(Hugo Chavez - fonte: jangadeiroonline.com.br)
As coisas, em geral, têm uma determinada estrutura, um corpo, uma
conformação. Minha escrivaninha, por exemplo, tem suas peças componentes
que, juntas, formam um todo harmônico. Um Estado (país), da mesma forma, tem sua
estrutura, sua organização, suas regras, enfim, suas leis - as quais estão
estabelecidas em um "documento" chamado "Constituição".
A Constituição é,
portanto, a lei das leis de um determinado país. Ela é, hierarquicamente, superior a todas as demais.
Nenhuma outra lei ou decisão pode contrariá-la ou sobrepor-se a ela.
Um dos pontos fundamentais da Constituição de qualquer país é a determinação de
como se adquire e de como se exerce o Poder ali.
Assim, aqui no nosso país: temos nossa Constitução Federal que "explica, organiza, e diz como funciona o Brasil".
Da mesma forma a Venezuela - que tem sido notícia na mídia todos os dias. Isso porque, reeleito Presidente da República, Hugo Chávez deveria ter tomado posse ontem, dia dez de janeiro, conforme dispõe a Constituição de lá, "in verbis":
"Art. 231 - El candidato elegido o candidata elegida tomará posesión del cargo de Presidente o Presidenta de la República el diez de enero del primer año de su período constitucional (...)".
Mas, apesar de ter sido eleito pelo povo de lá, o Presidente eleito não tomou posse ontem - dia dez. Isso porque ele encontra-se fora do país, em tratamento de saúde, e não estava em condição de "tomar posse".
Bom, mas como é que se "toma posse" da presidência da República na Venezuela? É a própria Constituição quem diz:
"Art. 231 - (...) mediante juramento ante la Asamblea Nacional. (...)"
Portanto, o Presidente eleito (Hugo Chavez) deveria ter ído à Assembléia Nacional (o Poder Legislativo) da Venezuela, e lá ter feito o juramento. No entanto isso não aconteceu.
"E aí?", pergunto, "o que acontece?"
A própria Constituição determina:
"Art. 231 - (...) Si por cualquier motivo sobrevenido el Presidente o Presidenta de la República no pudiese tomar posesión ante la Asamblea Nacional, lo hará ante el Tribunal Supremo de Justicia".
Assim, em não podendo tomar posse perante a Assembleia Nacional, o Presidente eleito deveria fazê-lo perante o Tribunal Supremo de Justiça.
Mas assim também não aconteceu. O Presidente eleito não compareceu para fazer o juramento perante o Tribunal Supremo de Justiça e assumir a presidência da República em novo mandato.
"Bom", você poderia me dizer, "então toma posse o vice, como aconteceu aqui no Brasil quando o Tancredo, eleito, morreu na véspera da posse e o Sarney - seu vice, eleito - assumiu a presidência."
É, "mas na Venezuela o vice não é eleito!". Lá o Presidente, depois de empossado, nomeia o Vice. Portanto, não havia - como não há ainda - Vice-Presidente para o mandato que iniciou-se ontem na Venezuela.
O que havia, sim, era um vice-presidente nomeado na gestão anterior, cujo mandato encerrou-se ontem com o que seria a posse do novo Presidente.
"E então, qual a solução? Quem assume a Presidência na Venezuela?"
Voltamos então à Constituição, no seu artigo 233, que diz o seguinte:
"Art. 233 - Cuando se produzca la falta absoluta del Presidente electo o Presidenta electa antes de tomar posesión, se procederá a una nueva elección universal, direta y secreta dentro de los treinta días consecutivos siguientes. (...)".
Bom, mas antes de responder "quem assume", precisamos saber o que se entende por "falta absoluta" na Constituição da Venezuela. O mesmo artigo 233 explica:
"Art. 233 - Serán faltas absolutas del Presidente o Presidenta de la República: su muerte, su renuncia, o su destitución decretada por sentencia del Tribunal Supremo de Justicia, su incapacidad fisica o mental permanente certificada por una junta medica designada por el Tribunal Supremo de Justicia y con aprobación de la Asamblea Nacional (...)".
Então, ainda a pergunta: "quem assume a presidência quando o Presidente eleito não tomou posse?"
E o artigo 233 dispõe:
"Art. 233 - (...) Mientras se elige y toma posesión el nuevo Presidente o la nueva Presidenta, se encargará de la Presidencia de la República el Presidente o Presidenta de la Asamblea Nacional."
Assim, não tendo o Presidente eleito tomado posse, quem deve assumir a presidência é o Presidente da Assembléia Nacional (o Poder Legislativo de lá). E aí, constatada a "falta absoluta", convocar uma nova eleição em trinta dias a partir dessa constatação (da falta absoluta).
O governo brasileiro, nessa questão, defendeu que a posse do Presidente eleito deveria ser adiada por 180 dias porque, como ele, Chavez, foi reeleito, não há um processo de descontinuidade na administração.
Entretanto, não foi de nenhuma dessas duas formas a solução que a Venezuela deu ao caso.
O Tribunal Supremo de Justiça de lá determinou o adiamento por prazo indefinido da posse do Presidente eleito! Ou seja, agora, o país vai ficar esperando o Presidente eleito sarar para tomar posse. Quando? ninguém sabe...
Achei interessante a ilustração do Clóvis Rossi sobre o assunto, no dia oito, na "Folha de São Paulo". Ele disse:
"Prorrogar o mandato de Chávez indefinidamente (...) é transformar Chávez em rei. Reinados são para sempre, até a morte."
Enquanto Chávez não retorna para prestar juramento e tomar posse, ficou determinado que vai permanecer na presidência do país o vice-presidente da gestão anterior - o qual não foi eleito pelo povo, mas sim nomeado pelo presidente da república da gestão anterior.
É legal isso? É constitucional? De jeito nenhum! A Constituição foi desrespeitada, ferida, desobedecida, como se não valesse para o caso em questão! Pois é assim que começam os governos ditatoriais...
Aliás, é bom lembrarmos que a Democracia não admite que o detentor do Poder não tenha sido eleito pelo povo... E agora, na Venezuela, parece que esse é o caso.
Voltando ao meu exemplo inicial da escrivaninha: é como se tivessem tirado uma de suas pernas e colocado outra, que não se encaixou bem nas demais peças. Deram um "jeitinho". Ela não caiu, ficou meio esquisita, a firmeza de sua estrutura ficou meio duvidosa... e eu perdi a confiança nela. Passei a ficar com medo de que, mais cedo ou mais tarde, ela não resista... e desmorone... assim como certos governos da nossa querida América Latina.