Viajando pelas estradas do nosso
país a gente vai observando os casebres espetados em locais praticamente
inacessíveis... O carro cumpre sua trajetória e as pequenas casas
isoladas se aglomeram para formar uma vila, uma cidade... De longe se vê
sempre uma igreja em destaque. Eventualmente, às margens do caminho, um pedestre preenche seu tempo e sua fantasia observando o carro que passa, e que o estimula a sonhar.
Nossas vidas estão ocupadas pela dureza da realidade, pelo nosso espaço limitado, pelo nosso período de tempo contado!
Londres, Paris, Tóquio, Nova Iorque, Rio de Janeiro; um novo trabalho, alguém a quem
querer bem, modelos de relação familiar; pré-história, a revolução
russa, a idade-média, o homem em Marte, a vitória do bem contra o mal; justiça, solidariedade, amor, carinho, honestidade - só existem no som das palavras que as representam, nos livros...
... ou no cinema!
No
cinema caminhamos por tantas cidades, conhecemos tanta gente,
ultrapassamos as barreiras do ontem e do amanhã, rimos, choramos, nos
emocionamos e descobrimos modelos de identificação; no cinema podemos ir onde a imaginação nos levar!
E
foi no cinema que, como Phileas Fogg (interpretado por David Niven), dei a volta ao mundo em 80 dias; que como Dr. Jivago (por Omar Shariff),
escondi-me no interior da Rússia; que como Moisés (por Charlton
Heston), conduzi um povo; que como Joe Buck (por Jon Voight), tentei vencer em Nova Iorque; que como Marcelo (por Stepan Nercessian), passei minha infância nas ruas e praias de Copacabana...
Todas essas viagens, e inúmeras outras, devo ao cinema. E, em especial a um cinema que ficava pertinho de casa: O "Cine Guará"!
Dentro dele, com as luzes apagadas, eu podia tudo! Ali, desligava-me de carências, sofrimentos, cidades, pessoas, tempo e som reais, para poder ir além, para poder viver e aprender com a fantasia... Ali, qualquer ruído era incômodo! Refrigerantes e pipoca eram proibidos, pois seus sons nos traziam de volta à realidade... O máximo que se tolerava era um leeeeento desembrulhar de uma bala pipper, toffee ou cevada - as únicas vendidas no cinema - não sem deixar na gente um baita sentimento de culpa pelo barulho que o papel fazia, pois que desmontava a fantasia de quem vivia o filme que estava assistindo.
Hoje já nem sei o que funciona no prédio do "meu" antigo cinema. Sei que houve um tempo em que ali funcionou uma loja de eletrodomésticos; depois, igreja; em seguida departamento de alguma coisa da administração municipal...
Com isso, fico pensando no real e na possibilidade de construção do imaginário nas mentes das pessoas; no que elas podem e estão talhadas a viver, e no que elas conseguem se soltar e aprender a sonhar para poderem ir mais além...
E é por isso que fico muito incomodado com o desaparecimento de muitas salas de cinema - pois que isso diminui a possibilidade de se poder sonhar. Mas também fico muito incomodado quando, em algum cinema, noto alguém sentar-se na plateia carregando uma bandeja enorme de pipoca com um copo de "ene" litros de coca-cola. Isso significa que o barulho produzido por essa pessoa vai mantê-la na realidade em que vive, tirando dela mesma e de muita gente na plateia a possibilidade de se ver em outra realidade, de se repensar, de se reinventar, de querer ir mais além, e aprender com a fantasia projetada na tela.
Oops! Chega de papo! Com as luzes se apagando, e com os sons reais desaparecendo, ouçamos a música acompanhar as cortinas que se abrem...
("Till" - Percy Faith)
... para que possam entrar em cena Charlie Chaplin, Antônio Fagundes, Cécile de France, Anthony Quinn, Sidney Poitier, Juliette Binhoche, Brad Pitt, Nicole Kidman, Cantinflas, Walmor Chagas, Brigitte Bardot, Dustin Hoffman, Morgan Freeman, Ricardo Darin...;
... para que possamos visitar a torre Eiffel, a pirâmide de Quéops, o Coliseu de Roma, a Muralha da China, o Cristo Redentor, Machu Picchu, o Museu de Antropologia da Cidade do México...;
... para que conheçamos Hannibal Lecter, Forrest Gump, Indiana Jones, James Bond, Don Corleone, Scarlett O"Hara, Tarzan...;
... para que possamos assistir "O paciente inglês", "Xingu", "A Partida", "Procurando Sugar Man", "Gandhi", "O pianista", "Por volta da meia-noite"...;
... e para que também, concomitantemente, se possam abrir nossas mentes e nossas fantasias ao assistirmos um filme que nos inspire a repensar a nossa realidade, buscando deixar uma outra melhor para os nossos filhos.
Bons filmes a todos!