- "Essa é uma das muitas histórias que acontecem comigo..."
Pois seria tudo assim, como assim era quando, ainda menino, vi o primeiro Jeep* Willys CJ-2A, sem capotas. Seu proprietário era o Sr. Kaisã**, um imigrante japonês que passava seus dias em uma oficina mecânica da cidade. Eu gostava de ir àquela oficina para poder ouvi-lo conversar e contar histórias. Ele me falava de seu Jeep e de todos os reparos que havia feito nele... que com muitos amigos amontoados em seus bancos, ia às suas pescarias no Sapucaí. Eu admirava o Sr. Kaisã por cuidar tão bem do seu Jeep, e, influenciado por ele, eu sonhava ser mecânico e ter, quando pudesse, um Jeep tão velho, mas tão bem (des)cuidado quanto o dele.
Havia na cidade, também, os Jeeps do Sr. Chico Barbeiro, do Sr. Vasco e do Sr. Nenzinho - este, curiosamente, proprietário de uma oficina de bicicletas, que fazia experimentos mecânicos para serem mostrados orgulhosamente em passeios pelas ruas da cidade (de uma bicicleta de quatro pedais eu nunca me esqueço). Depois, também, o Jeep do Sr. Pedro. Mas o Jeep pelo qual eu tinha um encanto especial era, sem dúvida, o Jeep do Sr. kaisã.
Pois aconteceu hoje, enquanto eu subia a Rua São José. Vi um Jeep Willys amarelo, sem capotas, estacionado na esquina da Avenida Itatiaia. Ao vê-lo, revi, em minhas lembranças, o Sr. Kaisã e o "jeepinho" que sempre quis ter. Dei a volta no quarteirão e parei para poder fotografá-lo.
A imagem de um carro assim, prático, sem capotas, significava para mim juventude, informalidade e liberdade. Eu acreditava que meus amigos e minhas amigas estariam sempre dispostos a passear no Jeep que um dia eu iria ter; que, nos bancos do meu Jeep, sorriríamos muito enquanto estivéssemos acenando na direção daqueles que nos vissem passar... Se, eventualmente, ocorresse alguma quebra no veículo, eu prontamente desceria da condução do volante e, na condição de um herói estudante de engenharia mecânica, em poucos minutos efetuaria o reparo. Assim, troca de pneus, regulagem de carburador, limpeza de filtro, vazamento de óleo, fosse o que fosse, eu seria o mecânico que dava um jeito em tudo.
Mas, ao final daquela minha parada para fotografar o Jeep, ao agradecer ao proprietário por ter tido paciência de me ouvir, eu contei a ele que nada do que eu sonhara tornou-se realidade, que tudo ficou adormecido em sonho.
Graduei-me engenheiro mecânico e trabalhei em fábrica por algum tempo. Mas não gosto nem um pouco de fazer reparos em máquinas e equipamentos - muito menos em automóveis. Nunca tive um Jeep. Duas ou três vezes, forçado, troquei pneu furado. Hoje, quando estou dirigindo, mantenho fechadas todas as janelas do carro... e fico ouvindo música, tentando desvendar "a alma encantadora das ruas"***... e vou observando árvores, imóveis com personalidade, e muitos transeuntes que, nessa "vida vertiginosa"****, seguem desatentos ao seu entorno...
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* Jeep - Essa palavra é a forma que soa, em português, a denominação abreviada pelas iniciais GP ("General Purpose"), que foi dada ao veículo militar da montadora norte-americana Willys Overland. Os Jeeps foram muito utilizados pelos militares norte-americanos na Segunda Guerra Mundial.
**Paulo Onodera, conhecido como Sr. Kaisã.
***título de livro publicado por João do Rio, em 1908
****título de livro publicado por João do Rio em 1911, originalmente.
É bem por aí...vamos amontoando o que gostaríamos de ser e fazer...o jeep roubou sempre nosso sonho de produzir realidades... Nem sempre possíveis mas sempre perseguindo como afirmação de vida ...o Jeep buzinou muito dentro da nossa geração ..ainda hoje ouço seus apelos nessa viagem nem sempre conquistada ufffa..
ResponderExcluirÉ isso aí, meu amigo Celso. Grande abraço.
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