quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

INCOMODADO


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"A Televisão" - Chico Buarque
https://www.youtube.com/watch?v=PBkIp5WmO5I


     Tudo está muito bem arranjado. Tudo sempre esteve assim, bem arranjado. A qualquer momento posso erguer a cabeça, redirecionar o olhar e me harmonizar com o que me rodeia: as árvores, os jardins, os vizinhos, as casas, o movimento nas ruas, os cafés, as pessoas... Mas não devo me distanciar dos interesses e valores presentes. Para não me tornar retrógrado e ultrapassado devo permanecer de cabeça baixa, sem observar, sem notar, sem ter tempo para pensar, sem me atentar para o mundo ao meu redor... 

     - Não se tem mais paciência para atenções ao mundo ao redor...

     As distâncias foram vencidas... De cabeça baixa, o planeta encolheu, a vida encolheu, eu encolhi...

     Sigo olhando para baixo; limito o meu campo de visão a uma tela em forma de retângulo. Seis por doze; setenta e dois centímetros quadrados: essa é a área de captação da minha visão - limite de inspiração para minhas emoções.

     Sobre a superfície dessa tela o mundo gira em um deslizar de dedos; nela, o planeta dá voltas sem sabor, sem perfume, sem calor. Na esteira das forças que conduzem a sua dinâmica o planeta segue girando... passo eu, passamos nós: alma congelada, alma esvaziada, alma anestesiada; alma esmagada, alma virtual.


"Melancholy" (2012) - Albert Gyorgy
Fonte: https://www.jornalterral.com.br/mt/o-vazio-existencial

     - Facilitou!, admito. Aplaudo todas as facilidades. Também faço e preciso fazer uso de tudo o que a tecnologia proporciona.

     Ah... mas essa erosão promovida pela tecnologia, essa indiferença, essa ausência de sensibilidade em relação ao que está por trás da tela... essa necessidade de se ter, para ser, a própria imagem deslizando pelas redes sociais...

     - Isso incomoda!

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