"Pelourinho" - (Debret)
https://www.conjur.com.br/2014-mar-13/oab-sp-quadro-escravo-seja-retirado-forum-criminal
A Senzala e a Casa Grande, no Brasil, estavam muito próximas. Consequentemente, o convívio entre escravo e senhor era inevitável - a ponto do senhor, ocasionalmente, procurar na escrava o remédio para seus impulsos e suas carências.
Mas o senhor, eventualmente, passava longos períodos distante da Casa Grande. E nessas idas e vindas, nesses períodos de ausência, a Sinhá, que também tinha suas carências, ficava sujeita a se engraçar por algum morador da senzala.
E foi também nessa combinação de possibilidades que deu-se a miscigenação aqui no Brasil.
Convém, contudo, meus caros leitores, que não nos esqueçamos: se algum escravo transgredisse os limites a ele impostos, ele poderia ser levado ao tronco para ser açoitado - as vezes até mutilado ou castrado.
Pois o Chico Buarque e o João Bosco, em "Sinhá", nos contam uma história assim: Sinhá estava fora, a banhar-se no açude, justamente quando - assim foi dito - pegaram um escravo na roça. Na versão dele - do escravo -, ele só olhava o arvoredo em busca de sabiás; na versão do senhor, o escravo havia visto Sinhá (banhar-se). O escravo diz que, se ela se despiu e banhou-se, ele não viu nada, pois nem estava mais na roça em busca de sabiás. E mais: ele afirma que, além de já não mais sentir cobiça, nem enxergava bem.
Assim, segundo o escravo, não havia motivo algum para o senhor querer furar seus olhos, aleijando-o em punição.
Mas o fato foi que, ao que parecia, Sinhá havia se engraçado pelo escravo...
E aí?
Aí que essa é somente uma história... Se olharmos para a multidão de escravos sequestrados para o Brasil, em mais de 300 anos, vamos ver que a crueldade por aqui rolou solta: exploração, estupros, torturas, mutilações, açoite, sal em feridas, correntes, marcas de identificação, separação de família, garrote... e o diabo a quatro.
Vamos então ouvir o Chico Buarque e o João Bosco. Eles nos trazem a história contada por um cantor atormentado, "herdeiro sarará e filho de um relacionamento espúrio" de um escravo mandingueiro, por quem uma certa Sinhá ficara enfeitiçada...
Chico Buarque e João Bosco - "Sinhá"
SINHÁ
(Chico Buarque e João Bosco)
Se a dona se banhou
Eu não estava lá
Por Deus Nosso Senhor
Eu não olhei Sinhá
Estava lá na roça
Sou de olhar ninguém
Não tenho mais cobiça
Nem enxergo bem
Pra quê me pôr no tronco
Pra quê me aleijar
Eu juro a vosmecê
Que nunca vi Sinhá
Por que me faz tão mal
Com olhos tão azuis
Me benzo com o sinal
Da Santa Cruz
Eu só cheguei no açude
Atrás do sabiá
Olhava o arvoredo
Eu não olhei Sinhá
Se a dona se despiu
Eu já andava além
Estava na moenda
Estava pra Xerém
Por que talhar meu corpo
Eu não olhei Sinhá
Pra que que vosmicê
Meus olhos vai furar
Eu choro em iorubá
Mas oro por Jesus
Pra que que vossuncê
Me tira a luz
E assim vai se encerrar
O conto de um cantor
Com voz do pelourinho
E ares de senhor
Cantor atormentado
Herdeiro sarará
Do nome e do renome
De um feroz senhor de engenho
E das mandingas de um escravo
Que no engenho enfeitiçou Sinhá
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- açude: construção de terra para represar água
- arvoredo: extenso aglomerado de árvores
- Xerém: papa de milho com carne e molho; Distrito do Município de Duque de Caxias, RJ
- iorubá: lingua nigero-congolesa
- Sarará: mulato
- Mandingas: feitiço
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