terça-feira, 29 de setembro de 2015

A CAIXINHA DE SOM


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
(Yes - "Soon", 1975)

     Outro dia ganhei uma caixinha de som para ouvir as músicas dos meus pen-drives. Adorei o presente. Gostei tanto que, estando em casa, por uma alça, eu a carrego por todos os cômodos.

     Domingo passado, na sala, com a caixinha de som pendurada em minha mão, ouvindo "Soon" e preso a questões metafísicas, o meu filho ficou olhando para ela e para mim, como que tentando decifrar o que estava se passando - tanto comigo quanto com o que saia de dentro dela - daquela caixinha

     Naquele momento o que me veio à mente foi a capa do disco "Every good boy deserves favour" (1971), do grupo inglês "The Moody Blues". Nela um ancião segura por um cordão, ao que parece, um pirilampo, ao mesmo tempo em que um garoto tenta entender a origem e o sentido da luz que ele emite.

     Foi então que compreendi que a caixinha de som não é somente um aparelho que tem a propriedade de "tocar" pen-drives; mas é, especialmente, um tesouro capaz de executar maravilhas que iluminam o meu espírito e que fazem brilhar os meus olhos.

     Ela é, na verdade, a fonte de energia do meu pirilampo. E, quando olho para ela, estou certo de que o menino sou eu.

Foto alba: Every Good Boy Deserves Favour - Moody Blues, The 
(Capa do disco: FONTE - http://www.musicer.net/karaoke-texty-pisni/moody-blues-the/album-55134-every-good-boy-deserves-favour)

domingo, 20 de setembro de 2015

IN MY LIFE



(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
(In my life - Lennon/McCartney - arranjos e execução Dietmar Hermkes)


"cenas do meu filme em branco e preto"
(Rita Lee)


     Gosto de ouvir "In my Life", dos Beatles. Já ouvi diversas gravações dessa canção, com diversos artistas. Vejo nela o retrato daqueles que se tornam adultos e que revisitam sua infância, adolescência e juventude. A letra fala dos lugares que são lembrados pela vida toda; da percepção de que esses lugares sofreram mudanças com o passar do tempo; lembra que alguns desapareceram e que outros continuam iguais. Fala também que cada um deles teve seu momento especial com pessoas queridas, amigos que permanecem vivos na lembrança de quem os teve e tem - apesar de alguns já terem partido.

      Nela, além dos amigos, encontro minha janela, meu quintal, minha mangueira, minha esquina predileta, o bar do massa, a descida da escola, o salão e a piscina do clube, a praça, o cinema...

(Capa do CD "Aqui, ali, em qualquer lugar" - 2001)


     A Rita Lee gravou em português uma versão para "In my life" no disco "aqui, ali, em qualquer lugar" (2001). Chamou-a "Minha Vida". A versão ficou lindíssima... e eu não me canso de ouvi-la.  

(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
(Rita Lee, Roberto de Carvalho e Banda - Minha Vida - versão Rita Lee)



In my Life (Lennon/McCartney)

There are places I remember
All my life though some have changed
Some forever not for better
Some have gone and some remain


All these places had their moments
With lovers and friends I still can recall
Some are dead and some are living
In my life I've loved them all


But of all these friends and lovers
There is no one compares with you
And these memories lose their meaning
When I think of love as something new


Though I know I'll never lose affection
For people and things that went before
I know I'll often stop and think about them
In my life I love you more


Though I know I'll never lose affection
For people and things that went before
I know I'll often stop and think about them
In my life I love you more

In my life I love you more

Minha Vida (versão Rita Lee)

Tem lugares que me lembram
minha vida, por onde andei
as histórias, os caminhos
o destino que eu mudei
 
cenas do meu filme em branco e preto
que o vento levou e o tempo traz
entre todos os amores e amigos
de você me lembro mais

Tem pessoas que a gente
não esquece nem se esquecer
o primeiro namorado
uma estrela da TV
 
Personagens do meu livro de memórias
que um dia rasguei do meu cartaz
entre todas as novelas e romances
de você me lembro mais

Desenhos que a vida vai fazendo
Desbotam alguns, uns ficam iguais
Entre corações que tenho tatuados
De você me lembro mais
De você, não esqueço jamais!


 

terça-feira, 1 de setembro de 2015

A OUTRA MARGEM DO RIO



("Saudade", Mário Palmério)


(Para o meu tio Milim)


"Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: a eternidade. 
Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar a eternidade."
(Guimarães Rosa)



     A visão compreende muito mais do que os olhos podem ver. Não só com o coração, mas também com a mente o invisível ganha seus próprios contornos. Para isso o tempo revela seu sentido. Ele carrega e se encarrega de abrir rugas em nosso rosto, e de depositar nelas as manifestações de vida, alegria e tristeza pelas quais passamos. E quando essas manifestações são tocadas, aquilo que um dia valeu à pena ficar guardado reaparece.

     Quem trafega de Uberaba/MG a São Paulo, pela Anhanguera, pode observar que há, em ambos os lados da pista, pequenas estradas - verdadeiras trilhas encobertas de mata. Mas além da mata, nos pequenos ranchos e casebres escondidos no campo, muita coisa certamente imaterializou-se e ficou estacionada no tempo daqueles para quem cada um desses caminhos e destinos, um dia, foi significativo. 

     Em um determinado ponto da Anhanguera, ainda no município de Guará/SP, pouco antes da ponte que cruza o rio Sapucaí, do lado direito da pista, há uma porteira de madeira que dá entrada para uma dessas pequenas estradas de terra. Não sabe o viajante que a observa que, no final desse caminho, havia um rancho e uma pequena cachoeira.

(Uma porteira à margem da rodovia - fonte: arq. pessoal)

     Por essa estrada de terra passaram muitos homens que conheci: Tio Milim, Sr. Esmeraldo, Budu, Nicola, Maneco, Zé Berto, Dr. Leão, Teruo, Tita, Welson, Sr. Zezinho... Amigos, em dias de manhãs preguiçosas, eles se espremiam em algum veículo, deixavam a cidade, adiavam seus afazeres, e seguiam para a cachoeira. Parecia que nada lhes era mais importante, agradável ou urgente do que celebrar a vida e a amizade.

     Ainda menino, e levado pelo meu tio, algumas vezes fui à cachoeira com esse grupo. Sob um ranchinho de pobreza franciscana, às margens da cachoeira, eles falavam das coisas da vida, cozinhavam, fritavam peixes que haviam pescado, bebiam, declamavam, cantavam valsas, boleros e guarânias. E até que o sol se cansasse, passavam felizes todas as horas do dia. Depois retornavam à cidade.


(Nada lhes era mais importante - foto postada no facebook por Vanderlei Berto)

     Quando transito pela Anhanguera ainda fico procurando porteiras. Há mais de quarenta anos não entro por aquela que leva à cachoeira. Nem sei se ela e o rancho ainda existem - ou se o progresso os fez desaparecer...

     Hoje aqui, aclimatado artificialmente em uma sala 6x4, empetecado de tecnologia, distante da cachoeira e do rancho, recebo e envio abraços e sorrisos virtuais que se apagam e são esquecidos com um click na tela. Cotejo tais sorrisos e abraços com os que vi serem dados de fato por aqueles amigos, em um tempo em que abraço era coisa real e traduzia convívio solidário na amizade. E, sorrindo para mim mesmo, resgato um pouco da minha alegria infantil ao me lembrar da doçura, pureza e simplicidade na familiaridade que existia naquele pequeno paraíso... quando aqueles homens tomavam banho de cachoeira e se reuniam no rancho "do "Yamaguti", às margens do Sapucaí, no final da pequena estrada encoberta pela mata.


(O rancho do Yamaguti - foto postada no facebook grupo fotos antigas de Guará)