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Elis Regina - "Morro Velho", de Milton Nascimento
O calor da tarde está insuportável. De dentro do carro, preso no trânsito, observo a cidade. A avenida, que já teve de ambos os lados imóveis residenciais, transformou-se em centro econômico, tomada que está por todos os tipos de lojas e ricas agências bancárias. No centro, dividindo as mãos de trânsito da avenida, há um caminho feito de pedras e jardins mal cuidados, com enormes sibipirunas que se sucedem ao longo de sua extensão. O trânsito flui nervoso e preguiçosamente; o carro manca e chacoalha a cada pequeno deslocamento sobre as pedras que revestem o chão.
Mas ao ouvir no aparelho de som do carro a Elis Regina cantando "Morro Velho", esse universo de imóveis, carros e pedras em que me encontro transforma-se em riacho, plantação, sombras, meninos e passarinhos. Sua letra e sua melodia me colocam em uma fazenda onde poucas vezes estive... Lá o universo infantil, transparente, sem cor de pele e sem distinção de raças, distante de preconceitos aos olhos de uma criança, é colorido de fantasias...
Nessa leveza toda, sentados livremente, os meninos observam com graça tudo que os rodeia.
E assim desenvolvem-se a amizade, as brincadeiras infantis e a meninice dos dois amigos.
Um é branco, e seu pai o proprietário; o outro é negro, filho de um dos trabalhadores da fazenda. O preconceito racial, arraigado na sociedade, é algo que as crianças não têm. Por isso, os dois meninos brincam juntos.
Com o tempo, porém, a realidade os distancia...
Fica, no entanto, no coração dos meninos que rompem a trajetória comum de suas vidas, o desejo de que a infância e tudo que a envolve nunca termine...
Mas a cidade transforma, os indivíduos se transformam, os meninos se transformam; as vantagens e ordens da cidade distanciam... Por isso, ao retornar, o filho do proprietário, herdeiro natural da fazenda, já é outro, já é doutor... E naquilo tudo (e naqueles todos) vai mandar!
No entanto aquele cujo pai trabalhava na fazenda, o "seu velho camarada", também cresceu. E, sem ter tido as mesmas oportunidades, simplesmente continua...
Da amizade à submissão, a vida prossegue...
Olho novamente o trânsito parado na avenida... Um menino paupérrimo e sorridente, com uma bola debaixo do braço, vem à janela do meu carro, fica me olhando, e me coloca de novo na cidade... O trânsito segue, eu sigo, a vida segue... e o pensamento vai longe:
- "É preciso olhar pelas crianças; é preciso aprender com elas, enquanto crianças. Ainda há árvores a serem plantadas, ainda há jardins a serem cuidados, ainda há muita infância dispersa pelas ruas; ainda há uma nação a ser construída..."
Mas ao ouvir no aparelho de som do carro a Elis Regina cantando "Morro Velho", esse universo de imóveis, carros e pedras em que me encontro transforma-se em riacho, plantação, sombras, meninos e passarinhos. Sua letra e sua melodia me colocam em uma fazenda onde poucas vezes estive... Lá o universo infantil, transparente, sem cor de pele e sem distinção de raças, distante de preconceitos aos olhos de uma criança, é colorido de fantasias...
"Peixe bom dá no riacho de água tão limpinha - dá pro fundo ver"
Nessa leveza toda, sentados livremente, os meninos observam com graça tudo que os rodeia.
"Só poder sentar no morro, e ver tudo verdinho, lindo a crescer"
E assim desenvolvem-se a amizade, as brincadeiras infantis e a meninice dos dois amigos.
"(...) correndo pela estrada atrás de passarinho
pela plantação adentro crescendo os dois meninos
sempre tão pequeninos (...)"
Um é branco, e seu pai o proprietário; o outro é negro, filho de um dos trabalhadores da fazenda. O preconceito racial, arraigado na sociedade, é algo que as crianças não têm. Por isso, os dois meninos brincam juntos.
(fonte: http://euamompb.blogspot.com.br/2011/10/clube-da-esquina-os-sonhos-nao.html)
Com o tempo, porém, a realidade os distancia...
"Filho do senhor vai embora, tempo de estudo na cidade grande"
Fica, no entanto, no coração dos meninos que rompem a trajetória comum de suas vidas, o desejo de que a infância e tudo que a envolve nunca termine...
"Não me esqueça amigo, eu vou voltar.
Some longe o trenzinho, ao deus-dará"
Mas a cidade transforma, os indivíduos se transformam, os meninos se transformam; as vantagens e ordens da cidade distanciam... Por isso, ao retornar, o filho do proprietário, herdeiro natural da fazenda, já é outro, já é doutor... E naquilo tudo (e naqueles todos) vai mandar!
"Quando volta já é outro, trouxe até sinhá mocinha para apresentar
já tem nome de doutor, e agora na fazenda é quem vai mandar"
No entanto aquele cujo pai trabalhava na fazenda, o "seu velho camarada", também cresceu. E, sem ter tido as mesmas oportunidades, simplesmente continua...
Da amizade à submissão, a vida prossegue...
"Mas seu velho camarada já não brinca, mas trabalha."
Olho novamente o trânsito parado na avenida... Um menino paupérrimo e sorridente, com uma bola debaixo do braço, vem à janela do meu carro, fica me olhando, e me coloca de novo na cidade... O trânsito segue, eu sigo, a vida segue... e o pensamento vai longe:
- "É preciso olhar pelas crianças; é preciso aprender com elas, enquanto crianças. Ainda há árvores a serem plantadas, ainda há jardins a serem cuidados, ainda há muita infância dispersa pelas ruas; ainda há uma nação a ser construída..."
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Morro Velho
(Mílton Nascimento)
No sertão da minha terra, fazenda é o camarada que ao chão se deu
Fez a obrigação com força, parece até que tudo aquilo ali é seu
Fez a obrigação com força, parece até que tudo aquilo ali é seu
Só poder sentar no morro e ver tudo verdinho, lindo a crescer
Orgulhoso camarada, de viola em vez de enxada
Filho de branco e do preto, correndo pela estrada atrás de passarinho
Filho de branco e do preto, correndo pela estrada atrás de passarinho
Pela plantação adentro, crescendo os dois meninos, sempre pequeninos
Peixe bom dá no riacho de água tão limpinha, dá pro fundo ver
Orgulhoso camarada, contra histórias prá moçada
Filho do senhor vai embora, tempo de estudos na cidade grande
Parte, tem os olhos tristes, deixando o companheiro na estação distante
Não esqueça, amigo, eu vou voltar, some longe o trenzinho ao deus-dará
Quando volta já é outro, trouxe até sinhá mocinha prá apresentar
Linda como a luz da lua que em lugar nenhum rebrilha como lá
Já tem nome de doutor, e agora na fazenda é quem vai mandar
Mas seu velho camarada já não brinca, mas trabalha
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