sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

UMA HISTÓRIA DE AVÓS E DE PLANTAS


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Duo Tercina - "Rosa" (Pixinguinha)


     Minha avó gostava de plantas. Logo na entrada de sua casa, em um canteiro que havia ao lado dos degraus que davam acesso ao alpendre, ela cultivava espadas-de-são-jorge.

     Subindo os degraus, duas samambaias enormes ornamentavam o alpendre: uma delas no seu canto superior direito; a outra, suspensa ao lado de uma imagem de Santa Rita de Cássia moldada em gesso, que passava as noites iluminada pela fragilidade de um foco de luz.

     No quintal, plantas de diversas espécies se espalhavam: orquídeas, antúrios e lírios, bem como manjericão, hortelã, e muitas hortaliças que serviam de tempero para os pratos da culinária libanesa que ela tão bem preparava.

     Na família, entre primos, tios e tias, todos afirmavam que eu era o neto predileto. E eu, de verdade, me sentia daquela forma.



"Minha avó, comigo" - Foto: arq. de família (06/08/1967)


     Quando o mais velho de seus filhos se foi, as plantas da casa de minha avó ficaram esquecidas... O quintal, o alpendre, a sala, os quartos, tudo se entristeceu.

     Mas como nem mesmo a tristeza consegue ser eterna, um dia levei à casa de minha avó, pela primeira vez, para apresentar a ela, minha então namorada. De olhos atentos para aquelas plantas esquecidas, minha namorada foi ao quintal, instintivamente, e deu a elas um pouco de atenção e carinho... carinho suficiente não só para que as plantas, tempos depois, readquirissem vida e beleza, mas também para que a minha avó recuperasse um pouco de sua alegria de viver.

     De uma daquelas plantas renascidas no quintal, um dia minha avó colheu uma muda com a qual presenteou minha irmã. Minha irmã, por sua vez, a plantou no jardim de sua casa... e ela floresceu. 

     No último final de semana, chamou-me a atenção um vasinho com ramos e flores se estendendo pela tela de proteção da sacada do apartamento onde moro. 

Foto: arq. pessoal (10/2019)

     Procurando por informações a respeito da procedência daquela planta, vim a saber que seu broto havia sido colhido no canteiro do jardim da casa de minha irmã; que, assim como minha avó a havia presenteado há mais de 30 anos, minha irmã também presenteara minha esposa (a antiga namorada), com uma muda daquela mesma planta.


Foto: arq. pessoal (10/2019)

     Nunca dediquei tempo suficiente para refletir a respeito das sensações que ultrapassam os sentidos. No entanto, sempre acreditei que uma presença pode ser sentida por outros meios, que não somente os sensoriais. Um objeto, uma palavra, os versos de uma poesia, ou uma planta que desabrocha em um jardim, podem trazer pessoas queridas à nossa presença: aquela planta, em minha casa, é a minha avó olhando por mim.


"A minha avó" - Foto: arq. pessoal (1975)
  

domingo, 1 de dezembro de 2019

HOTEL BRASIL



       Ei-lo ali, na região do Cone Sul, a Oeste da Avenida Atlântica.

Hotel Brasil - Ribeirão Preto, SP
Foto: arq. pessoal (abr/2019)


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João Gilberto - "Canta Brasil" - (Alcyr Pires/David Nasser)

     Integrante da rede de hotéis Mercosul, e com apenas uma administração central, o Hotel Brasil dispõe de 26 quartos, em 5.570 metros quadrados, para receber hóspedes. Dizem que, dele, o que se tem é uma visão do paraíso. Mas eu continuo acreditando que ele nasceu sendo, e pode voltar a ser, o próprio paraíso. De suas janelas são vistas, ainda, enormes palmeiras imperiais, nas quais sabiás fazem seus ninhos. Em outros tempos, representava a certeza de um futuro promissor. Nele já se instalaram hóspedes conhecidos, com perfis bastante diferentes: Dom Pedro II, Artur Bernardes, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart, General Médici, Fernando Collor, FHC, Lula, além de muitos outros Pedros, Marias e Joões. Com o passar dos anos, ele foi perdendo sua imponência e suas riquezas.

     Muitos dos que por ele passaram, conseguiram arruinar suas instalações: de início levavam pequenos cinzeiros, copos com sua logomarca, aparadores; depois passaram a retirar de seus quartos torneiras, fechaduras, artigos de metal... Na sequência, levaram até peças do seu mobiliário. Há pouco começaram a falar dele por intermédio de discursos carregados de ódio, como que buscando fabricar consciências enlatadas desprovidas de qualquer juízo crítico. Ultimamente, além do oxigênio que dentro dele circula, andam levando a lembrança dos ideais que desenharam suas fronteiras e coloriram seus espaços internos...

     Passo os olhos por ele e pelos vãos de suas janelas entreabertas. Ele continua habitado. Mas, ao invés de obreiros verdadeiramente comprometidas com sua reconstrução, observo ali dentro fantasmas de estranha natureza: gerentes indecorosos, pregadores fanáticos, celebridades intolerantes e falsos moralistas travestidos de profetas.


Hotel Brasil - detalhe
Foto: arq. pessoal


     O Hotel Brasil continua de pé, em tijolos sem reboque, sem cor, sem oxigênio respirável, sofrendo as mesmas agruras de que foram vítimas alguns de seus hóspedes idealistas que dele foram expulsos.

     Mas nem tudo é eterno. O imponente Hotel Brasil ainda há de recuperar suas forças para poder cumprir os seus desígnios. Ele ainda há de se reerguer e fazer com que os hóspedes indiferentes às sinalizações da história, que trafegam pela esquerda ou pela direita, envergonhados, se afastem espontaneamente de suas instalações. Por si só, e pela sua grandeza histórica, ele ainda há de promover a abertura de olhos dos carentes de juízo crítico, dos fantasmas intelectualmente miseráveis, dos usurpadores de reboque, de liberdades, de tijolos, de matas, de fiação, de azulejos, de telhas, de mentes, e - especialmente - dos destruidores dos seus encantos...

     Brasil, ainda assim, como posso não dourar os seus brasões?

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O FILME DA MINHA VIDA


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"O filme da minha vida" - (trailer)
filme dir. por Selton Mello


Nada pode descrever a emoção que senti...

quando caminhei sozinho pela primeira vez,
quando fui à escola para começar a estudar,
quando me equilibrei em uma bicicleta, sem a ajuda do meu pai,
quando li uma palavra, sem o auxílio de um professor;

quando, acanhado, ganhei o primeiro beijo de amor,
quando, desencanado, embebedei-me com champagne,
quando, vitorioso, recebi a notícia de que havia passado no vestibular,
quando, habilidoso, dirigi um carro pela primeira vez;

quando, inseguro, enviei uma carta pedindo um estágio,
quando, orgulhoso, ouvi um elogio pelo meu primeiro trabalho,
quando, envaidecido, vi um texto meu publicado na Universidade,
quando, esperançoso, me inscrevi para estudar na França...

... quando, tremendo de emoção e de frio,
fotografei a Torre Eiffel.


"Quando fotografei a Torre Eiffel pela primeira vez"
Foto: Gabriel - jan/2015

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

MEU NOVO FADO



     A singrar teias do destino, desato as amarras das minhas caravelas. Velejo em direção ao horizonte, além de onde outros ventos sopram novos ares.


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Mariza - "Há uma música do povo"


     Não fossem bravura e coragem, não teria sido ampliado o Velho Mundo. A inquietação lusitana, depois de vencer indescritíveis tormentas, desembarcou no paraíso para transformar em civilizado o que era puro.

     Mas aqui dentro do peito, meu coração permanece ancorado em portos seguros. Ainda assim, conduzindo a mesma saudade e os mesmos sonhos dos que, um dia, do lado de lá, acenavam seus lenços de despedida para os que partiam para cá, enfrento minhas próprias tormentas e vou além-mar: retomo palavras que ilustram os meus anseios, e solto a voz a entoar meu novo fado...

Há uma música do povo
(Poema de Fernando Pessoa, musicado por Mário Pacheco)

Há uma música do povo,
Nem sei dizer se é um fado —
Que ouvindo-a há um chiste novo
No ser que tenho guardado...
Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser...
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver...
E ouço-a embalado e sozinho...
É essa mesma que eu quis...
Perdi a fé e o caminho...
Quem não fui é que é feliz.
Mas é tão consoladora
A vaga e triste canção...
Que a minha alma já não chora
Nem eu tenho coração...
Sou uma emoção estrangeira,
Um erro de sonho ido...
Canto de qualquer maneira
E acabo com um sentido!

terça-feira, 13 de agosto de 2019

JERUSALÉM


Vitral - Igreja Anglicana - Jerusalém
Foto (detalhe): Flávia M P Ferriani, no Facebook


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Inch'Allah - Adamo

Jerusalém...

...uma inserção na história, nas crenças, nos valores...

...a exposição da luta universal pela sobrevivência traduzida por becos, ruelas, penduricalhos amontoados em lojas, imagens brilhantes em vitrines...

Com trêmulas inscrições nas paredes, e pacificada nos stands comerciais, a cidade se compõe e se mostra...

Montado nos belos vitrais dos grandes templos, o ideal de bondade e solidariedade propõe um caminho... 

Os homens ali, pasmos,
minúsculos diante do que se lhes apresenta,
gigantes dentro de si, 
por sobre as pedras de Jerusalém
testemunham
o milagroso desabrochar de uma papoula.

Velha Jerusalém - Foto: Flávia M P Ferriani


Inch'llah
Salvatore Adamo

J'ai vu l'Orient dans son écrin
Avec la lune pour bannière
Et je comptais en un quatrain
Chanter au monde sa lumière

Mais quand j'ai vu Jérusalem
Coquelicot sur un rocher
J'ai entendu un requiem
Quand sur lui je me suis penché

Ne vois-tu pas humble chapelle
Toi qui murmure "Paix sur la terre"
Que les oiseaux cachent de leurs ailes
Ces lettres de feu: "Danger frontière"

Le chemin mène à la fontaine
Tu voudrais bien remplir ton seau
Arrêtes-toi Marie-Madeleine
Pour eux ton corps ne vaut pas l'eau

Inch'Allah, inch'Allah
Inch'Allah, inch'Allah

Et l'olivier pleure son ombre
Sa tendre épouse son amie
Qui repose sur les décombres
Prisonnière en terre ennemie

Sur une épine de barbelé
Le papillon guète la rose
Les gens sont si écervelés
Qu'ils me répudieront si j'ose

Dieu de l'enfer ou Dieu du ciel
Toi qui te trouve où bon te semble
Sur cette terre d'Israël
Il y a des enfants qui tremblent

Inch'Allah, inch'Allah
Inch'Allah, inch'Allah

Les femmes tombent sous l'orage
Demain le sang sera versé
La route est faite de courage
Une femme pour un pavé

Mais oui j'ai vu Jérusalem
Coquelicot sur un rocher
J'entends toujours ce requiem
Lorsque sur lui je suis penché

Requiem pour six millions d'âmes
Qui n'ont pas leur mausolée de marbre
Et qui malgré le sable infâme
Ont fait pousser six millions d'arbres

Inch'Allah, inch'Allah
Inch'Allah, inch'Allah

Inch'llah (Se Deus quiser)
Salvatore Adamo

Eu vi o Oriente, em sua realidade
Com a lua por bandeira
E eu, em uma quadra, quis
Cantar ao mundo a sua luz

Mas quando eu vi Jerusalém
Papoula sobre um rochedo
Eu ouvi um réquiem
Quando sobre ele eu me postei

Você não vê capela mais humilde
Você que sussurra "Paz na Terra"
Que os pássaros se escondam de suas asas
Essas letras de fogo: "Perigo fronteira"

O caminho leva à fonte
Você quer abastecer o seu balde.
Pare com isso Maria Madalena
Para eles seu corpo não vale a água

Inchallah, inch'Allah
Inchallah, inch'Allah

E a oliveira chora sua sombra
Sua terna esposa, sua amiga
Que descansa sobre os escombros
Prisioneira em território inimigo

Em uma coluna de [arame] farpado
A borboleta batalha contra a rosa
As pessoas são tão estúpidas
Que elas me ignoram se eu arrisco

Deus do Inferno ou do Deus do céu
Você que se encontra onde bem quer
Nesta terra de Israel
Há crianças que tremem

Inshallah, inch'Allah
Inshallah, inch'Allah

As mulheres caem com a tempestade
Amanhã, o sangue será derramado
A estrada é feita de coragem
Uma mulher por andar

Mas sim, eu vi Jerusalém
Papoula sobre um rochedo
eu sempre ouço esse réquiem
Quando sobre ele eu me posto

Requiem por seis milhões de almas
Que não tem seus mausoléus de mármore
E que, apesar da areia atroz,
fez crescer seis milhões de árvores

Inchallah, inch'Allah
Inchallah, inch'Allah



quinta-feira, 25 de julho de 2019

A BOLSA DA RAINHA


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Rainha Elizabeth recebe novo premiê Boris Johnson no Palácio Buckingham


     Enquanto debatemos aqui as aventuras do nosso governo, no Reino Unido a discussão é outra: como alinhavar um acordo para que o BREXIT* seja concluído? como deixar a União Europeia (UE) de forma menos traumática?

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"God save the Queen" - o hino do Reino Unido

     Por não ter conseguido concluir as negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia, Theresa May renunciou ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido. Para ocupar o seu lugar, o  ex-prefeito de Londres e ex-ministro de Relações Exteriores do Reino Unido, Boris Johnson, foi escolhido.

     Boris Johnson assumiu, de fato, uma tarefa dificílima. E, conforme já pronunciou, caso o Reino Unido não consiga chegar a um consenso com a UE até o prazo limite (31/outubro), a saída do Bloco ocorrerá mesmo sem acordo.

     Ainda ontem, no Palácio de Buckingham, em audiência privada e de forma simbólica, a Rainha Elizabeth II entregou a Boris Johnson o cargo para o qual ele foi designado.

     Eu aqui, matutando com meus botões, percebo nesse novo premiê um perfil impulsivo: tem pinta de latino! Aquele "cabelão" amarelo, desarranjado sobre sua cabeça, não combina com o cargo que agora ocupa... Acho até que, na intimidade, nas noites de balada, seus cabelos amarelos são tingidos de preto; que, bem ajeitados com um perfumoso e brilhante creme, são penteados geometricamente - à la Gardel**.

     Deixando o Boris de lado, percebi que a Rainha, ao "entregar" o cargo ao novo premiê, trazia uma bolsa dependurada em seu braço. E, agora, essa questão da bolsa passou a me incomodar: o que será que estava guardado nela? uma lixa de unhas? um estojo de maquiagem? um lencinho bordado? alguns bombons? ou o esboço de um plano estratégico, definitivo e inarredável, para o BREXIT? Sei lá. O conteúdo da bolsa da Rainha é questão de Estado! Mas que fiquei curioso, não tenho como negar.

__________________________________ 
*BREXIT - abreviação de "British Exit", uma expressão inglesa que significa “Saída Britânica”, referindo-se à decisão sobre a saída do Reino Unido do bloco econômico europeu.
** Carlos Gardel - o mais famoso cantor de tango da história.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

EU JÁ NÃO SEI


Terra Estrangeira : Foto Daniela Thomas, Fernanda Torres, Fernando Alves Pinto, Walter Salles
Cartaz do filme luso-brasileiro "Terra Estrangeira" (Dir. Walter Salles, 1996)
Foto: Fernanda Thomas; Fernanda Torres, Fernando Alves Pinto



     Apago a luz do dia, embarco em uma caravela de amores, e navego por um mar de poesia ...



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Roberta Sá, António Zambujo, Yamandú Costa 
"Eu já não sei"
https://www.youtube.com/watch?v=kTSrLrw6gWQ 


EU JÁ NÃO SEI
(Domingos Gonçalves Costa e Carlos Rocha)

Eu já não sei
Se fiz bem ou se fiz mal
Em pôr um ponto final
Na minha paixão ardente

Eu já não sei
Porque quem sofre de amor
A cantar sofre melhor
As mágoas que o peito sente

Quando te vejo e em sonhos sigo os teus passos
Sinto o desejo de me lançar nos teus braços
Tenho vontade de te dizer frente a frente
Quanta saudade há do teu amor ausente
Num louco anseio, lembrando o que já chorei
Se te amo ou se te odeio
Eu já não sei

Eu já não sei
Sorrir como então sorria
Quando em lindos sonhos via
A tua adorada imagem

Eu já não sei
Se deva ou não deva querer-te
Pois quero às vezes esquecer-te
Quero, mas não tenho coragem

Quando te vejo e em sonhos sigo os teus passos
Sinto o desejo de me lançar nos teus braços
Tenho vontade de te dizer frente a frente
Quanta saudade há do teu amor ausente
Num louco anseio, lembrando o que já chorei
Se te amo ou se te odeio
Eu já não sei

Num louco anseio, lembrando o que já chorei
Se te amo ou se te odeio
Eu já não sei


     Independente de ser de alegria ou de dor o sentimento que esse antigo fado me traz, fico comovido com a capacidade humana de expressar o belo...

     "Eu já não sei", de tão bonita, confirma o adágio: "Não se tem um coração impunemente!"

     Entonces, meu raro leitor, humildemente vos peço: - bring me my guitar, apague le soleil... dame una botella de vino: hoy me emborracho... de música e poesia..." 


quarta-feira, 22 de maio de 2019

QUERO IR PRA ROÇA*


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Oblivion (Astor Piazolla) - Lioren Cello Guitar Duo

Tomado pela sensação de inutilidade,
de indisciplina,
de lentidão,
e de incômodo com as canseiras dessa vida,
quero ir pra roça!  

Da cama,
levantar a hora que Deus quiser,
ouvir silêncio,
olhar pra longe,
andar sem rumo.


Foto em: http://www.pedaladas.com.br/apeei-da-minha-bicicleta-num-ranchinho-a-beira-chao/8/

À tarde,
respirar cheiro de mato,
acompanhar o voo de pássaros,
decifrar o segredo das árvores,
ler as horas pelo sol.


"Até adormecer" - Foto: Ferreira (maio/19)


À noite,
à luz inconstante de pirilampos,
ouvir o coaxar de sapos 
 e o canto de cigarras.


Fonte: http://dapazpicui.blogspot.com/2015/08/lamparina-maria-da-paz.html

De madrugada,
iluminado pela chama de uma lamparina,
dançar com as sombras,
rir e brincar com fantasmas,
até me entregar...

...até me cansar de mim...
até adormecer...

___________________________________
*Inspirado no Ferreira, meu cunhado

quinta-feira, 25 de abril de 2019

STARMAN - A MENSAGEM DE MAJOR TOM


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"Starman" - David Bowie
https://www.youtube.com/watch?v=Bs8znsm-tUE 


     Em uma madrugada não muito distante, acordei com a sensação de que aquele astronauta norte-americano desaparecido no espaço (Major Tom) estava de volta à Terra. Lembrei-me de que sua missão havia falhado, de que os jornais, após a tragédia, criticaram muito os países do primeiro mundo pelo desperdício do dinheiro empregado em projetos absurdos.

     Depois de ter entrado no espaço sideral, depois de ter saído da cápsula de sua nave, depois de ter informado que havia visto as estrelas sob um outro ângulo, depois de ter confirmado a constatação de Gagarin de que a terra é azul, suas conexões com a torre de comando foram perdidas - e o astronauta solitário ficou flutuando no espaço... flutuando... flutuando... e não retornou à Terra.

     Muitas décadas se passaram. Aquela missão malsucedida tornou-se apenas um número frio anotado em um quadro de estatísticas.

     Naquela madrugada, pelas ondas de rádio, as transmissões foram subitamente interrompidas. A voz distante de alguém que se identificava por Major Tom, tomando todas as estações em ondas curtas, médias e FM, dizia que tinha muita vontade de contar ao mundo o que havia descoberto. Ele dizia que estava feliz, que a esperança no bem da humanidade ainda não havia deixado de existir. Dizia que continuava tentando estabelecer contato com a Terra, que pensava em relatar sua experiência cósmica, mas que temia ser ridicularizado pela propagação da simplicidade das descobertas que havia feito.

     Por alguns instantes eu ouvi aquela voz dizer, em um Inglês bastante compassado e compreensível, que o homem nasceu para ser livre e fazer suas próprias descobertas; que as escolhas feitas, se advindas de interferências externas, não fazem do homem um ser amadurecido e realizado; que as verdades não são únicas; que o planeta Terra sempre esteve destinado a ser habitado por seres de bom coração que desconhecem palavras de ódio e que se harmonizam uns com os outros, assim como o planeta Terra se harmoniza com todo o universo.

     Logo após ter ouvido aquela mensagem revestida de pureza e simplicidade, percebi que as estações de rádio deixaram de transmitir seus programas habituais. Ainda sem entender o significado do que ocorrera, levantei-me da cama e fui até a janela. Lá fora, na escuridão, a cidade dormia seu sono reparador. Nenhuma luz iluminava as ruas ou as calçadas; nos imóveis, nenhum despertar; nenhum movimento, nenhum veículo; nenhum barulho... Lá longe, a lua... No céu, bem pertinho do horizonte, dentre muitas, uma estrela em movimento fez uma alegoria para, em seguida, desaparecer...





     Depois, pensando na harmonia do universo, voltei a me deitar e adormecer... até que a claridade de um novo dia me despertou. E eu me levantei cheio de fé e esperança, querendo crer que, na cidade, entre as pessoas, uma grande transformação havia se processado...
       

Starman (David Bowie)

Didn't know what time it was,
The lights were low
I leaned back on my radio
Some cat was layin' down
Some rock 'n' roll 'lotta soul, he said
Then the loud sound did seem to fade
Came back like a slow voice on a wave of phase
That weren't no D.J. that was hazy cosmic jive

There's a starman waiting in the sky
He'd like to come and meet us
But he thinks he'd blow our minds
There's a starman waiting in the sky
He's told us not to blow it
Cause he knows it's all worthwhile

He told me:
Let the children lose it
Let the children use it
Let all the children boogie

I had to phone someone so I picked on you
Hey, that's far out so you heard him too!
Switch on the Tv we may pick him up on channel two
Look out your window I can see his light
If we can sparkle he may land tonight
Don't tell your poppa or he'll get us locked up
In fright

There's a starman waiting in the sky
He'd like to come and meet us
But he thinks he'd blow our minds
There's a starman waiting in the sky
He's told us not to blow it
Cause he knows it's all worthwhile

He told me:
Let the children lose it
Let the children use it
Let all the children boogie

Homem das estrelas

Não sei que horas eram
As luzes estavam baixas
Me voltei para o rádio
Um gato estava deitado
Um rock n'roll com muito soul, dizia a música
Então o som alto parecia ir reduzindo
Voltou como uma voz baixa numa maré alta
Não era nenhum DJ, eram notícias cósmicas nebulosas

Há um homem estelar esperando no céu
Ele gostaria de vir e nos encontrar
Mas ele acha que iria confundir nossas idéias
Há um homem estelar esperando no céu
Ele nos disse para não confundir
Porque ele sabe que isso é valioso

Ele me disse
Deixe as crianças sossegadas
Deixe as crianças usarem a cabeça
Deixe as crianças se divertirem

Eu tinha que ligar para alguém então eu te liguei
Ei, isso foi para longe então você também o ouviu!
Ligue a TV nós podemos sintonizá-lo no canal dois
Olhe pela janela eu posso ver a luz dele
Se pudermos sinalizar talvez ele possa pousar hoje à noite
Não diga ao seu pai ou ele irá nos deixar de castigo
Espantados

Há um homem estelar esperando no céu
Ele gostaria de vir e nos encontrar
Mas ele acha que iria confundir nossas idéias
Há um homem estelar esperando no céu
Ele nos disse para não confundir
Porque ele sabe que isso é valioso

Ele me disse
Deixe as crianças sossegadas
Deixe as crianças usarem a cabeça
Deixe as crianças se divertirem