(Video: "Que teus olhos sejam atendidos" - viagem de pesquisa por Luiz Fernando Carvalho ao Líbano - parte 01)
Sexta-feira, final de tarde:
Sem qualquer identificação ou salamaleque, de uma forma direta e objetiva, recebo um telefonema do meu amigo Maan, libanês puro sangue:
- Vamos tomar um café !
Já o reconheço pela voz. Já sabemos de antemão o local, o qual confirmamos.
- “Quantos minutos?”, pergunto eu, já me virando e trancando a porta do escritório. Eu, com algum percentual de sangue árabe, sei que é para no máximo dez minutos até a minha chegada para uma xícara de café que nos junte em uma mesa por pelo menos uma hora.
Há tempos não conversamos. Mas, pronto... Um sorriso, um abraço, como se tivéssemos nos encontrado naquele mesmo dia, e a conversa flui...
Sei que é assim, sei que é bom que seja assim e que se mantenha assim. Falamos de literatura, de raízes árabes, e de música. Em especial, mesmo sabendo que nem sempre nosso entendimento representa o consenso geral, falamos de etimologia e coisas difíceis de explicar. Mas, espiritualizados pelo café, logo achamos uma explicação para tudo.
Como fazemos eu e o Maan em nossas conversas, vi que o Khalil Gibran também explica; certamente com muito mais convicção do que nós. Numa carta para seu amigo Youssef Howayek, escrita em Boston no ano de 1911, (do livro “Auto Retrato de Khalil Gibran”), o Gibran explica a vida dos indivíduos orientais:
“Minha irmã está junto a mim e os amados parentes estão à minha volta, aonde quer que eu vá, e as pessoas nos visitam todo dia e toda noite, mas não me sinto feliz. Meu trabalho progride rapidamente, meus pensamentos são calmos e estou gozando de perfeita saúde, mas continuo carente de felicidade. Minha alma está faminta e sedenta de um certo tipo de alimento, porém, não sei onde achá-lo. A alma é uma flor celeste que não pode viver na sombra, mas os espíritos podem existir em qualquer lugar. Essa é a vida dos indivíduos orientais. São afetados pela obsessão das belas artes. Essa é a vida dos filhos de Apolo*, que estão exilados nesta terra estranha, cujo trabalho é estranho, cujo andar é vagaroso e cujo riso é um lamento.”
*Apolo – entre os gregos, deus da luz, do Sol, da força, da música, das artes, e ainda deus que simboliza o equilíbrio, a ordem, a harmonia, a claridade.
*Apolo – entre os gregos, deus da luz, do Sol, da força, da música, das artes, e ainda deus que simboliza o equilíbrio, a ordem, a harmonia, a claridade.
Pensando bem, acho que o Maan e eu estamos assim, como o Gibran.
RP, 11mar2011
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