quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

POR QUE SHAKESPEARE É CONSIDERADO UM GÊNIO? (E O QUE O MAURO TEM A VER COM ISSO?)


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Johann Pachelbel - Canon in D Major
London Symphony Orchestra


     O meu amigo Mauro presenteou-me com um livro: "William Shakespeare - the complete works" (as obras completas).


Capa do livro que ganhei - Foto: arq. pessoal

     Em língua inglesa, o livro, belíssimo, com 1274 páginas, foi publicado em 1988 pela Oxford University Press. Lá em casa, a minha esposa, que participa na qualidade de coordenadora de um grupo de estudos da obra de Shakespeare, ficou encantada. Ao ver o livro, eu e ela trocamos ideias e concordamos no entendimento de que traduções nem sempre alcançam o espírito do que foi escrito pelo autor. Sei que, em seu grupo, cada um dos membros participantes acompanha os estudos em edições diferentes dos livros, portanto, com tradutores e traduções diferentes. Não posso ser egoísta e manter o livro só para mim - que, aliás, pelo volume, tenho páginas e mais páginas a serem lidas pela vida inteira - e nem sei se darei conta. Sinto-me na obrigação de deixar que essa edição que ganhei crie asas, que seja utilizada também pela minha esposa (Denise) e seu grupo. Assim, poderão ler os trechos das obras de Shakespeare traduzidas e, em seguida, coroar o entendimento que poderão ter consultando o texto na língua do autor. Fiquei contente em pensar no enriquecimento que a obra pode levar para o grupo. Mas fiquei curioso em descobrir os motivos que levam tanta gente, até hoje, a querer ler as obras de Shakespeare, quando há tantos outros autores modernos, mesmo antigos, a serem lidos. O enredo das tragédias do Shakespeare me parecem tão simples, tão juvenis...

     Por isso é que eu, aprendiz de tudo, fico me perguntando: "Por que será que o Shakespeare é considerado um gênio?"


Willliam Shakespeare ("Retrato de Chandos") 
Atribuída a artista inglês - séc. XVII - https://pt.wikipedia.org/wiki/William_Shakespeare

     Bem, em uma pesquisa rápida, li que o destaque da obra de Shakespeare não está tanto no enredo, mas, especialmente, na exposição que ele faz dos sentimentos contidos na alma do homem.

     Parece difícil, não é? Mas... calma, vou tentar me expressar melhor. Imagine que o homem da segunda metade do século XVI até os primeiros anos do século XVII, época em que Shakespeare viveu, levava uma vida com olhos voltados apenas para fora de si mesmo: a vida se resumia em nascer, passar os dias, e morrer. Ele acreditava que seu destino dependia apenas da vontade de entes superiores que regiam o universo. Shakespeare levou o homem ao palco e mostrou que ele mesmo poderia escolher seu destino: "Ser ou não ser?", ou seja, "o que fazer de minha própria vida?", é uma das indagações que ele mostra que podemos fazer. Com elas, expondo as tormentas da alma, Shakespeare inspira o homem a buscar, pela reflexão, um sentido para a sua existência, podendo assim se conhecer melhor e fazer a escolha de seus  próprios caminhos.

     Shakespeare, em suas obras, representa a natureza humana em sua variedade: em "Hamlet" está a traição, a cobiça, o desejo de vingança, o questionamento a respeito do valor da vida e o que fazer dela; em "Romeu e Julieta", as rixas, as rivalidades, o amor e a paixão; em "Otelo", o ciúme, a vingança; em "Rei Lear", a transitoriedade do poder; em "Macbeth", a ambição, a sede pelo poder...

     Pensando na evolução do homem ao longo do tempo, de simples folha solta ao assopro dos ventos para condutor de seu próprio destino, pelo conhecimento de si mesmo, agradeço ao Mauro pelo presente que me deu, inspirando-me a querer ir um pouco mais adiante na tentativa de me conhecer melhor por meio da leitura e da reflexão a respeito das obras de Shakespeare... E, ainda, agradeço ao Mauro por me fazer ter vontade de bisbilhotar com maior intensidade, em diálogos domésticos, os estudos e as descobertas que a minha mulher e seu grupo andam fazendo.


Meu amigo e Companheiro, Mauro Porto
Foto: Rotary Club de Ribeirão Preto - Oeste
  

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

CÂMARA MUNICIPAL DE GUARÁ, SP: 17 DE JANEIRO DE 2020



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Pauline Malbaux (oboe ); Marc Benzekri (violin) French Chamber Orchestra (Paris) Horst Sohm (Conductor/Leitung) Johann Sebastian Bach: Concerto for Oboe and Violin in D Major (BWV 1060)



(Na última sexta-feira, dia 17 de janeiro, foi realizada uma cerimônia na Câmara Municipal de Guará: as Sras. Denise L. R. Antônio e Sherri A. R. Cavasisni foram agraciadas com o título distintivo de "Cidadãs Honorárias de Guará". Na mesma cerimônia, o Sr. Sahid Elias Antônio e eu recebemos a "Medalha do Mérito Legislativo". Na oportunidade, com as seguintes palavras expressei meu contentamento e minha gratidão.)


Da esq. p/ direita: Presidente da Câmara, Vereadora Regina; Vereadora Bibi, com filho; Sr. Sahid Elias (sentado); Dra. Denise; Sra. Sherri; Elias; Vereadora Maria Amélia; Vereador Rafael
Foto: Câmara Municipal


Exma. Sra. Presidente da Câmara Municipal de Guará, Regina Coelho;
Senhores homenageados ocupantes da Mesa;
Senhores vereadores;
Senhoras e senhores;
Meus amigos e amigas:

          Fiquei muito surpreso com a notícia de que receberia esse título na noite de hoje. Nunca imaginei que a minha ligação afetiva com Guará pudesse levar a tanto. E o responsável, certamente, é o espírito generoso da vereadora Bibi. A vereadora Bibi, com sensatez e nobreza de gestos, consegue enxergar bondade e comprometimento com o Município em cada uma das pessoas que por ela passam. Foi a vereadora Bibi, portanto, quem inspirou os membros desta Casa a me verem merecedor desta distinção, que vai muito além do meu merecimento. Por tudo isso, Bibi, te agradeço: muito obrigado.

         Reconheço que nunca me distanciei de Guará. Não consigo me distanciar daqui. A cidade e os habitantes que conheci, e que conheço, foram e são responsáveis pela minha formação. Deram-me uma identidade. Sou parte de Guará, e Guará é parte de mim.

         Por isso, por onde quer que eu vá, eu me expresso com o aprendizado colhido aqui. E esse vínculo que tenho com a cidade me é tão caro, que procurei traduzi-lo no meu primeiro livro, exclusivamente dedicado a Guará, e que foi lançado no ano retrasado (inclusive aqui na Câmara).

         Na verdade, não somente eu, mas ninguém consegue se desvencilhar do local onde as próprias raízes estão fincadas. Se as vezes me sinto confuso, é a lembrança do quintal de minha casa, e a paz da rua onde nasci, aqui de Guará, que conseguem me acalmar; se as vezes me vejo triste e desesperançoso, é a imagem dos sorrisos amigos que recebo em Guará que me dão um novo alento; se as vezes levo um tropeção pelos caminhos da vida, são os exemplos de superação e as referências que tenho em Guará que fazem com que eu me recupere.

         Muitas vezes saio caminhando pela cidade simplesmente para rever as casas, as árvores e as esquinas com as quais desenvolvi uma grande cumplicidade. Pisar o mesmo solo por onde passaram tantas pessoas queridas, que ainda vivem em mim e comigo, é recuperar energias para poder seguir em frente. Por isso estou sempre por aqui.

         Todo ser humano precisa respeitar e se abastecer dos ensinamentos de sua ancestralidade. Aquele que deixa de lado a terra que o viu nascer, joga fora a sua identidade, o seu patrimônio cultural e afetivo, e segue os rumos do vazio.

         Assim, quero agradecer e louvar aos membros desta Casa. Vocês, após debates que celebram a necessária e construtiva divergência de ideias, com decisões nem um pouco fáceis, promovem a afirmação da identidade de um povo, e a construção de uma cidadania participativa.

Reconhecer e apresentar os méritos dos habitantes de uma comunidade é, também, uma função dos administradores públicos. O homem desenvolve sua autoestima quando se conhece, quando aprende a valorizar as referências que tem, e quando toma suas decisões auxiliado por elas.

         As histórias da cidade, dos guaraenses, das muitas decisões administrativas aqui tomadas, sempre passaram pela esquina da Deputado João de Faria com a antiga estrada de ferro Mogiana – mais precisamente pela loja de calçados do Sr. Milim. Sem nunca ter ocupado qualquer cargo público, seja por eleição ou nomeação, o Sr. Milim vive de amores pela cidade. Por intermédio dele, muitos jovens obtiveram bolsas de estudo para que pudessem se preparar para a vida; o desenho urbano da cidade tomou forma em decorrência de estudos propostos inclusive por ele; a arborização da cidade recebeu a intervenção do Sr. Milim e de seus irmãos, os quais deixaram seus nomes em duas das escolas aqui existentes. Além disso, nomes, personagens e fatos edificantes ocorridos em Guará foram levados à televisão, nas telenovelas “O Casarão”, da TV Globo, e “Cidadão Brasileiro”, da TV Record, em virtude dos vínculos de amizade do Sr. Milim com o celebrado escritor Lauro Cesar Muniz.

         O sr. Milim, sem dúvida, é um dos nossos grandes marcos referencias. Por tal motivo, a homenagem a ele prestada configura o justo reconhecimento que ele merece. Como guaraense, parabenizo mais uma vez a vereadora Bibi pela iniciativa. Você, Bibi, está contribuindo com a elevação da autoestima do guaraense, por proporcionar a exposição dos bons exemplos do Sr. Milim. Da mesma forma, além de parabenizar, e em nome de minha família, quero te agradecer pela distinção outorgada a este grande guaraense: o meu tio Milim.

Sr. Sahid Elias Antônio (Milim)
Foto: arq. pessoal

         Sou também testemunha de uma história de amor e de apego envolvendo a nossa cidade. Quem poderia dizer que uma jovem estudante, lá do frio e longínquo hemisfério Norte, que tivesse visitado Guará em meados dos anos 70, aqui retornasse todos os anos desde então? Isso seria algo inimaginável! Afinal, o que poderia fazer com que uma jovem norte-americana se autoproclamasse guaraense desde que aqui pisou? Não tenho dúvidas de que o afeto, o carinho, o calor humano do povo de Guará, e em especial, o acolhimento que lhe foi dado pela família Cavasini, foram os responsáveis por isso. Pois foi assim que se deu: em 1974 a Sherri veio a Guará, na qualidade de participante de um programa de intercâmbio do Rotary, criou laços afetivos, identificou amigos, e aqui quis viver. Sou testemunha. A Sherri, nos anos 80, viajou pela região como integrante do grupo musical os Mongóis, realizou trabalhos voluntários, buscou trabalho por aqui, simplesmente para poder estar perto de Guará. A Sherri, enfim, assimilou a cultura, os valores e os hábitos cotidianos de nossa cidade e de nosso povo. E mais: em sua casa, em Shelter Island, nos Estados Unidos, recebeu e hospedou muitos guaraenses. Esse seu apego à Guará, que já conta com mais de 46 anos, é algo digno de ser eternizado em nossa história. Serve, também, como uma grande referência para as futuras gerações. Eu aplaudo e parabenizo a vereadora Regina, proponente do projeto, por ter tomado a devida providência de fazer com que essa história seja para sempre lembrada.

Na qualidade de guaraense, te saúdo Sherri, minha querida amiga: você é, como sempre quis ser, guaraense.

Sherri A. R. Cavasini
Foto: Câmara Municipal de Guará

         Da mesma forma, a Denise. Começou a namorar um guaraense, passou a vir à cidade em finais de semana, conheceu os amigos de seu namorado, foi mineiramente se aproximando, se enfronhando nos valores da cidade, e quando o namorado abriu os olhos, ela já era tão querida pelos guaraenses quanto era por ele mesmo. Em meados dos anos 80, a Denise vinha a Guará todas as noites de sexta-feira, e aqui ficava à espera de seu namorado, que trabalhava até o início da tarde de sábado na antiga "Elekeiróz". Para aproveitar as manhãs de sábado, a Denise, então médica residente no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, dedicava seu tempo para atender, na Santa Casa, aqueles que necessitavam de cuidados médicos ligados à sua área de formação – a psiquiatria. E essa dedicação não se resumiu a isso: mesmo depois, a Denise abriu diversas portas para que muitos guaraenses pudessem ser atendidos e internados lá no HC. Por gestos assim é que a Dra. Denise é merecedora da distinção que hoje lhe é atribuída. Espero que seus gestos, Denise, totalmente despretensiosos e humanitários, sejam seguidos por todos aqueles que vierem a conhecer a sua história. Como guaraense, parabenizo e agradeço ao vereador Rafael e à vereadora Maria Amélia pela apresentação do projeto. Como marido e admirador de seu trabalho, digo a minha esposa: minha cidade, que agora também é sua, te recebe de braços abertos.

Dra. Denise L. R. Antônio
Foto: Câmara Municipal de Guará

         Na administração pública, os atos administrativos são praticados visando fins diversos. Alguns deles buscam aproximar e agradecer autoridades. São atos de gestão política, naturais à própria natureza da administração. Há outros atos, no entanto, que visam simplesmente apresentar aos administrados exemplos edificantes, que constroem uma identidade. Ambos são dotados da mesma nobreza, e precisam ser compreendidos.

         Lembro-me de ter lido, certa vez, que, dois brasileiros receberam, em uma mesma cerimônia, medalhas oferecidas pelo governo francês. Um deles era um funcionário do consulado brasileiro em Paris, que deveria receber a medalha como representante do governo brasileiro; e o outro era o Pelé, que iria receber a medalha em nome próprio. A outorga da medalha, ao representante do governo brasileiro, era um ato puramente político; a medalha entregue ao Pelé, era o reconhecimento de uma distinção pessoal.

As medalhas oferecidas na noite de hoje são exemplos de premiação pelos exemplos pessoais, dignificantes e construtivos, que nos são dados pelo Sr. Milim, pela Sherri e pela Dra. Denise.

Quanto a outorga do título a mim, fico imaginando que, em algum momento, uma eventual revisão deste ato administrativo possa vir a acontecer. E aí, então, torço para que os ocupantes das cadeiras desta Casa continuem tendo bons motivos para seguirem se orgulhando da decisão que tomaram.

Eu estou muito contente. Muito obrigado.

Elias Antônio Neto e Mesa da Câmara, durante a solenidade
Foto: Câmara Municipal de Guará

Guará, 17 de janeiro de 2020

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

É NOITE DE ANO NOVO...


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Antônio Adolfo - "Ingênuo" (Pixinguinha/Benedito Lacerda)
https://www.youtube.com/watch?v=YsTxRoklng8&list=PLTaRWr5sdDvnI-8r0XbsSbbJtyrJbilgg&index=8


     É noite de ano novo e estou distante. Da janela do meu quarto de hotel vejo as luzes de um enorme shopping center e os veículos passando...


Abasto Shopping Center - Buenos Aires
Foto: arq. pessoal (31/dez/18)

     Lá no interior do meu país, na  casa onde residiu minha mãe, desde o seu casamento até a sua partida, as portas e as janelas estarão fechadas: elas aprisionam o tempo que não posso recuperar. Os objetos, em seus respectivos lugares, ainda aguardam...

     Na sala de estar o sofá resiste, as duas poltronas resistem... um aparador enorme e a mesa de centro com seus adornos lembram balas e bombons que ali estiveram em outros tempos; nas paredes, as pinturas que, sob a sombra de uma mangueira, vi nascerem; no canto de entrada, o suporte de guarda-chuvas e um chapéu de palha ressecado lembram muitos reveillons chuvosos ali celebrados...


"O suporte de guarda-chuvas" - Foto: arq. pessoal

     Acima do piano da sala de visitas, afixado na parede e aprisionado em uma moldura de madeira, a imagem do meu pai zela pela memória do que ficou.

Meu pai zela pela memória do que ficou - foto: arq. pessoal

     Na parede do corredor que liga a sala aos quartos, eu e minha irmã, em duas fotos emolduradas, olhamos um para o outro com os olhares de nossos primeiros anos de vida.

     Os colchões nas camas dos três quartos de dormir estão cobertos por colchas lisas, as quais ocultam a ausência de lençóis.

     Na cozinha, a geladeira e o botijão de gás estão vazios; as paredes do filtro de barro, ressecadas.

     Lá fora, no quintal, há um quarto de antigos guardados. Nele, desfigurada, a velha estante de madeira com portas de vidro abriga pincéis, ferramentas e objetos de cerâmica que esqueceram suas próprias histórias...


Foto: arq. pessoal

     As luzes da garagem e do alpendre, nesta passagem de ano, estarão apagadas; tudo estará quieto. Não haverá ceia, não haverá música, não haverá convidados.

     Os anos se passaram, as festas se passaram... as noites de flores, doces, música e sorrisos se passaram...

     É noite de ano novo: a escuridão comandará o tempo... tempo que, dentro da casa materna, esqueceu de passar.

     Aqui onde me encontro, o quarto, a decoração, o Shopping Center e os veículos lá fora nada me dizem...

     É noite de ano novo...


(Buenos Aires, dezembro/2018)