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(Jean Sablon - "J'attendrai", de Louis Poterat/Olivieri/Rastelli - 1933/1939)
"a facilidade com que hoje se
tiram fotos
é diretamente proporcional à facilidade
com que nos esquecemos delas."
é diretamente proporcional à facilidade
com que nos esquecemos delas."
(João Pereira Coutinho (1))
Imigrante
sírio, meu avô paterno chegou no Brasil na primeira década do século
XX. Falecido antes do meu tempo, não o conheci. Dos seus quatro irmãos,
dois vieram para o Brasil, uma permaneceu em território da Síria (onde
nasceu o Líbano em 1943), e o outro imigrou da Síria para a República
Dominicana, no mar do Caribe (América Central).
Em
visita a São Paulo, em agosto do ano passado, a Ana Cecília - uma das parentes
dominicanas - trouxe-me de presente um registro fotográfico original de
meu avô, o qual havia sido remetido a um primo seu por correio: elegantemente vestido em roupa clara, de botas, gravata e chapéu, calça presa por cinturão de couro
com fivela de metal,
ele segura o seu cavalo - meio de transporte do qual dispunha para mascatear
tecidos, sabonetes, calçados, botões e lenços pelas fazendas e pequenos
povoados.
("Meu avô" - 1922)
No verso da foto, a data e uma pequena mensagem (literalmente transcrita abaixo):
Guará, 15 de 9bro de 1922
querida sobrinho G.a
Envio como lembrança
a photo grafia seu tio
Elias A. Morun
(Anotações no verso da foto)
Segurando a foto em minhas mãos, os pensamentos são inevitáveis: "Além da grafia original do remetente, há nela impressões digitais daqueles que nela tocaram... do meu avô que a enviou, de seu sobrinho que a recebeu, de tanta gente que não conheci, e de todos que a transportaram do papel para os olhos, e dos olhos para a memória... Há nela registros de tempo, de lugares e de pessoas."
Antigamente as fotos eram irretocáveis, insubstituíveis - como irretocável e insubstituível é essa que ganhei. Velha, desgastada, amarelada, impressa em cartão fotográfico apropriado para a época, é um verdadeiro tesouro de família guardado para ser olhado, comentado e tateado de tempos em tempos.
Navegando pela internet, vejo centenas de fotos maravilhosas sendo postadas todos os dias. São expressões faciais, sorrisos, famílias em festa, pessoas se abraçando, casas, lugares, cidades, carros, praias, copos, animais... Nunca foram tiradas tantas! Contudo, elas nunca tiveram tão pouco valor... Olhamos, "curtimos"... e passamos para a foto seguinte...
Em nossa memória parece não mais haver espaço para reter o que se foi. As fotos, em especial, têm permanecido frias e intactas, virtuais e descartáveis... na memória do computador. A qualquer momento, ou até mesmo nesse exato instante, poderão desaparecer por descaso nosso, vitimadas por apagões que o "sistema" está sujeito a sofrer. Assim, paradoxalmente com tantas fotos tiradas, corremos o risco de ficar sem as marcas e a memória do nosso tempo... .
Creio que ao olharmos uma imagem fotográfica antiga com os olhos, com as mãos e com o coração, o que nos humaniza, enche de saudade, esperança e contentamento, dando vida à nossa imaginação, não é a simples imagem impressa no papel, mas também, e especialmente, o contato físico com as impressões digitais vagas e imprecisas que na foto ficam gravadas para sempre.
(1) Cronista do jornal "Folha de São Paulo". Crônica "Retratos de Famíla" - Caderno E8 Ilustrada - terça-feira, 07 de janeiro de 2014
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