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(Suite 1 para violoncelo, de J. S. Bach - violoncelista: Yo Yo Ma)
As ruas da cidade são o retrato da nossa miséria. Atiramos sobre elas os restos daquilo que desprezamos, como se quiséssemos expor a nossa imperfeição. São pedaços de papel, tocos de cigarro, cascas e caroços de frutas, folhetos promocionais, e tudo o que julgamos desnecessário...
Eu caminho sempre pela mesma calçada, e muitas vezes vejo uma mesma funcionária do serviço público de limpeza. Ela varre a cidade e, atentamente, realiza seu serviço removendo resíduos que impiedosamente atiramos pelo chão... Todas as vezes que passo por ela tento ser visto para poder cumprimentá-la. Minha vontade é de atrair sua atenção para que perceba que reconheço a importância do seu trabalho, e também para que compreenda que nem ela e nem o resultado daquilo que faz são invisíveis.
(Funcionária da Limpeza Pública - foto: arq. pessoal - jul/14)
Ao passar por ela me encolho. Sinto vergonha. Vergonha pelo que vejo jogado no chão, e pela postura humilde que ela assume com a vassoura na mão. Mesmo não tendo sido autorizado para tanto, quero pedir-lhe desculpas em nome de todos. Mas ela não me vê - ou cuida para que eu não a veja - ... e segue varrendo, limpando, recolhendo restos, com a mente sabe-se lá onde.
Imagino a angústia que carrega alguém quando percebe que, de seu trabalho, não vai haver um resultado final. Que todos os dias, depois de algumas horas, ao olhar para tudo o que foi feito, sabe que precisa recomeçar...
Mas aquela senhora da limpeza pública já se acostumou com a imperfeição e a indiferença de todos nós. Ela segue varrendo, limpando, recolhendo restos, como se estivesse cuidando do chão de sua própria casa. Sem os estímulos de reconhecimento de quem por ali passa, ela parece não ter noção da essencialidade do que faz.
Quanto a nós, que nos anestesiamos da capacidade de enxergar além, resta-nos aprender a realizar nosso próprio trabalho independente de aplausos, como faz aquela senhora... como se fôssemos, cada um de nós, e todos nós em conjunto, músicos de uma mesma orquestra... que, de um palco sem luzes, toca e encanta em um auditório vazio...
Quanto a nós, que nos anestesiamos da capacidade de enxergar além, resta-nos aprender a realizar nosso próprio trabalho independente de aplausos, como faz aquela senhora... como se fôssemos, cada um de nós, e todos nós em conjunto, músicos de uma mesma orquestra... que, de um palco sem luzes, toca e encanta em um auditório vazio...
(Auditório Cláudio Santoro - Campos do Jordão/SP - foto: arq. pessoal)
Parabéns pelo belíssimo texto, difícil mesmo é se reinventar a cada dia, se esmerando em fazer o nosso melhor, sabendo que amanhã, tudo começa do zero...
ResponderExcluirObrigado, Vinícius, pelo seu comentário... e vamos em frente. Abração!
ExcluirNossa, Elias, temos os mesmos sentimentos seus. Diariamente sinto essa vontade de me desculpar por todos os lixos deixados pela população.
ExcluirParabéns!!! Belo texto.
É Elias temos muito a aprender; a exemplo dos Japoneses nos estádios da copa, é questão de educação.
ResponderExcluirBelíssimo e ilustrativo texto!
ResponderExcluirRecordei-me de dois conceitos... O primeiro, desenvolvido no direito penitenciário, sobre a "invisibilidade" dos presos. O segundo, de aspecto econômico, de que o Brasil absorve empregos tão precários (gari, vigilante, "homens-placa" do setor imobiliário etc.) ao passo em que o setor produtivo poderia usufruir melhor desses recursos humanos (população em idade ativa) em todo seu potencial.
Enfim, a senhora, "invisível", não precisaria, necessariamente, estar limpando a miséria de nossa (so)ci(e)dade; mas produzindo para que chegássemos, em breve, a um país desenvolvido.
Parabéns!