domingo, 5 de julho de 2020

GOBINEAU


Joseph Arthur de Gobineau

     Durante o período colonial esteve em nosso país um francês meio maluco e, ao mesmo tempo, um tanto quanto interessante. Maluco porque suas ideias eram execráveis, interessante porque, mesmo com tais ideias, acabou conquistando a amizade do nosso Imperador.

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     Esse francês chamava-se Gobineau. Desembarcou aqui no Brasil, à contragosto seu, na qualidade de "embaixador" da França, e aqui permaneceu de 1869 a 1870 - cerca de um ano, portanto.

     Gobineau, que trazia com seu nome o título de Conde, ficou muito conhecido em todo o mundo por suas teorias. Em 1855, antes mesmo de vir ao Brasil, ele publicou um livro intitulado "Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas". Tratava-se de um ensaio no qual ele procurava explicar, sem bases científicas, o motivo pelo qual algumas sociedades progrediam enquanto outras fracassavam.

     No seu ensaio, Gobineau levantou algumas hipóteses: pensou no fanatismo, no luxo e na preguiça, na corrupção de costumes, no abandono dos preceitos religiosos, nos maus governos, e, dentre outras, no envelhecimento das civilizações. Para ele, nenhuma dessas hipóteses justificava a falência de uma nação. Ele acreditava que a justificativa da decadência das civilizações era a questão étnica. Portanto, para ele, a responsável pela degradação de todas as civilizações era a mistura de raças.

     Em virtude da publicação de seu ensaio, Gobineau ficou conhecido como teórico do racialismo - teoria (já ultrapassada) segundo a qual a espécie humana se divide em raças. Assim, na linha de seu entendimento, o Brasil encontrava-se em avançado processo de perdição.

     Imaginem só com que estado de espírito Gobineau desembarcou aqui em 1869! Naquela época a população brasileira era composta por um elevado número de escravos, mulatos e mestiços. Observando o nosso povo e as nossas cidades, assim ele nos descreveu em diversas cartas* enviadas a seus amigos e familiares:

"Salvo o Imperador, não há ninguém neste deserto povoado de malandros"

"Nenhum brasileiro é de sangue puro; as combinações dos casamentos entre brancos, indígenas e negros multiplicaram-se a tal ponto que os matizes da carnação são inúmeros, e tudo isso produziu, nas classes baixas e nas altas, uma degenerescência do mais triste aspecto".


"Já não existe nenhuma família brasileira que não tenha sangue negro e índio nas veias; o resultado são compleições raquíticas que, se nem sempre repugnantes, são sempre desagradáveis aos olhos".


     Com essa imagem tão preconceituosa em relação ao brasileiro, Gobineau achou o posto no Brasil indigno de seus méritos. E detestou o nosso país! Contudo, ele foi um grande amigo e admirador de d. Pedro II.

     - "Como pode??"

     O que poderia ter feito com que Gobineau e d. Pedro II desenvolvessem uma amizade marcada por diálogo, reuniões, visitas, livre trânsito do francês na Corte brasileira, troca de correspondências e de ideias sobre viagens, romances e poesias? O que teria feito d.Pedro II ter tido paciência de ouvir Gobineau, suas ideias e suas terias?

     Em suas correspondências, assim Gobineau se referia a d. Pedro II: 

"Tenho pena que ele seja Imperador. Tem demasiados talento e mérito para isso".

"Seu maior prazer é ampliar sua instrução e progredir, aplicando-se em possuir toda espécie de conhecimentos".

Dom Pedro II, segundo imperador do Brasil
d. Pedro II

     Todos nós sabemos que d. Pedro II foi um apaixonado pelo Brasil e pelo povo brasileiro; que tornou-se um servidor público exemplar, um estudioso que amava as ciências e as letras, e que cumpria seus deveres sem se deixar levar por paixões**.

     Pois tanto Gobineau quanto d. Pedro II eram eruditos. Ambos compreendiam e discutiam o valor das artes. Em seus encontros eles conversavam sobre livros, viagens, música, esculturas e pinturas. O próprio Gobineau era escultor. Assim, mesmo discordando de muitas das teorias do "embaixador" francês, d. Pedro II gostava de sua companhia.

     Foram, portanto, os livros, a música, a escultura, a literatura e a poesia os responsáveis pela aproximação e pela amizade que existiu entre d. Pedro II e o Conde de Gobineau.

Mima - Joseph Arthur Gobineau — Google Arts & Culture
"Mima" - Escultura em mármore branco (Arthur de Gobineau)
Acervo do Museu Imperial (Petrópolis, RJ)

     Hoje, pensando nessa história, vislumbro um caminho que pode nos desviar da imensa intolerância reinante por todo lado: a arte! Os homens, quando tomados pela inspiração artística, dialogam e convivem de maneira respeitosa e construtiva - mesmo quando suas ideias são divergentes. Pelo menos foi isso que nos mostrou a história que acabei de contar. 

     - Que nos sirva de inspiração!


__________________________ 
*RAEDERS, Georges. O Conde de Gobineau no Brasil. Tradução de Rosa Freire d'Aguiar. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1988
**CARVALHO, José Murilo de. D. PEDRO II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007

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