Nunca fui fumante. Não me agrada cheiro de fumaça impregnada na roupa, nas mãos, nos cabelos, na ponta dos dedos. E mais: dentes amarelados, tosse, pigarro... Não, não dá. De interessante, no cigarro aceso, só mesmo a fumaça que dá voltas, que fica passeando pelo espaço que circunda o fumante. Se houver algum foco de luz iluminando exclusivamente o fumante, a fumaça fica mais interessante ainda: ela transmite mensagens.
Outro dia, de longe, eu fiquei observando a fumaça produzida pelo cigarro de um fumante que estava sentado, quieto, na varanda de um bar: era azul-viva; mas ficava acinzentada, tétrica, quando, depois de ter transitado pelos pulmões do fumante, era expelida no ar pelo sopro de sua boca. Fumaça de cigarro no ar, para ser observada, requer paciência. Ela fica ali, dança devagar, vai subindo, girando...
O Baden Powell, certa vez, em um estúdio francês, enquanto gravava "Round Midnight", prendia entre os dedos mínimo e anular, de sua mão direita, um cigarro aceso. Enquanto executava... enquanto mergulhava... enquanto voava em "Round Midnight", a fumaça produzida pela queima de seu cigarro criava em torno dele um ambiente metafísico de ligação do humano com o divino, juntando homem a entidades celestiais... E ele, de olhos fechados, comunicava com suas mãos, com seus dedos, com seu violão, toda beleza que um homem é capaz de comunicar quando transcende...
E após ter assistido ao referido vídeo, fui tomado por uma vontade incontida... Não de fumar, mas de fazer gerar fumaça poética... para ficar só, ouvir música.... desenvolver em torno de mim toda poesia que fumaça de cigarro que sobe pode produzir.
Fui então a uma tabacaria, escolhi um cachimbo e um pequeno pacote de tabaco inglês, com tempero de chocolate. Voltei para casa depressa, querendo me sentar sozinho em uma poltrona, ficar ouvindo as gravações do Baden Powell, e, como ele, ficar produzindo fumaça poética pela queima do tabaco ajeitado no fornilho do cachimbo que havia comprado. Cuidei do abajur ao meu lado, criei um ambiente de penumbra; escolhi os meus discos prediletos, uma bebida, e acendi o cachimbo. Senti-me, naquele momento, como uma divindade celestial: eu estava banhado em música, poesia, e fumaça de tabaco temperado com chocolate queimado. Não; eu não me encontrava no paraíso: eu era, na verdade, o próprio paraíso...
O cachimbo, dizem os entendidos no assunto, "é uma forma de transformar um momento de ócio num ritual de meditação e prazer". E era justamente isso o que eu buscava: meditação e prazer.
À primeira música, uma tragada, fumo queimado no ar; à segunda música, tragadas, bebida, e fumo queimado no ar... Penumbra. À terceira música, tragadas, bebida, fumo queimado... e tosse. De súbito fui tomado por uma leveza... uma sensação estranha... uma tontura... Fiquei com a impressão de que estava girando com a fumaça... E não podendo mais me controlar, gritei:
- Denise!!!! Tô gelado. Vou desmaiar!
Ao ouvir-me, mais que depressa minha esposa despertou de seu sono; veio ao meu escritório, examinou o meu estado, tomou-me a mão, percebeu o suor e a temperatura fria do meu corpo. Orientando-me a baixar a cabeça, ela correu até a cozinha e retornou com um copo de leite gelado, com algumas pitadas de sal, em suas mãos:
- Tome isso e apague essa fumaceira. Você não sabe que isso não é para tragar?
Eu não sabia. Depois desse episódio só fui voltar ao cachimbo anos depois, durante o inverno, não para fumar, mas somente para prender entre as minhas mãos o cachimbo aceso, e mantê-las aquecidas... E ficar olhando a fumaça dançar... sentindo no ar aquele cheirinho gostoso de tabaco temperado com chocolate.
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