quinta-feira, 7 de julho de 2011

FUTUROS AMANTES


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("Futuros Amantes" - Chico Buarque - Álbum PARATODOS, 1993)


                                                                Ao Júnior, 
meu amigo 


     Terminado o ano de 1982 e concluído o curso de graduação uma nova fase iniciou-se para mim: trabalho! E quanta dificuldade naquela época para começar a trabalhar! As empresas demitindo, o país afundando, e eu, sem saber fazer nada...

    Absorvido por tamanha preocupação, a música, que havia sido uma constante para mim, foi se dissolvendo, perdendo seu encanto. Foram anos de mudanças e de diminuição da poesia. Cada um dos amigos da universidade havia tomado seu próprio rumo, e a música já não tinha mais o mesmo sabor: apaguei.

     Nesse período de indefinições fui passar uns dias em minha terra natal, onde reencontrei meu amigo Júnior ainda em ritmo de universidade. Ele, na época, tão desencontrado quanto eu, chamou-me no portão da casa de seus pais para me mostrar e discutir uma música do Chico Buarque. Sem motivação nenhuma para ouvi-la, entrei para dar companhia às minhas angústias e sentei-me com ele na varanda. Contudo, a cada verso, no entusiasmo do meu amigo, meu lirismo adormecido foi reacendendo a ponto de eu retomar involuntariamente e de imediato o encantamento pela genialidade criativa do Chico - e da música, por conseguinte, como um todo.

     Tomamos muita cerveja enquanto ouvíamos sem parar “Futuros Amantes”. Embriagados de poesia, já em altas horas da madrugada, saímos feito escafandristas, caminhando, mergulhando no vazio da nossa cidade submersa no sono, vasculhando suas calçadas, suas janelas, suas paredes de tijolos... com destino a lugar nenhum.

     A música e o entusiasmo daquele encontro de amigos inspiraram-me a buscar o que eu havia perdido no mundo musical desde o final de 1982: em especial o álbum “Paratodos”, de 1993, do Chico Buarque.


(Capa do álbum "Paratodos", do Chico Buarque - 1993)

     Em “Futuros Amantes” - uma das faixas desse disco - o Chico considera a reciclagem do amor, do amor que não se perdeu, que ficou guardado, estocado, para poder ser consumido, reaproveitado, amado, usado por outras pessoas. 

     Na música ele imagina a cidade do Rio de Janeiro, inundada pelas águas do mar, sendo descoberta e explorada por mergulhadores de civilizações do futuro. Esses escafandristas mergulham, entram na cidade vazia e submersa, vasculham os prédios, as casas, os armários e os recantos das almas que ali habitaram. Nessa busca, encontram trechos de cartas, poemas, retratos, mentiras, amores guardados, reservados, escondidos, não vividos, interrompidos ou nem iniciados, e que davam indícios da existência de uma civilização antiga que ali existira.

     Genial! Nessa letra o Chico conseguiu visualizar os seres de civilizações futuras reaproveitando os amores que não foram utilizados pelos homens e mulheres daquela civilização extinta. Por fim, ele diz manter o sonho de que algum amante do futuro, um dia, ame alguém com o amor que ele havia guardado para ser consumido... mas que não deu certo, não deu tempo... e ficou submerso nas águas do mar.


Futuros Amantes
(Chico Buarque)

Não se afobe, não, que nada é prá já
O amor não tem pressa, ele pode esperar 
Em silêncio, num fundo de armário, na posta-restante,
Milênios, milênios no ar.

E quem sabe, então, o Rio será 
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão explorar suas coisas
Sua alma, desvãos.

Sábios em vão tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização.

Não se afobe, não, que nada é prá já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá, se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia deixei prá você. 


RP, 07JUL2011   

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