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(Baden Powell - "Na baixa do sapateiro", de Ary Barroso)
a um taxista mineiro
que mudou-se para a Bahia
Revendo agora uma foto antiga do senhor Hermínio, avô materno dos meus primos paternos, veio-me à lembrança a história de uma bengala comprada no Mercado Modelo - e a lição que essa história deixou.
Foi em 1977 quando nós três, meus dois primos e eu, estivemos em Salvador. De ônibus, atravessamos todo o Estado de Minas Gerais e o sudeste da Bahia, até chegarmos ao nosso destino.
Da rodoviária de Salvador seguimos para Itapuã, para nos hospedamos na casa dos tios dos meus primos.
Depois de alguns dias de praia e sol resolvemos fazer compras e conhecer o centro histórico da cidade. Tomamos o ônibus urbano até a parte alta da cidade, descemos pelo Elevador Lacerda, e logo chegamos no Mercado Modelo.
(Foto: Mercado Modelo, depois da reforma de 1984 - arquivo pessoal)
Andamos pelo Mercado numa tarde de compras cheia de cores, cheiros e sons, parando para ver as baianas fritando acarajé, passando os olhos por trabalhos artesanais, carrancas, redes, pinturas; ouvindo sons de grupos de capoeira e berimbau. No final da tarde, ao nos prepararmos para a volta, um dos meus primos viu várias bengalas expostas e lembrou-se da dificuldade do seu Hermínio (seu avô materno) caminhar. Examinou criteriosamente todas elas até conseguir escolher uma, chiquérrima, feita de jacarandá. Ficaram radiantes com a compra - e eu, totalmente contagiado em pensar na alegria do avô recebendo o presente dos netos.
(Foto: Arquivo pessoal - 2006)
Saímos do Mercado às seis da tarde, justamente no horário de trânsito intenso, e tomamos um táxi até a parte alta da cidade. O motorista do táxi, jovem ainda, logo puxou conversa conosco. Falou da cidade e de como havia sido seu dia. Contou-nos que, tendo nascido e tendo sido criado em uma cidadezinha do triângulo mineiro, morava ali fazia pouco tempo. E o assunto se desenrolou e fluiu solto e amistoso até descermos em um ponto do ônibus urbano.
Ficamos ali por algum tempo, bem ao lado de um poste de iluminação, aguardando o ônibus que nos levaria de volta a Itapuã.
Ao revermos nossas compras meus primos deram conta de que haviam esquecido a bengala no banco de trás do táxi.
Quanta tristeza naquela hora! Justo a bengala, aquela preciosidade, aquele “luxo”, aquela “obra de arte” do Mercado Modelo de Salvador. O presente que iria alegrar e surpreender o avô teria outro destino: iria para mãos desconhecidas.
Maldissemos o motorista do táxi e fomos unânimes em concordar que aquela “prosa” toda que ele tinha era para distrair nossa atenção e fazer com que esquecêssemos alguma coisa para que ele pudesse levar alguma vantagem sobre nós.
Depois, ficamos tristes e calados aguardando a chegada do ônibus. No meio de todo aquele movimento de carros, ônibus e pedestres, só conseguíamos ouvir nosso silêncio. A imagem da alegria do “seu” Hermínio recebendo a bengala estava desfeita.
Alguns minutos de aborrecimento se passaram.
Para nossa surpresa, no meio daquela confusão no trânsito, um automóvel surgiu buzinando ansiosamente, e seu motorista, com o braço para fora da janela, acenava em nossa direção. Era o mineirinho-baiano, acelerando em nossa direção, contente da vida por ter nos reencontrado ali, exatamente onde havia nos deixado.
- "Puxa", disse-nos ele sem sair do carro. “Pensei que não fosse mais encontrar vocês. Vocês esqueceram uma bengala no carro. Toma, tá aqui, ó..." - e devolveu-nos a bengala.
Da mesma forma que havia chegado ele foi embora, buzinando e acenando intensamente com o braço para fora da janela do carro, até sumir naquela confusão das ruas de Salvador.
Aquele motorista nunca mais teve conhecimento da nossa existência. Mesmo assim, sem que ele saiba, nunca foi esquecido. Ainda hoje quando meus primos e eu contamos nossas histórias, lembramos dele como referência de bondade e de esperança de que as pessoas possam ter mais consideração umas com as outras sem precisar que algo seja dado em troca..
Ficamos ali por algum tempo, bem ao lado de um poste de iluminação, aguardando o ônibus que nos levaria de volta a Itapuã.
Ao revermos nossas compras meus primos deram conta de que haviam esquecido a bengala no banco de trás do táxi.
Quanta tristeza naquela hora! Justo a bengala, aquela preciosidade, aquele “luxo”, aquela “obra de arte” do Mercado Modelo de Salvador. O presente que iria alegrar e surpreender o avô teria outro destino: iria para mãos desconhecidas.
Maldissemos o motorista do táxi e fomos unânimes em concordar que aquela “prosa” toda que ele tinha era para distrair nossa atenção e fazer com que esquecêssemos alguma coisa para que ele pudesse levar alguma vantagem sobre nós.
Depois, ficamos tristes e calados aguardando a chegada do ônibus. No meio de todo aquele movimento de carros, ônibus e pedestres, só conseguíamos ouvir nosso silêncio. A imagem da alegria do “seu” Hermínio recebendo a bengala estava desfeita.
Alguns minutos de aborrecimento se passaram.
Para nossa surpresa, no meio daquela confusão no trânsito, um automóvel surgiu buzinando ansiosamente, e seu motorista, com o braço para fora da janela, acenava em nossa direção. Era o mineirinho-baiano, acelerando em nossa direção, contente da vida por ter nos reencontrado ali, exatamente onde havia nos deixado.
- "Puxa", disse-nos ele sem sair do carro. “Pensei que não fosse mais encontrar vocês. Vocês esqueceram uma bengala no carro. Toma, tá aqui, ó..." - e devolveu-nos a bengala.
Da mesma forma que havia chegado ele foi embora, buzinando e acenando intensamente com o braço para fora da janela do carro, até sumir naquela confusão das ruas de Salvador.
Aquele motorista nunca mais teve conhecimento da nossa existência. Mesmo assim, sem que ele saiba, nunca foi esquecido. Ainda hoje quando meus primos e eu contamos nossas histórias, lembramos dele como referência de bondade e de esperança de que as pessoas possam ter mais consideração umas com as outras sem precisar que algo seja dado em troca..
RP, 23FEV2011