sábado, 18 de fevereiro de 2012

MEU LAR


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
("I am, I said" - Neil Diamond)

     Vim para o trabalho hoje ouvindo “I am, I Said” (1971), do Neil Diamond. Depois de muitos anos, de tanto cantar mecânica e anestesiadamente essa música, parei para decifrar sua mensagem. A letra é simples. Nela o Neil Diamond conta que, vivendo em Los Angeles, sente vontade de voltar para Nova Iorque - sua cidade natal. Enquanto assim sente, ele faz comparações e se dá conta do quanto é bom viver em Los Angeles. Ele diz que em Los Angeles há muitas árvores, o sol brilha, e o preço dos aluguéis é baixo.

     Contudo, apesar de ser bom, Los Angeles não é o seu lar (“L.A. is fine but it ain’t home”) - ele diz.

     Ele conta que nasceu e foi criado na cidade de Nova Iorque, mas que lá não há mais quem lhe dê atenção. Assim ele compreende que Nova Iorque já não é mais sua, e que está desencontrado e perdido entre dois oceanos: o Pacífico, que banha Los Angeles, e o Atlântico, que banha Nova Iorque.

     Há muitas músicas que falam da procura por um lugar ao qual se possa chamar de lar.

     Mas há uma música que traz uma boa reflexão sobre o assunto: “Green Green Grass of home”* (Os verdes campos do meu lar), composta em 1964. Essa música, diferentemente das demais, propõe um lar estático, imutável, fechado. Um lar que se perdeu, que se acabou. Gosto dessa música na interpretação do Elvis Presley. Na letra o autor quer retornar ao seu lar onde estava sua amada, onde havia flores e verdes campos. Só que esse retorno desejado aconteceu apenas em sonho. Ele diz que deixou sua cidade natal há muito tempo, que quer revê-la, e quer reencontrar lá as mesmas coisas exatamente como estavam quando dali ele partiu. No final desse sonho ele desperta e se vê entre quatro paredes acinzentadas: sua velha cidade ficou somente dentro dele.


(Igreja matriz de Guará, SP - postada por Mário Monteiro Rocha no facebook)

     Músicas assim são tristes, falam de muitas perdas.

     Contudo, a sequência natural da vida não é só de perdas. Nós passamos por fases e levamos dentro de nós todas as coisas que nos foram importantes. O autor de “Green Green Grass of home” esqueceu de dizer que, independente das paredes, o verdadeiro lar é imaterial, sua construção é constante e dura uma vida toda.

     Há nessas músicas um convite a uma reflexão profunda sobre o desamparo natural a que nós todos estamos submetidos, bem como sobre a necessidade de nos agarrarmos às coisas familiares, conhecidas, com as quais as sensações de aconchego e cumplicidade estão presentes.

("Peasant Family at table - Josef Israëls - 1882 - fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jozef_Isra%C3%ABls_-_Peasant_family_at_the_table_-_Google_Art_Project.jpg)

     Na condição de forasteiro na cidade onde vivo, muitas vezes sinto necessidade de apego. Houve um tempo em que ficava tentando definir qual seria o meu lar de verdade, onde eu deveria estar. Já não faço mais isso. As cidades se transformam, as pessoas se transformam. Meu lar nunca se distanciou de mim, nem eu tampouco dele: eu o carrego onde quer que esteja. Meu lar está onde estiver o meu coração, as coisas de que gosto, as pessoas que amo. Quando tenho em meus pensamentos os meus entes queridos, vivos ou mortos, as minhas ruas, minhas árvores, meus bancos de escola ou jardins, ainda existentes ou já destruídos, sei que estou no meu próprio lar, e que nenhum outro lugar me fará mais feliz.

_______________________________
* "Green green grass of home", de Claude "Curly" Putman Jr. Ouça a música com o Elvis Presley (é só copiar e colar no youtube o link https://www.youtube.com/watch?v=jddP25xXgDw )

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

APRENDENDO COM OS ESTUDANTES


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
(Mercedes Sosa - "Me gustan los estudiantes", de Violeta Parra)

                                                           Para o Gabriel

     Nesse começo de ano, assim como no começo de todos os anos, assistimos de graça uma celebração de sonhos e ideais. A cidade vibra, renasce e esbanja vitalidade nos olhares e nas cabeças raspadas dos calouros das universidades. São jovens que comemoram a conquista de um objetivo, o ingresso na universidade, a aurora de um sonho. Cada um deles, com os pés descalços pisando no chão quente da rua, corpo banhado de farinha, tinta e ovo cru, estampa no rosto a pureza e o desejo de um futuro bom, com homens bons, com um país justo...


("Um calouro" - arq. pessoal - fev2012)

     Gosto dos estudantes, dos jovens que aprenderam a escutar, a pensar e a raciocinar... Mas gosto deles principalmente nas ocasiões em que, sentindo-se enganados, falam forte e levantam a voz, indignados.

     Violeta Parra, compositora e cantora chilena, em alguns trechos de “Me gustan los Estudiantes”, retratou muito bem o exemplo que nos dão os estudantes:

“Me gustan los Estudiantes porque levantan el pecho
Cuando les dicen harina sabiéndose que es afrecho.”
(“Gosto dos estudantes porque levantam o peito, porque ‘afrontam as ofertas de farinha’, quando se sabe que ‘o que está sendo oferecido é puro farelo’...”)

     Mais adiante, ainda na mesma canção, ela nos dá um chacoalhão:

“[los Estudiantes] no hacen el sordomudo cuando se presente el hecho” (“os estudantes não se fazem de indiferentes diante dos fatos.”)

     Impossível manter frieza e indiferença diante de versos tão densos:


“me gustan los Estudiantes porque son la levadura
del pan que saldrá del horno
con toda su sabrosura"
(“Gosto dos estudantes porque são o fermento
Do pão que sairá do forno
Com toda sua ‘doçura’”)

Calouros de direito da USP pedem dinheiro no Centro de São Paulo
(Fonte: http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=158940)

     Coloco p’rá tocar “Me gustan los Estudiantes” na voz da Mercedes Sosa, e penso nos estudantes que tenho visto. Não consigo ficar apático. Revejo meus próprios ideais, os ideais de um adulto sentado atrás de uma mesa de escritório... Percebo, humildemente, que posso aprender com esses jovens a resgatar sonhos atropelados...  Sinto-me também no meio da rua, com os pés descalços, pedindo uma moedinha para celebrar com meus amigos um renascimento...

     Mas permaneço aqui, parado, torcendo para que o entusiasmo desses jovens não passe despercebido pelos homens duros, inflexíveis, terrivelmente ocupados, engrenados, fartos em poder, rendidos em ideais.

     Se olharmos bem para esse universo puro contido na cabeça de um jovem estudante, identificaremos muito da capacidade de nos encantarmos que, de alguma forma, apequenou-se no adulto que nos tornamos. Restam os ouvidos atentos para o pedido silencioso de que concedamos a ela – à nossa capacidade de nos encantarmos -  ressurreição e liberdade.

     “Me gustan los Estudiantes – jardin de nuestra alegria”... Cresço em esperanças, como adulto, quando vejo a solidariedade de um jovem estudante para com outro; seus abraços, seus sorrisos, sua alegria, sua receptividade... Observando-os de longe eu me rejuvenesço e me sinto mais próximo deles.

     Envolto nessas divagações eu quero abraçá-los, aplaudi-los e parabenizá-los, rogando para que adulto nenhum desconfie, menospreze ou zombe da força dos seus ideais.