("Desembarque de Cabral em Porto Seguro"
Oscar Pereira da Silva, 1922)
“Esse mundo estava aqui quieto, entregue a si; num feio dia chega um tabelião para dizer: descobri, ‘tá aqui...”
(Darcy Ribeiro)
“Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!”
Assim foi informado o “descobrimento” do Brasil na Carta enviada por Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, datada de 1º de maio de 1500.
Como todos nós sabemos, ao chegarem os portugueses, eles logo se deram conta de que a terra aqui já era habitada. E o que eles encontraram? Encontraram “uma terra que existia sob o signo da utopia, uma terra sem males”... Encontraram, “uma humanidade indígena; uma humanidade diferente; de gente que agradecia a Deus por o mundo ser tão bonito...” (Darcy Ribeiro[i])
Washington Novaes[ii], no vídeo “O Povo Brasileiro”, comenta a valorização que o índio atribui ao que faz. Ele diz que o índio, desde que nasce, aprende a se relacionar com tudo de formas bonitas; que valorizam tudo, que têm rituais para louvar tudo, que festejam, que dançam, que cantam e riem muito.
Analisando a descrição dos índios que é feita pelo Caminha na “Carta do Descobrimento”, observamos a natureza humana em sua forma mais pura, com índios e portugueses buscando a aproximação amistosa na tentativa de descoberta do “outro”, buscando a possibilidade de um relacionamento amistoso.
Pero Vaz de Caminha assim descreveu os índios:
“Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. (...) A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. (...)”
É da natureza humana observar, comparar, querer compreender. É da compreensão da existência do diferente, com respeito ao que desiguala, que se configura a possibilidade de convivência harmoniosa.
Um contato inicial é em geral difícil, tenso. Mas isso traduz, inclusive, o desejo de se querer agradar, de se querer transmitir uma boa impressão. Percebo no primeiro encontro formal entre índios e portugueses, que aqueles, diante do Capitão português, conforme narrado na “Carta”, não se intimidaram; eles perceberam-se iguais, independente do traje, da tentativa de imponência ou da língua falada. De imediato, ao serem colocados diante do Capitão, os índios observaram um castiçal de prata e o colar de ouro do Capitão e apressaram-se em sinalizar que naquela terra também havia muito ouro e prata.
Que povo, senão com perfil de pureza, de ausência de maldade alguma, levaria a desconhecidos, e logo no primeiro encontro, a informação de tudo o que se poderia encontrar no local em que habitavam? E mais: sem saberem a que vinham os desconhecidos!!
A respeito disso Washington Novaes, no mesmo vídeo “O Povo Brasileiro”, comenta:
“Num grupo indígena, o que um sabe todos podem saber. Ninguém se apropria da informação para transformá-la em poder político ou econômico, prá dominar outras pessoas, prá ganhar dinheiro...”
Assim, entre os índios, parece-me que não havia o temor de que “o outro” pudesse ter a intenção de apropriar-se daquilo que a terra, generosamente, oferecia. Ainda na “Carta”, no final do primeiro encontro formal com os portugueses, os índios, entendendo finda a reunião, simplesmente deitaram-se no chão e adormeceram diante dos portugueses... Adormeceram certamente entendendo que aqueles estranhos eram também gente pacífica e desinteressada; que com eles, em comunhão com a natureza, poderia haver uma coexistência pacífica.
Darcy Ribeiro ainda em “O Povo Brasileiro” observa:
“a herança nobre e profunda que os índios nos legaram é o testemunho de que é possível um povo viver magnificamente integrado à natureza, numa trama secreta de coexistência pacífica e amistosa.”
E ele mesmo, o Darcy Ribeiro, na mesma obra, conclui:
“A coisa mais importante para o brasileiro é inventar o Brasil”.
Também acho. Somos uma jovem nação. Somos a confluência do invasor português com os índios e com os negros africanos. Somos um povo novo que se comporta como uma só gente. Herdamos a pureza dos índios que aqui habitavam antes da chegada dos portugueses. Para inventarmos nosso país temos o dever moral de recuperar a bondade e a confiança no outro que os índios nos ensinaram. Acredito mesmo que podemos caminhar nesse sentido...
("Memorial dos Povos Indígenas", em Brasília, DF - acervo pessoal, Dezembro/2010)
Referências:
“A Carta do Descobrimento” – Pero Vaz de Caminha;
“O Povo Brasileiro” – Darcy Ribeiro (livro e vídeo)
(vídeo no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=-zEztOsq6yA
RP, 22abr2011
[i] Darcy Ribeiro - antropólogo, escritor e político brasileiro conhecido por seu foco em relação aos índios e à educação no país.
[ii] Washington Luíz Rodrigues Novaes é um jornalista que trata com destaque os temas de meio ambiente e povos indígenas
Olá Elias...
ResponderExcluirPassando pra deixar um oi e agradecer as sempre tão carinhosas visitas.
Um abraço!