domingo, 23 de janeiro de 2022

MANIA

 

Foto: acervo pessoal

    Muita gente tem verdadeira fixação por algum tipo de objeto. Uns gostam de pratos decorados, e com eles enfeitam as paredes de suas casas; outros se apegam a chaveiros; outros ainda gostam de armas, canivetes, e todo tipo de objeto... O meu apego é por canetas esferográficas. Gosto de ter sempre uma, no bolso da camisa, para anotar algo que possa me ocorrer: um pensamento ou uma lembrança, um recado, alguma frase dita por alguém, para desenhar algo interessante que eu tenha observado ou imaginado e queira esboçar para não me esquecer. Uma caneta tornou-se, portanto, para mim, um instrumento de primeiríssima necessidade - assim como uma camisa ou uma calça.

    No último domingo precisei participar de uma reunião, repetida diversas vezes ao longo do ano, porém com pautas diferentes. Em cada uma dessas reuniões,  logo na chegada, depois da assinatura da lista de presenças, os organizadores presenteiam os participantes com uma caneta BIC.

    Como tenho a mania e o cuidado de sair de casa somente depois de constatar que tenho uma caneta comigo, coloquei no bolso da camisa uma BIC com quase a totalidade de sua carga já utilizada. Admito, envergonhado, que a ideia de que iria ganhar uma caneta nova era também uma inspiração para eu quisesse ir à reunião.


Dolores Duran - "Manias"
https://www.youtube.com/watch?v=E3lY_GfgqBc

    Conforme esperado, ao chegar e assinar a lista de presenças, recebi algumas folhas de papel em branco e uma caneta esferográfica BIC novinha, colocada e entregue, cerimoniosamente, junto com as folhas de papel, dentro de uma pasta de papelão.

    Não, não... Como você pode ver, meu amigo, não sou aficionado por canetas estilizadas, com desenhos, arranjos, decalques, distintivos, nada disso. Não. Não me refiro a canetas de metal, daquelas caríssimas que a gente tem até medo de levar no bolso. Minha mania é ter uma caneta esferográfica no bolso, das mais simples, para que ela possa me servir de instrumento para anotações e confidências que possam me ocorrer ocasionalmente.

    Na reunião, ao tomar assento a uma mesa onde já se encontravam cinco pessoas, coloquei sobre ela, bem à minha frente, as folhas de papel, com a caneta ganha sobre elas. Distraidamente, e de braços cruzados, voltei as atenções para ouvir as ideias de um palestrante. Em determinado momento de sua fala, para fazer uma anotação, procurei pela caneta no local onde a havia deixado - mas não a encontrei. Veladamente passei a mão sobre os bolsos da minha camisa, do meu blazer... e nada. Estendi as pernas e procurei por ela nos bolsos de minha calça. Nada. Já inquieto, lancei mão daquela caneta que havia trazido de minha casa, idêntica à que havia ganhado, e comecei a fazer anotações. Um distinto senhor de bigodes, que estava sentado ao meu lado, tendo observado a procura que eu havia feito, estendeu a mão e ofereceu-me, polidamente, uma caneta. Era uma esferográfica BIC, novinha, igualzinha àquela que eu havia ganhado. Olhei para ele, silenciosamente, e, com um movimento simultâneo de cabeça e de mãos, mostrando que já estava na posse de uma caneta, agradeci pela oferta - pois julgava ser a caneta ofertada aquela que ele havia ganhado. Em seguida, o senhor distinto de bigodes "aprisionou", cuidadosamente, no bolso de sua camisa, a caneta que me oferecera. Esse pequeno fato fez  com que, a partir dali, o meu aproveitamento da reunião ficasse prejudicado. No fundo da alma eu continuava inquieto, com os pensamentos voltados para aquela caneta que eu havia ganhado.

    Triste por ter perdido aquele presente, voltei para casa horas depois, carregando comigo a sensação de que um pedaço de mim havia ficado no chão de algum salão, no piso de algum banheiro, dentro de algum cesto de lixo, jogado em alguma calçada... ou, então (será?), aprisionado no bolso de um distinto senhor de bigodes, que havia se sentado ao meu lado naquela reunião.


MANIAS

(Flávio e Celso Cavalcanti)

 

Dentre as manias que eu tenho uma é gostar de você

Mania é coisa que a gente tem mas não sabe por que
Mania de querer bem, às vezes de falar mal
Mania de não deitar sem antes ler o jornal
De só entrar no chuveiro cantando a mesma canção

De só pedir o cinzeiro depois da cinza no chão

Eu tenho várias manias, delas não faço segredo

Quem pode ver tinta fresca sem logo passar o dedo
De contar sempre aumentado tudo o que diz ou que fez
De guardar fósforo usado dentro da caixa outra vez
Mania é coisa que a gente tem mas não sabe por que

Dentre as manias que eu tenho uma é gostar de você


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