segunda-feira, 10 de agosto de 2015

ENTRE O LABIRINTO E O MAR MORTO


(CLIQUE PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
(Elis Regina - "Cais", de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos)



"Por tanto amor, por tanta emoção, 
a vida me fez assim,
doce ou atroz, manso ou feroz,
eu, caçador de mim"
(Luiz Carlos Sá/Sérgio Magrão - em "Caçador de Mim")


     Na década de 70, pela TV Globo, foi ao ar um programa de entrevistas chamado "Painel"*. Vinícius de Moraes foi um dos entrevistados. Ao ser perguntado quem era o Vinícius que ninguém conhecia, ele assim respondeu:

     - Eu ainda não sei muito bem não. Eu sou um labirinto em busca de uma porta. De saída.

     Essa impressão sobre si mesmo me fez pensar que um ser que se vê dessa forma não se conhece por inteiro, pois está em movimento constante, buscando novas alternativas, novos rumos, novas respostas, novas ideias...

     Pensando bem, convenhamos: "há alguém que se conheça por inteiro?" Se houver, estou certo de que para esse indivíduo a vida perdeu muito de seus encantos - posto que a previsibilidade extingue de imediato o gosto e o prazer na realização das buscas.

     Se a mesma pergunta tivesse sido feita a mim eu teria dito que, daquilo que me conheço, sou tudo o que se espera, exatamente o que me deixo transparecer. E considero esse jeito de ser prá lá de desinteressante.

    Eu, no fundo, admiro seres imprevisíveis, com brilho nos olhos, cheios de posicionamentos, que dizem coisas que despertam ideias e paixões, que surpreendem, superam, descobrem, procuram portas de saída. Que caem e se levantam.

     Pessoas assim, mesmo quando caladas, ensinam que a vida pulsa, que algo está sempre na iminência de acontecer. E a vida, como a vejo, é a expectativa do novo. Esses  seres foram ungidos por algum ente superior. São seres iluminados que a gente gosta de ter por perto.

     Identifico esse jeito inquieto no Vinícius de "Poética I", escrita em 1954:

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.

     Da mesma forma, essa ânsia de vida também está nos olhos de Pablo Picasso em seu autorretrato de 1907:

("Autorretrato", 1907 - Pablo Picasso - Fonte: http://www.xoserivera.com/?attachment_id=2635)


     Mas eu sou do jeito que sou: não tenho certezas ou bandeiras; falo devagar; sou calado e inofensivo. Melancólico por natureza (na definição de Cony**), vivo caçando a mim mesmo. Raros os que têm paciência de me ouvir - ou, esporadicamente, de me ler

     Por isso fico assim, nessas oscilações existenciais, meio que flutuando entre o labirinto e o mar morto.

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* Programa Painel - foi ao ar de agosto/77 a julho/78. 
 A entrevista está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=1TsKPFkuUUk
 
 **Carlos Heitor Cony, em publicação de outubro de 99 na página 2 da Folha de São Paulo ("Nostalgia e Melancolia"), assim escreveu: "Melancolia é a saudade de um tempo que não houve".