sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O ÚLTIMO DIA DO ANO


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
(Linda Ronstadt - "Good Night", de Lennon/McCartney)


     O último dia do ano. O último!

     Em vinte e quatro horas quanta coisa boa pode acontecer!

     Uma redescoberta, um reencontro, uma inspiração, uma cura...

     "O último dia do ano não é o último dia do tempo"*.

     Nem do ano, nem do tempo... e nem meu.

     Outros dias virão.

(Fonte: http://clickcatarina.com/amanhecer-na-serra-catarinense/nascer-do-sol-na-serra-catarinense/)

     Tenho, em cada um deles, 24 horas para fazer com que todos sejam bons.

     Quero que o último dia do ano seja melhor que todos os anteriores.

     Que o dia seguinte seja melhor ainda...

     E que, no próximo, eu possa aprender tanta coisa boa que eu jamais queira esquecê-lo.

     Hoje quero estar feliz ao adormecer.

     E quero, feito criança, despertar no último dia do ano lambuzado de vida: de vida, de desejo e de esperança... em cada um dos dias que virão.

________________________________ 
*Carlos Drummond de Andrade, no poema "Passagem do ano" - em "A Rosa do Povo", de 1945.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O CÉU



(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
(Kaori Fuiji e Eric Cecil - Bachianas Brasileiras nº 5 -
Melodia Sentimental, de H. Villa Lobos)


"Cada criança que nasce nos traz a mensagem
de que Deus ainda não perdeu a esperança
em relação à humanidade"
(Rabindranath Tagoré)


     Certa vez ao ser indagado a respeito do céu e de sua natureza, respondi que creio em sua existência dentro de cada um de nós. Mas que, assim como ele, o inferno ocupa a mesma morada. Disse, por fim, acreditar que estamos tomados por um embate incessante entre céu e inferno: nem sempre bem, nem sempre mal, mas em um conflito ininterrupto entre essas duas entidades.  

     Constituído por esse universo dualista, a "Melodia Sentimental" que ora ouço torna candente a chama de esperança contida na simbologia do nascimento de Jesus Cristo, e o meu inferno interior de mim se distancia e se apequena - a ponto de colocar em dúvida a própria existência do mal.

(fonte: http://contra-faccao.blogspot.com.br/2012/05/as-vezes-surge-uma-vela-acesa-no-meio.html)

     Abraço espiritualmente meus amigos e leitores, desejando a todos, de coração, um Feliz e abençoado Natal.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

IDEIAS ABSURDAS


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
(e assista depois de ter lido)
(Pink Floyd - "The Wall" - fonte: https://www.youtube.com/watch?v=fvPpAPIIZyo)


     A eleição do Trump conta muito do que anda rolando nas mentes dos cidadãos norte-americanos e dos cidadãos de muitos outros países. Em sua campanha eleitoral o Trump propagou a xenofobia, a segregação, a homofobia e o nacionalismo exacerbado. Pelo menos, salvo melhor juízo, foi isso que entendi de suas manifestações. Mas, movido pelo lema "make America great again"*, temos que admitir que foi autêntico em suas falas.


(Fonte: http://thehill.com/blogs/ballot-box/gop-primaries/271330-trump-wins-georgia-super-tuesday)

     Sua proposta vencedora, traduzida por muros que segregam e decretos que expulsam, trouxe um forte indício de intolerância. Uma política assim nada mais é do que a representação de uma tendência isolacionista que paira sobre as chamadas grandes potências mundiais. Tal ocorreu com o plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Européia; tal tem ocorrido na França com a propagação das ideias conservadoras de Marine Le Pen, e na Rússia de Putin.

     Pelo andar da carruagem o mundo dito globalizado está propenso a abrir-se no trânsito de mercadorias, mas a fechar-se em compartimentos que dificultam a integração e a convivência pacífica de pessoas de diferentes origens e credos. Essa propensão, indiscutivelmente, só pode ter o ódio como consequência. Parece que estão querendo que o homem seja tomado como um produto industrial, nascido de um mesmo processo de estampagem, com o mesmo desenho, a mesma pintura, as mesmas dimensões, o mesmo tratamento térmico - e o mesmo potencial de consumo.

     Mas não somos peças. Somos seres com origens e formações culturais diversas. Essa pequena ideia já é suficiente para compreendermos que precisamos saber respeitar as diferenças, aceitar e conviver em harmonia com toda espécie de diversidade. Estendendo a proposição de Sérgio Buarque de Hollanda**, pelo simples fato de habitarmos o mesmo planeta, entendo que "ninguém está investido de poder algum para fazer com que sejamos seres desterrados aqui na Terra" - seja na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos, na Síria, no Brasil, ou em qualquer lugar no mundo.

     Do contrário, e se assim o permitirmos, no controle de qualidade do processo de fabricação chegará um dia em que cada um de nós será descartado coercitivamente do lote produzido e sepultado na vala dos mortais, ouvindo a ideia absurda de que somos peças estampadas em desconformidade com o projeto padrão.

________________________ 
*faça os Estados Unidos grande novamente
**"somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra" - Sérgio Buarque de Hollanda. "Raízes do Brasil" - Ed. Companhia das Letras, 26ª Ed., 1995 - pg. 31

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

OBLIVION*


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("Oblivion" - Astor Piazzolla)
https://www.youtube.com/watch?v=dF-IMQzd_Jo

"A vida é suficientemente longa,
e com generosidade nos foi dada
para a realização das maiores coisas
se a empregamos bem."
(Sêneca)


     No espaço aéreo da cidade grande, enclausurado no apartamento onde vivo, fico olhando o lustre no teto.


("O lustre" - foto: arq. pessoal)

     Do teto às janelas; delas, às janelas dos prédios vizinhos. Algumas delas abertas, porém sem nenhum sinal de vida. As horas que se vão passando carregam consigo a sensação angustiante de desperdício de tempo.

     Qualquer ruído, qualquer som, alguma voz que eventualmente ouvisse poderia me servir de estímulo para alguma busca. Nada ouço, porém.

     De súbito o acionamento de uma válvula de descarga de algum apartamento do prédio e o fluxo de água pela tubulação dão sinais de vida. Esses barulhos distantes, quase imperceptíveis, preenchem tanto o meu vazio quanto o meu silêncio.

     Penso no casal que vive no apartamento imediatamente acima do meu. Octogenários aposentados desde longa data, ele, médico neurologista, ela professora de piano. Nunca os visitei. Nas poucas vezes que nos vimos no elevador nós nos cumprimentamos e sorrimos. Quando penso neles eu os imagino sentados em suas poltronas, um ao lado do outro, esperando, quase adormecidos. Moram sós. Não tiveram filhos.

blog old couple holding hands
(Fonte: http://graceburrowes.com/blog/2015/09/play-it-where-it-labels/)

     O barulho de água fluindo pela tubulação acendeu-me o desejo de levar a eles a possibilidade de um pensamento bom, a lembrança de um momento feliz. Instintivamente vou buscar minha caixinha de som, abro a janela da sala, e com o aparelho suspenso pelas minhas mãos para o lado de fora aciono a tecla PLAY. Retiro das profundezas do esquecimento o bandoneon do Astor Piazzolla. Quero que o suspiro de seu fole encha de vida os pulmões viventes no apartamento dos meus vizinhos. Desejo imensamente que eles consigam ouvir a música que, pensando neles, pus para tocar; desejo que, ao ouvi-la, seus corações se aqueçam; que, despertando de seu suave cochilo, animem-se em dizer um ao outro: "alguém ouve música". Que sorriam diante da simplicidade dessa ideia, que estendam as mãos um para o outro, e com toques de carinho relembrem histórias de amor que ficaram guardadas nas gavetas do tempo.


*Oblivion - (do inglês) esquecimento, adormecimento, abandono.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

SENHOR WILSON


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)

(Naruto - "Sadness and Sorrow" - Violin -
https://www.youtube.com/watch?v=XkRU2g4NtaE)


     Não podendo resistir fechou os olhos. Cansou de olhar pela janela uma rua que já não via. Cansou de perceber pelo portão o movimento que já não lhe interessava. Cansou de esperar quem não mais poderia estar consigo.

     Cansou. 

     Cansou de ficar sentado, a manhã vazia, a tarde vazia, a noite vazia. No silêncio da casa, seu olhar apagado continha a história de um tempo que passou, que acabou, que ficou esquecido.


(Sr. Wilson - fonte: Eliana de Andrade, no facebook)

     Percorria toda a cidade a passos largos segurando sua caixinha metálica com seringas e agulhas para remediar seus doentes; visitava-os, levava a eles ânimo e esperança. Em sua farmácia, por anos, recebeu-me para a minha benzetacil mensal; para o café da tarde subia em um salto os três degraus que davam acesso à casa de minha avó - onde chegava com pressa e alegria. Guardava com carinho um exemplar de uma edição antiga e luxuosa da "Divina Comédia" que lhe havia sido presenteada por um tio meu; dela, gostava de comentar ironicamente passagens do inferno e do paraíso.

     Foi uma entidade!

     Acompanhei-o de longe e também senti suas perdas ao longo do tempo. Fiquei triste em virtude delas. Hoje despediu-se; seu tempo se consumou; acabou.

     Descanse em paz.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

TEMPO FELIZ


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR DURANTE A LEITURA)
(Baden Powell -"Tempo Feliz" - de Vinícius e Baden)

Tempo Feliz
(Vinicius de Moraes, Baden Powell )

Feliz o tempo que passou, passou
Tempo tão cheio de recordações
Tantas canções ele deixou, deixou
Trazendo paz a tantos corações

Que sons mais lindos tinha pelo ar
Que alegria de viver
Ah, meu amor, que tristeza me dá
Vendo o dia querendo amanhecer
E ninguém cantar

Mas, meu bem
Deixa estar, tempo vai
Tempo vem
E quando um dia esse tempo voltar
Eu nem quero pensar no que vai ser
Até o sol raiar


(Foto: arq. pessoal)


A cidade: pequena.
A rua: arborizada.
Os vizinhos: amigos.
O portão: aberto. 
O local: minha casa.
Os cômodos: a cozinha e a copa.

Era seis de outubro.

A Maria Aparecida e o Luiz Augusto,
A Ivete, a Rita, a Dorama, o Zé Roberto, o Tim, o Zé...
O olhar da Silvinha,
A expressão do Mário Antônio,
A mão protetora da Madalena no peito do Chico,
O sorriso da minha irmã pelo seu aniversário.

Bolo, balas, doces, salgados e refrigerantes.
Da casa, todas as luzes acesas.
A alegria das faces amigas 
ficaram eternizadas na foto...
...na foto que reteve em branco e preto 
um momento passado que não volta mais.

Era seis de outubro.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

FOREVER YOUNG



(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("Forever Young", Bob Dylan and the Band - https://www.youtube.com/watch?v=jtFEzhaNrT4)


"May you build a ladder to the stars,
and climb on every rung:
May god bless you and keep you
forever young"
(Bob Dylan)


     O Bob Dylan tinha 32 anos de idade quando, em 1973, gravou "Forever Young". Em pleno vigor de sua juventude ele fazia, na canção, uma oração endereçada ao seu filho Jesse - então com sete anos de idade.

     Não sei dizer se os votos do Bob Dylan, expressos na oração, foram atendidos na sua plenitude. Li recentemente que Jesse tornou-se diretor de cinema* e que, depois dele, Dylan teve outros cinco filhos (oficiais)**.


Bob Dylan com seu filho Jakob
http://lastdaydeaf.com/summer-2020-playlists-like-father-like-son-bob-jakob-dylan/


     Percebo que a canção mantém sua força e seu encanto mesmo depois de tanto tempo. Sua letra traduz o sentimento do homem em seu estado de elevada nobreza, porém tomado pela angústia de carregar dentro do peito a incerteza de cada um dos dias que poderão vir.

     Quando "Forever Young" foi gravada eu tinha 16 anos. Desde então, e muito antes ainda, atravessei cada um dos meus dias com a cabeça tomada por projetos, sonhos, conflitos, inquietações e muita música ("Forever Young", dentre tantas). Sem que pudesse me dar conta, lutando para poder ser útil, procurando discernir a verdade e enxergar as luzes ao meu redor, caminhei sob a proteção de Deus.

     O Bob Dylan tem hoje 75 anos de idade e da sua voz segue ecoando, com todos os acordes, a mesma prece por ele escrita há mais de 40 anos. Oxalá todos nós, quando estivermos nos achando antiquados e ultrapassados, consigamos ouvir "Forever Young" e reencontrar em sua letra a nossa juventude espiritual para podermos, assim, continuar dedicando a nós mesmos, aos nossos filhos, e a todos os jovens idealistas, a mesma prece dedicada pelo Bob Dylan ao seu filho - e que eu, particularmente, continuo dedicando aos meus.



Forever Young

May God bless and keep you always
May your wishes all come true
May you always do for others
And let others do for you
May you build a ladder to the stars
And climb on every rung
May you stay forever young
Forever young, forever young
May you stay forever young

May you grow up to be righteous
May you grow up to be true
May you always know the truth
And see the lights surrounding you
May you always be courageous
Stand upright and be strong
May you stay forever young
Forever young, forever young
May you stay forever young

May your hands always be busy
May your feet always be swift
May you have a strong foundation
When the winds of changes shift
May your heart always be joyful
May your song always be sung
May you stay forever young
Forever young, forever young
May you stay forever young
Para Sempre Jovem

Que Deus te abençoe e te proteja sempre,
Que todos os seus desejos se realizem;
Que você possa ser sempre útil aos outros
E permitir que os outros o sejam para você.
Que você consiga erigir uma escada até as estrelas
E galgar cada degrau;
Que você possa permanecer para sempre jovem.
Jovem para sempre, jovem para sempre,
Que você possa permanecer para sempre jovem.

Que ao crescer você se torne justo,
Que ao crescer você se torne verdadeiro,
Que você saiba sempre discernir a verdade
E enxergar as luzes que o cercam.
Que você seja sempre corajoso,
Aguente firme e seja forte.
Que você possa permanecer para sempre jovem.
Jovem para sempre, jovem para sempre,
Que você possa permanecer para sempre jovem.

Possam suas mãos estar sempre ocupadas,
Possam seus pés ser sempre ágeis,
Que você tenha uma base sólida,
Quando os ventos das mudanças soprarem.
Possa seu coração estar sempre contente,
Possa sua canção ser sempre cantada,
Que você possa permanecer para sempre jovem.
Jovem para sempre, jovem para sempre,
Que você possa permanecer para sempre jovem.


*em http://thedwarf.com.au/news/rock-star-dads
**em http://oglobo.globo.com/cultura/homem-de-48-anos-afirma-ser-primeiro-filho-de-bob-dylan-5446880



sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O CANDIDATO E O ELEITOR


(CLIQUE NA SETA PARA ASSISTIR ANTES DE LER)
("Como fabricar um candidato - https://www.youtube.com/watch?v=n4rzfnzQrAg)



"E eu que não creio
peço a Deus por minha gente"
(Garoto, Vinícius, Chico)




Chega um momento em que é preciso eleger.

Colocam-se diante dos homens comuns seres extraordinários moldados em gestos treinados e frases fabricadas ditas com segurança e brilho no olhar. Estes seres sobem em palanques, falam alto, apontam caminhos, abraçam, sorriem, e simulam vocação messiânica com acenos de mãos.

Chega um momento em que o homem comum para para ouvir.

Empresta ouvidos a programas de rádio e televisão. Vê os seres extraordinários proporem soluções fantasiosas para uma cidade empobrecida e habitada por gente esperançosa que, de pés descalços e chapéu na mão, aplaude os seres extraordinários. 

Chega um momento em que o homem comum passa a olhar ao seu redor.

O homem comum mergulha em sua câmara de reflexões, fala baixo, sente dificuldade de decidir. Analisa. Não se convence. Indeciso, faz perguntas a si mesmo. Olha sua cidade, sua gente, suas praças, as grades nas janelas das casas, os buracos nas ruas, as lixeiras nas calçadas, as filas nos postos de saúde, a qualidade de suas escolas, e percebe o quanto de descaso há nisso tudo. 

Mas chega o momento, enfim, em que o homem comum precisa falar.

La prière, par Erich Heckel
("La prière" - Herich Heckel - fonte: http://www.eternels-eclairs.fr/die-brucke-tableaux-heckel-schmidt-rottluff-nolde-pechstein.php

Depois de muito avaliar, sentindo-se desencantado e tão desamparo quanto é de sua natureza ser, ele levanta a cabeça, direciona seu olhar para as estrelas no céu, e diz com desolação:

- "Perdoai-me, Senhor. O exercício da política requer muita nobreza. Mas o que tem sido apresentado nada traz além de maquilagem, dissimulação e vazio - com raríssimas exceções". 

E tomado de tristeza, baixando seu olhar para o chão, pede a Deus, humildemente, com a voz que lhe vem do coração:

- "Tende piedade de nós!"

terça-feira, 30 de agosto de 2016

CHICO NO SENADO


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
("Cordão" - Chico Buarque)


"Ninguém vai me acorrentar
enquanto eu puder cantar,
enquanto eu puder sorrir"
(Chico Buarque)


     A presidente Dilma foi ontem ao Senado apresentar sua defesa no processo de impeachment. Nas galerias, ao lado do ex-presidente Lula, assistindo a sessão, estava o Chico Buarque.

     O Chico simbolizou muito durante os "anos de chumbo". E não só durante os "anos de chumbo". Até hoje ele é o que é. Com sua genialidade criativa, e sob uma censura bravíssima, o Brasil pensante aprendeu a admirá-lo, cantou e segue cantando suas músicas - e lendo seus livros.

     Sua presença no Senado agradou a alguns e desagradou a outros - em especial por ter partido da presidente Dilma o convite para a sua ida - conforme noticiaram os jornais.



Chico Buarque diz que veio ao Senado 'para conhecer o Alvorada porque nunca mais terá oportunidade'
(Chico Buarque - http://almanakedaweb.blogspot.com.br/2016/08/lula-e-seu-mundo-de-faz-de-conta-se.html)

     Não me importo se o Chico é ou não favorável à cassação do mandato da Dilma. Não me importo se o Chico é ou não petista, lulista, dilmista, peessedebista, anarquista, ou o que quer que seja. Sei que ele tem o direito de fazer suas opções políticas e externar suas convicções quando e se quiser - assim como tenho eu, assim como temos cada um de nós.

     Mesmo sabendo que toda manifestação é gesto político, para mim o Chico tem seu lugar de honra assegurado dentre as nossas mais notáveis celebridades. Independente de opção política eu gosto de ler o que ele escreve e de ouvir o que ele diz. Concordo algumas vezes e discordo em outras com seus posicionamentos. E sigo cantando as músicas que ele compôs e que foram determinantes na minha formação - e na formação de muita gente.

     Ontem, ao sair do Senado, um batalhão de repórteres fez de tudo para arrancar dele declarações políticas bombásticas, palavras de ordem, críticas, elogios, qualquer coisa. Eu também queria ouvi-lo. Mas minha vontade era que ele declarasse, simplesmente, que acredita que precisamos ser livres para podermos fazer nossas próprias escolhas. E que todos nós temos obrigação de sermos felizes. Que, por fim, ao pedirem maiores explicações, que ele concluísse dizendo que está gravando um novo disco, para o qual já selecionou dezenas de composições inéditas. E que está ficando ótimo!

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O LEGADO DOS JOGOS OLÍMPICOS "RIO 2016"


(CLIQUE NA SETA PARA ASSISTIR)
(Abertura dos Jogos Olímpicos - Rio 2016)
(https://www.youtube.com/watch?v=j6SFYHEd2u0)


"Nenhum vento sopra a favor
de quem não sabe para onde ir"
(Sêneca)


     Durante os meses que antecederam os Jogos Olímpicos no Rio eu só conseguia ver com maus olhos a decisão de sua realização aqui no Brasil. Mas também, convenhamos. Sendo bombardeado por tanta notícia ruim, não era para menos. Estávamos recebendo um tsunami de pessimismo gerado por problemas políticos e econômicos, e por uma crise de autoestima. Era voz geral que o Brasil não tinha condição de garantir segurança para as delegações estrangeiras; que as obras não ficariam prontas; que o mosquito da Aedes aegypti iria fazer muito estrago; que, enfim, seria uma vergonha equiparável aos 7 a 1 que levamos da Alemanha na Copa - maior até!

     Mas aí veio a cerimônia de abertura que mexeu comigo, que me encheu de orgulho, que mudou meu estado de espírito, e que me fez ficar plantado em frente à televisão torcendo pelos atletas brasileiros.

     Rafaela Silva, Diego Hypólito, Thiago Braz, Isaquías Queiroz, Robson Conceição, mais pela perseverança e determinação do que por apoio recebido, foram muito além do que qualquer um poderia imaginar. E vieram ainda medalhas nas velas, a coroação do país com o futebol, e o arremate certeiro com o ouro no vôlei. No total sete medalhas de ouro, seis de prata, seis de bronze.

Rafaela Silva
(http://blogs.oglobo.globo.com/radar-olimpico/post/spotify-cria-playlist-em-homenagem-ao-ouro-do-brasil-conquistado-por-rafaela-silva.html)

     No final, a cerimônia de encerramento foi uma obra de arte: embelezou e emocionou tanto quanto a de abertura.

     Com tudo isso, como é que eu ainda poderia ficar reclamando e desconfiando da capacidade do povo do meu país? Que coisa mais chata e destrutiva!

     - "Xô!"

     Pensei melhor e conclui que precisava parar de ser ranzinza: aplaudi a "Rio 2016" como qualquer brasileiro que, saudoso da pátria, em qualquer lugar do planeta, aplaudiria o hasteamento da bandeira nacional.

     A despeito de todos os problemas que o Brasil vem enfrentando, a despeito de todo dinheiro diretamente empregado na organização das Olimpíadas, tudo valeu à pena. O legado da "Rio 2016" vai muito além de uma contabilização financeira.

     Precisamos investir em saúde e educação. Sim, as instalações olímpicas serão transformadas em centros esportivos e escolas! Precisamos também de exemplos e estímulos para podermos sentir que somos capazes de evoluir. A prática de esportes, sem dúvida, é saúde e educação.

     O resultado das Olimpíadas no Rio não pode ser medido exclusivamente por valores econômicos. Os jogos olímpicos foram aquelas sementinhas plantadas por cada um dos atletas que dela participou. Continuamos construindo um país, e em relação a isso o esporte tem papel fundamental. Os ganhos são outros, são de valores que, tal como as sementinhas, requerem tempo para se tornarem árvores frondosas. Tempo suficiente para fazer aflorar a disciplina, a força de vontade e a confiança para vencer e superar adversidades.

     Os exemplo da capacidade das Comissões Organizadoras da "Rio 2016" e da determinação de nossos atletas servem de inspiração para a formação de uma nova cultura: uma cultura de gente determinada que luta para vencer. O Brasil pode; o esporte pode; em especial nossos jovens podem (e devem!) passar por cima de todo e qualquer discurso retrógrado, pessimista e derrotista que, ao longo dos anos, vem fazendo o Brasil empacar na subida - feito burro de carga.


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR E CONTINUAR LENDO)
(Gonzaguinha - "E vamos à luta)

     Deixemos, pois, que os órgãos competentes cumpram suas funções institucionais, investiguem o que tiver que ser investigado e exijam satisfações de quem tiver que dá-las. Quanto a mim, só tenho que jogar a minha ranzinzice de lado, seguir o exemplo dos jovens que se comunicam, que vão à luta, que querem vencer, que propõem uma outra realidade. Que, de tênis, short e camiseta, conseguem se educar pelo esporte e rir na cara dos derrotistas embolorados.

("tudo o que se pretende requer esforço" - foto: arq. pessoal)

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

VIAGENS DE TREM


(CLIQUE PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)

(Toots Thielemans, dele, "Old friend")




"Lá vai o trem com o menino
lá vai a vida a rodar"
(Ferreira Gullar)



     - Olha o trem! gritava o meu tio, da porta de sua loja. 

     Mesmo que não houvesse, das janelas do trem, alguém que se atentasse para isso, dos degraus da escada que dava acesso à sua casa, minha avó, sorrindo, acenava em direção aos vagões.




("O trem obstruindo o trânsito na Rua Dep. João de Faria, em Guará/SP". Postada no facebook por Ademir Segundo)


     E eu, menino,...

... ficava calado na calçada, ao lado dela,
olhando a passagem do trem encher de vida o ritmo monótono da cidade. 
Sem saber onde queria chegar,
por lugares distantes viajava,
longe, muito longe de minha casa,
sobre trilhos de aço laminado,
enfrentando tempestades, matas, rios e montanhas, 
impaciente com a morosidade do tempo...

...do tempo que fez de mim o que hoje sou,
sem que eu pudesse me dar conta de sua passagem.


(Estação Mogiana - Guará, SP, 1974 - foto postada no facebook por Luiz Carlos Eufrosino)

quinta-feira, 28 de julho de 2016

AZUL PROVINCIANO ("AY, ESTE AZUL")



("A cyclist on the beach" - França, Nord-Pas-de-Calais - postada no facebook por Lincoln Franco - fonte: https://500px.com/photo/135174331/the-cyclist-by-winterlight-photography )



"A Terra é azul"
(Yuri Gagarin)


     Meu Deus... Que música! Que interpretação! Música e interpretação desesperadoramente lindas! Lindas e tristes ao mesmo tempo.

     De onde veio tanta inspiração?


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
https://www.youtube.com/watch?v=TZUVSb4gF8I
(Mercedes Sosa - "Azul Provinciano", de Pancho Cabral)


     Ao ouvir "Azul Provinciano", na interpretação da Mercedes Sosa, tenho vontade de conseguir me alojar na mente do autor.

     Não, não na mente. Pois "mente" implica em raciocínio, em elaboração que produz resultado. Não, não me serviria o racional. Meu anseio seria a detecção do instinto, do estágio primitivo, natural e irracional. Seria necessário adentrar na alma do autor. Na alma, onde, originariamente, os sentimentos e as sensações fluem sem elaboração. Somente instalado em sua alma eu poderia descobrir onde ele se encontrava e o que sentia quando a compôs. Queria poder sentir o mesmo... 

     Procuro compreender o estímulo interior que o levou a compô-la. Para onde olhava? O que enxergava?

     Estava acompanhado? Não, não creio que houvesse alguém ao seu lado. As atenções não poderiam estar divididas.

     Estava triste? Não, não poderia estar. O azul ao seu redor não permitiria isso...

     Estava inteiramente feliz? Também não creio que estivesse. O azul natural inspira beleza. E o belo, se verdadeiramente belo, faz doer. A felicidade não é dotada de exclusividade.

     Ele olhava para o azul, para o encontro do céu com a Terra. Via andorinhas, ouvia sinos, vidalas de adeus.

     E nesse estado, estava tomado de luz e de humanidade.

     Certamente estava só! Só e iluminado!

     Pois estando assim, iluminado, o homem se engrandece, ascende ao infinito e embeleza o universo - como ocorreu com Pancho Cabral ao compor "Azul Provinciano".    


Azul Provinciano (Ay Este Azul)
(Pancho Cabral)

Ay, este azul
Que les quiero contar como fue
Por momentos se queda en mi piel
Ilustrándome el paisaje aquel.

Ay, este azul
Golondrina que vuelve otra vez
Musicando mi zaguán de ayer
A esperarme de barco en la sed.

Ay, este azul
Provinciano se quiebra en mi voz
Como antigua vidala en adiós
Como un breve puñado de sol.

Ay, este azul
Ay, este azul

Ay, este azul
Que ha llegado a iniciarme en la luz
Con campanas de asombro tal vez
Habitando lo que nunca fue.

Ay, este azul, este azul
Es un verde también
Resolana brillando en el pez
Con un silbo enredado en la piel.

Ay, este azul
Solo quiere quedarse en mi voz
Como un duende mojándome
Y en vez
Este azul es un niño tal vez
Azul Provinciano (Ai Este Azul)


Ai, este azul
Eu quero lhes contar como foi
Por momentos fica na minha pele
Ilustrando aquela paisagem.

Ai, este azul
Andorinhas que voltam outra vez
musicando meu corredor ontem
a me esperar no barco na sede.

Ai, este azul
Provinciano se quebra na minha voz
Como antiga "vidala" no adeus
Como um breve punhado de sol.

Ai, este azul
Ai, este azul

Ai, este azul
Que há chegado a introduzir-me na luz
Com sinos de assombro talvez
habitando o que eu nunca fui

Ai, este azul
é um verde também
"Rosolana" brilhando no peixe
Com um apito amaranhado na pele.

Ai, este azul
só quer ficar com minha voz
como um duende molhandome
e em vez
Este azul é um menino talvez