"O Fado" (1910, José Malhoa) - Foto: arq. pessoal
Em 1910, para retratar a boemia e a marginalidade portuguesas da época, José Malhoa* pintou um quadro ao qual deu o nome de "O Fado"**. Nesse seu trabalho, o artista mostra o ambiente interno de uma tasca portuguesa. Nela, um fadista com sua guitarra, em um banco de madeira, canta para uma mulher que está sentada em uma cadeira, com um cigarro entre os dedos de sua mão direita e com a perna esquerda pousada sobre o banco no qual o fadista está sentado. Com o cotovelo do braço esquerdo sobre a mesa a mulher sustenta sua cabeça com a palma da mão, e tem a face voltada para o fadista. Com ele, ela parece estabelecer uma comunicação de perfeita sintonia e cumplicidade: cantando, ele expõe o seu fado; ela, inspirada pelo canto que ouve, parece que se derrama em pensamentos melancólicos - como melancólicas são as histórias narradas nas letras dos fados.
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Amália Rodrigues - "Fado Malhoa"
https://www.youtube.com/watch?v=toe-KBYP7N4
Amâncio, um famoso fadista*** na época, e uma mulher de má reputação que ficou conhecida como Adelaide da Facada (porque tinha no rosto uma cicatriz), foram modelos e inspiração para o artista.
Por intermédio da criatividade portuguesa, a obra artística até ganhou vida. Em uma curta fantasia****, a fadista Amália Rodrigues, observando o quadro, "entra" nele, como se ela mesma fosse a Adelaide da Facada, levanta-se da cadeira, e canta um fado: o "Fado Malhoa".
Fado Malhoa
(José Galhardo/Frederico Valério)
Alguém que Deus já lá tem, pintor consagrado
Alguém que Deus já lá tem, pintor consagrado
Que foi bem grande e nos doi já ser do passado
Pintou numa tela com arte e com vida
A trova mais bela da terra mais querida
Subiu a um quarto que viu à luz do petróleo
E fez o mais português dos quadros a óleo
Um Zé de Samarra, com a amante a seu lado
Com os dedos agarra, percorre a guitarra
E ali vê-se o fado
Faz rir a ideia de ouvir com os olhos, senhores
Fará, mas não p'ra quem já o viu mas em cores
Há vozes da Alfama naquela pintura
E a banza derrama canções de amargura
Dali vos digo que ouvi a voz que se esmera
Boçal dum Faia banal, cantando a Severa
Aquilo é bairrista, aquilo é Lisboa
Boémia e fadista aquilo é de artista
Aquilo é Malhoa
Aquilo é bairrista, aquilo é Lisboa
Boémia e fadista aquilo é de artista
E aquilo é Malhoa
Sempre gostei desse quadro, e muitas vezes me imaginei conhecendo-o de perto. Ele tornou-se um clássico: tanto que é reproduzido em muitos trabalhos em azulejos trabalhados em azul, comuns no país.
"O Fado" - trabalho em azulejo - Foto: arq. pessoal
Os azulejos pintados são uma marca da cultura portuguesa. Tanto que há, no país, muitos edifícios públicos e igrejas (inclusive um museu - o Museu do Azulejo, em Lisboa) decorados com trabalhos feitos em azulejo, que contam a história de seu povo, de suas lutas e de seus personagens.
No final do ano passado, em viagem a Portugal, eu e minha mulher fomos caminhar pelo bairro de Alfama, em Lisboa. Em uma de suas ruelas encontramos uma tasca deliciosamente aconchegante: as mesinhas decoradas com toalhas vermelhas sobre a mesa, postas para o jantar, e a figura do quadro de José Malhoa em destaque, ao fundo, pintada em cerâmica. Senti como se aquele aparente aconchego fosse o convite perfeito que precisávamos para passar a noite ali.
"A Tasca" - Foto: arq. pessoal
E assim fizemos. Encantados com o ambiente, ficamos ali para o jantar e para ouvir um fadista cantar, mergulhados no clima de nostalgia inspirado pelo local e pela música.
Ao final da noite fomos agradecer ao gerente da tasca pelo jantar. Comentando com ele sobre "O Fado" em azulejo, na parede da tasca, ouvimos dele a informação de que o quadro original de José Malhoa ficava em exposição permanente no Museu do Fado, a duzentos metros dali.
"O Museu do Fado" - Foto: arq. pessoal
Na tarde do dia seguinte voltamos a Alfama. Além de gostar de museus, eu tinha agora um motivo a mais para conhecer o Museu do Fado. Descemos apressadamente a ruela da zona histórica de Lisboa, onde havíamos estado na noite anterior, e seguimos em frente até chegar ao Largo do Chafariz - endereço do Museu do Fado. Foi ali então que, por um bom tempo, deixei passear os meus olhos no original daquele quadro de que tanto gosto, e que simboliza muito da cultura do povo português: "O Fado", de José Malhoa. Como recordação, além de muitas fotos, trouxe dez cartões-postais com a imagem do quadro para a minha coleção.
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*José Vital Branco Malhoa (1855-1933) foi um pintor, desenhista e professor português.
**"O Fado" - óleo sobre tela, 150 cm de altura e 183 cm de largura
***na época, início do século XX, "fadista" era sinônimo de "marginal"
****Este pequeno filme, de 1947, pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=ZNCfktEU5L8&list=RDZNCfktEU5L8&start_radio=1&t=6
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*José Vital Branco Malhoa (1855-1933) foi um pintor, desenhista e professor português.
**"O Fado" - óleo sobre tela, 150 cm de altura e 183 cm de largura
***na época, início do século XX, "fadista" era sinônimo de "marginal"
****Este pequeno filme, de 1947, pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=ZNCfktEU5L8&list=RDZNCfktEU5L8&start_radio=1&t=6
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