
Dr. D, representante da OAB;
Demais autoridades, colegas advogados, amigos, amigas, sras. e srs.:
Não podemos dizer que conhecemos alguém sem antes nos atentarmos para os fatos que moldaram a sua personalidade ao longo do tempo, presentes em um contexto mais amplo de um período da História.
O advogado hoje homenageado viveu 43 anos, entre 1929 e 1972. Nesse período de tempo o Estado de São Paulo insurgiu-se contra um golpe de Estado; o Brasil, na Itália, mostrou seu inconformismo com os movimentos de segregação de raças e desequilíbrio racional de algumas nações; muita gente deixou sua patria e veio morar em nosso país.
Nesse tempo não havia fax ou internet. O telefonema era feito via telefonista; uma viagem a São Paulo era algo bem próximo de uma aventura; os cálculos eram feitos com lápis no papel.
Tempos difíceis; tempo de procura de identidade nacional... Tempo de formação do caráter dos brasileiros daquela geração. Tempo de nova estruturação, de assombro pela concentração de poderes de um Estado Unitário, para nova ordem e esperança em amplas liberdades na Constituição Federal de 1946. Assim como no Estado Brasileiro refletiam os movimentos sociais correntes no mundo, seguia a nação as diversas guinadas desse Estado instável. O perfil político do Brasil molda decisivamente a formação cultural e individual de seu povo.
Golpe de Estado, anos de chumbo, medo, reticências. No Brasil, dois partidos políticos; em Guará, dois partidos políticos. Quem tem coragem de manifestar desconforto e indignação? Não muitos. Mais fácil a omissão...
O advogado hoje homenageado sempre expressou livremente suas convicções, advogou seus ideais, olhou mais além. Acreditou na legalidade sustentando a legitimidade. Manifestou repúdio às arbitrariedades. Falou, subiu em palanque... na verdade, não subiu em palanque... foi carregado aos palanques... Mas lá estava... 1968...
Mahatma Gandhi, Martin Luther King, os Beatles,… uma nova história para o mundo. Juscelino Kubitscheck, Bossa-Nova, Ulysses Guimarães... um perfil diferente para o Brasil. Des. Valentin, Dr. Leão, Dr. Jair, Dr. Urbano, Sr. Alcides, Sr. Mário Nakano, Dr. Náufal, e muitos outros... nomes que permanecem em nossas mentes, em especial dos habitantes de Guará. Construíram nossa história; cada qual a seu modo contribuiu na formação de nossas convicções, nas convicções do Dr. Nehif Antônio.
(Dr. Nehif Antônio, em foto de 1967 - arquivo pessoal)
Convivi dia a dia, por 13 anos, com um tipo assim, inesquecível. Estive ao lado de um alvo de olhares curiosos em virtude de disparidades existentes entre limitação física e disposição para a vida.
Convivi em Guará com um tipo idealista, com quem aprendi que o respeito pelo outro implica na confiança depositada na capacidade de pensar e construir inerentes a todo ser humano.
Há pouco o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em sua fragilidade, estende a mão aos menos privilegiados. Questão de valores, de desprendimento, de aceitação e de consciência de que se pode ir mais além, independentemente de luzes ou fogos de artifício. Também em Guará houve um tipo assim...
Na História recente um governador comove o Brasil. Aceita os desígnios de Deus sem se deixar apequenar; não maldiz a sorte que lhe fora reservada. Essa determinação não é comum na fragilidade humana. Um mínimo do que não nos agrada sobrepõe-se a tudo que nos é deliberadamente oferecido: a graça da vida, o dom de enxergar, a emoção para sentir. Porque deixarmos que o acessório se sobreponha ao principal? Impulsionado pela esperança, pelo desejo e pela busca de vida, também em Guará houve um tipo assim...
Lá se vão 30 anos. Seus exemplos não são nem modernos nem ultrapassados – são eternos. Ainda são recolhidas peças que marcaram sua personalidade e que foram transmitidas aos que o conheceram. Ainda me perguntam sobre ele, não só em Guará. Penso na imortalidade daqueles que deixam bons exemplos, no que significam como referência aos dotados de riqueza espiritual e capacidade de reflexão.
Estamos sendo premiados. Estamos reacendendo uma referência aos que compreendem o quanto elas nos são decisivas. A valorização do entendimento, a consensualidade, o repúdio à tentativa de imposição de interesses unilaterais em prejuízo das necessidades coletivas, a aceitação do outro com seus valores e fraquezas... Temos uma referência!
É natural que nos sintamos abatidos e desolados diante dos percalços naturais que encontramos, em especial nós, advogados. Mas, as referências nos fortalecem. Um homem determinado, gigante diante de todas as agruras, indelevelmente carregado nos corações daqueles que o conheceram. Nós o homenageamos hoje; nós o enaltecemos hoje, nós atribuímos a esta pequena sala o nome de um grande homem; de um homem cordial, advogado, filho de nossa querida cidade. Que seja símbolo de tolerância, de cordialidade sincera, do respeito e ética profissionais, da prevalência do direito natural sobre a litigiosidade barata, da esperança e da fraternidade entre as pessoas e as nações. Ele era assim e, por ter sido assim, é uma referência que nos dignifica.
Louvando a escolha dos que o elegeram para atribuir a esta sala o seu nome, eu também aplaudo o meu pai, Dr. Nehif Antônio, nesse momento, reconhecendo e agradecendo o bom exemplo que dele recebemos, dentro e fora de casa, eu, minha mãe e minha irmã.
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