sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

É NOITE DE ANO NOVO...


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Antônio Adolfo - "Ingênuo" (Pixinguinha/Benedito Lacerda)
https://www.youtube.com/watch?v=YsTxRoklng8&list=PLTaRWr5sdDvnI-8r0XbsSbbJtyrJbilgg&index=8


     É noite de ano novo e estou distante. Da janela do meu quarto de hotel vejo as luzes de um enorme shopping center e os veículos passando...


Abasto Shopping Center - Buenos Aires
Foto: arq. pessoal (31/dez/18)

     Lá no interior do meu país, na  casa onde residiu minha mãe, desde o seu casamento até a sua partida, as portas e as janelas estarão fechadas: elas aprisionam o tempo que não posso recuperar. Os objetos, em seus respectivos lugares, ainda aguardam...

     Na sala de estar o sofá resiste, as duas poltronas resistem... um aparador enorme e a mesa de centro com seus adornos lembram balas e bombons que ali estiveram em outros tempos; nas paredes, as pinturas que, sob a sombra de uma mangueira, vi nascerem; no canto de entrada, o suporte de guarda-chuvas e um chapéu de palha ressecado lembram muitos reveillons chuvosos ali celebrados...


"O suporte de guarda-chuvas" - Foto: arq. pessoal

     Acima do piano da sala de visitas, afixado na parede e aprisionado em uma moldura de madeira, a imagem do meu pai zela pela memória do que ficou.

Meu pai zela pela memória do que ficou - foto: arq. pessoal

     Na parede do corredor que liga a sala aos quartos, eu e minha irmã, em duas fotos emolduradas, olhamos um para o outro com os olhares de nossos primeiros anos de vida.

     Os colchões nas camas dos três quartos de dormir estão cobertos por colchas lisas, as quais ocultam a ausência de lençóis.

     Na cozinha, a geladeira e o botijão de gás estão vazios; as paredes do filtro de barro, ressecadas.

     Lá fora, no quintal, há um quarto de antigos guardados. Nele, desfigurada, a velha estante de madeira com portas de vidro abriga pincéis, ferramentas e objetos de cerâmica que esqueceram suas próprias histórias...


Foto: arq. pessoal

     As luzes da garagem e do alpendre, nesta passagem de ano, estarão apagadas; tudo estará quieto. Não haverá ceia, não haverá música, não haverá convidados.

     Os anos se passaram, as festas se passaram... as noites de flores, doces, música e sorrisos se passaram...

     É noite de ano novo: a escuridão comandará o tempo... tempo que, dentro da casa materna, esqueceu de passar.

     Aqui onde me encontro, o quarto, a decoração, o Shopping Center e os veículos lá fora nada me dizem...

     É noite de ano novo...


(Buenos Aires, dezembro/2018)

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