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("Junk" - Paul McCartney, 1970)
Assim que entrei em casa no começo da noite recebi uma mensagem da minha esposa, via whatsapp, me avisando que ia se atrasar para o jantar.
Fui até a sacada do apartamento e, do oitavo andar, olhei a cidade viva e reluzente com as luzes de Natal. Desci pelas escadas e, caminhando devagar, tomei o rumo das ruas do centro. Queria ver a celebração da alegria nessas semanas que antecedem o Natal; ver as pessoas caminhando, viajar nas suas histórias pessoais contadas pela expressão de seus olhares e pelos sulcos em suas faces.
Nas lojas os anúncios luminosos enfeitavam a noite e faziam convites insistentes para a compra de aparelhos de som, ipods, iphones, geladeiras, televisores, computadores, impressoras, e tudo o que se pode imaginar. Os casais, as crianças, as famílias, entravam nas lojas, examinavam os produtos em oferta, conversavam, observavam, ficavam pensando...
Entrei também em uma delas. Era uma grande loja de computadores. Porém não consegui enxergar nada do que estava exposto. A loja havia se transformado no quartinho de despejo do fundo do quintal de minha casa de menino, onde ficavam amontoadas e empoeiradas as velharias da família - um arquivo de madeira, pilhas de jornal, revistas de esporte, coleções de gibis, jogos de botão, uma pequena árvore de Natal, pinceis de pintura, cadernos e livros escolares, carrinhos de corda, uma caixa de engraxate, um violão quebrado, um quadriciclo de latão vermelho que imitava um jipe, um autorama desmontado, uma bicicleta sem corrente, uma vitrola, discos de vinil... e o cheiro de coisa antiga.
Sem querer eu estava remexendo nessas coisas guardadas na memória, pelo simples prazer de reviver o que cada uma delas, um dia, representou para mim...
(Em casa, 1962 - foto: arq. de família)
Abandonados naquele quartinho de despejo, cada um daqueles objetos me completava a cada vez que eu os visitava. Mesmo depois de crescido, a simples lembrança de que eles permaneciam lá amontoados fazia bater forte o meu coração.
E ali, naquela hora, naquela loja, enquanto os aparelhos modernos gritavam "compre, compre, compre", eu só conseguia ouvir as coisas empoeiradas me perguntando tristemente:
- "Por onde tem andado?"
Hoje, no quartinho de despejo, aqueles objetos já não estão mais. Contudo, imaterializados, permanecem na minha lembrança.
Foi então que uma vendedora aproximou-se de mim, mostrou seu sorriso treinado, e me perguntou:
- O senhor já fez o seu pedido para o Papai Noel?
E eu, que já me dirigia para a porta de saída, parei para lhe responder com toda franqueza e seriedade:
- Já sim. Mandei um recadinho ao meu amigo invisível pedindo um pequeno aspirador de pó.
E completementei:
- Estou precisando limpar uma porção de coisas que enchem de alegria o meu coração.
Percebi que ela ficou calada e séria ao ouvir minhas palavras. Envergonhado e sem jeito por ter apagado do seu rosto aquele sorriso, tomei o rumo da porta de saída. Já com os pés na calçada olhei para trás e pude vê-la acenar com os braços, sorrindo um outro sorriso e me dizendo com naturalidade:
- "Feliz Natal!!"
E completementei:
- Estou precisando limpar uma porção de coisas que enchem de alegria o meu coração.
Percebi que ela ficou calada e séria ao ouvir minhas palavras. Envergonhado e sem jeito por ter apagado do seu rosto aquele sorriso, tomei o rumo da porta de saída. Já com os pés na calçada olhei para trás e pude vê-la acenar com os braços, sorrindo um outro sorriso e me dizendo com naturalidade:
- "Feliz Natal!!"
Junk
Motor cars, handle bars
Bicycles for two
Broken hearted jubilee
Parachutes, army boots
Sleeping bags for two
Sentimental jamboree
Buy buy
Says the sign in the shop window
Why why
Says the junk in the yard
Candlesticks, building bricks
Some old and new
Memories for you and me
Buy buy
Says the sign in the shop window
Why why
Says the junk in the yard
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Velharias
Automóveis, guidões
Bicicletas
para dois
Alegria de um coração partido
Paraquedas,
botas de soldados
Sacos
de dormir para dois
Celebração
sentimental
Compre,
compre
Diz
a placa na janela da loja
Por
quê, por quê?
Dizem
as velharias no quintal
Castiçais,
tijolos
Alguns velhos, outros novos
Lembranças
para você e para mim
Compre,
compre
Diz
a placa na janela da loja
Por
quê, por quê?
Dizem
as velharias no quintal
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Lembranças, lembranças... são as nossas referências para nos situar no presente. Belo texto.
ResponderExcluirDe fato, Matilde... nossas referências... nosso presente... a construção do nosso futuro. Grande abraço.
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