quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

A BOCA DO DESESPERO


"A Boca do desespero" - foto: acervo pessoal (fev/22)

    É muito conhecida, em Roma, a "Boca da Verdade" (Boca della Verità) - uma imagem de feição humana, em forma de disco, esculpida em mármore. Na Cidade Eterna, essa escultura é ponto de referência - e todos os romanos, certamente, sabem indicar a sua localização.

"Boca da Verdade" (Roma)
https://dicasdaitalia.com.br/roma/boca-da-verdade-em-roma/

CLIQUE NA SETA PARA OUVIR

Rome Adventure - Serenade
https://www.youtube.com/watch?v=U19sDQB_WFg


    É claro que se estivesse em Roma, como turista, e para aproveitar o meu tempo na cidade, eu procuraria ler antecipadamente a respeito de sua localização para poder chegar a ela rapidamente. Se bem que, em estando em outro país, pedir informações para os pedestres é uma forma de conhecer de perto o povo e suas características - e eu gosto desse contato direto.

    Mas moro em Ribeirão Preto, no interior do Estado de São Paulo. E apesar de ter vivido aqui a maioria dos meus anos, surpreendo-me com tantos detalhes que a cidade continua me apresentando.

    Nos finais de tarde livres, gosto de fazer caminhadas pelas ruas da cidade. E durante essas caminhadas os detalhes da cidade vão se agigantando, pedem interpretações, e inspiram grandes viagens nos pequenas passeios.

    Foi assim que, no último domingo, caminhando por um bairro nobre, passei por uma estrutura em cimento e tijolos totalmente desfigurada.

"Uma estrutura desfigurada" - foto: fev/22 (acervo pessoal)

    Desabitada, exalando perfume de vegetal molhado de chuva, as paredes e colunas daquela estrutura estavam aprisionadas por diversos ramos. Para me deixar levar pelos embates entre vida e morte que me iam ocorrendo, posicionei-me de frente para o imóvel. Pensativo, fui atraído pelo que restava de uma fonte, na lateral esquerda do imóvel, também envolvida por galhos e ramos. 

"O que restava de uma fonte" - foto: acervo pessoal (fev/22)

    Em sua parte superior, uma imagem esculpida na parede parecia procurar forças para gritar. Não, não era uma face humana, como na Boca da Verdade, mas tinha a feição de um ser, meio homem, meio animal. Diferente da Boca da Verdade que, conforme conta a lenda, morde silenciosamente as mãos de mentirosos, a cabeça do ser parecia pedir atenções: de boca aberta denunciava o descaso a que havia sido condenada; argumentava que, naquela selva de pilares de cimento, estava impedida de ser bela, de atrair olhares; suplicava para que eu compreendesse que os ramos do vegetal, que se alastravam pelo imóvel, sufocavam o seu grito de abandono, o seu grito de desespero.

    - A cidade calada, nos detalhes de seus edifícios, grita o seu desespero... e a sua história.


Nenhum comentário:

Postar um comentário