sábado, 28 de dezembro de 2013

APRENDENDO COM OS CÃES



(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
("Vida de Cachorro" - Os Mutantes)

- "Um copo de água filtrada ou fervida, uma pitada de sal, e duas pitadas de açúcar. É assim que se faz o soro caseiro" - ensinou-me o veterinário. 

- "Dê a ela seis mililitros a cada meia hora. Para facilitar, use uma seringa (obviamente sem a agulha). Segure o focinho e injete o líquido na lateral da boca da cachorrinha, por entre os dentes. Se ele resistir, chame alguém para ajudar a segurar a cabeça e as patas para conseguir forçá-la a tomar o soro" - orientou-me ele. "Evite dar comida e ela, e vamos observar", concluiu ele aplicando nela um antibiótico e comprometendo-se a retornar no dia seguinte para novamente examiná-la. 

Foi assim que eu e minha filha fomos orientados a tratar nossa cachorrinha - a "Neguinha". Ela, que por algumas semanas estava com uma infecção uterina - porém aparentemente bem -, havia ficado por três dias em um hotelzinho em função de nossa viagem de Natal. Quando voltou para casa, tendo passado o Natal sozinha, estava fraca, apática, sem forças para comer ou beber qualquer coisa. Voltou literalmente entregue.

Deixei a Neguinha sob os cuidados da minha filha e fui trabalhar. Voltei no começo da noite e recebi dela a notícia:

- "Pai, tentei o dia todo dar o soro. A Neguinha não aceitou. Ela resistiu, fechou a boca. Não tinha ninguém para me ajudar... Não consegui..." 

Vendo a Neguinha naquele estado tratei eu mesmo de tomar as devidas providências. Tinha que fazer com que ela aceitasse o soro até mesmo "na marra", se fosse preciso! 

Determinado, peguei a seringa, puxei o êmbolo, e coloquei ali seis mililitros de soro. Sentei-me no chão e arrastei-a para perto de mim. Segurei seu focinho, forcei, apertei, pressionei o embolo... e nada! Tentei várias vezes. Em vão. Ela resistia, chacoalhava a cabeça, e o soro espalhava-se pelo chão. 

Já sem saber como agir encostei-me desolado, na porta da cozinha, e fiquei olhando minha pobre cachorrinha inerte, espalhada pelo chão.

Depois passei a observá-la: ela baixava a cabeça e lambia, do piso, algumas gotas do soro que havia caído...

- "Ora", pensei, "se ela lambe o soro no piso, certamente vai querer tomá-lo voluntariamente se eu o colocar no seu pratinho".

E assim eu fiz. Despejei o soro dentro de seu pratinho e fiquei ali sentado. Ela veio devagarzinho, de mansinho, olhou para mim, e começou a beber o soro. Bebeu todos os mililitros que não havia bebido durante a tarde toda.

Depois disso acendeu-se. Energizou-se. Ficou ao meu lado quando cortei um pedaço de queijo e outro de salaminho. Ofereci a ela um pouquinho de tudo que eu comia, e ela não recusou nada... um pedaço disso... outro daquilo... e mais outro... e mais outro...

Abanou a cauda e foi ao seu pratinho de comida, como que a me pedir para alimentá-la melhor. Não resisti. Abri a geladeira, peguei várias colheradas generosas na carne moída, esquentei no forno de micro-ondas, e despejei tudo em seu prato. 

Nhoc! Comeu até o último pedacinho com a mesma voracidade de sempre!  Em seguida saiu dali. Levantei-me da cadeira onde estava e pus-me a segui-la. Ela dirigiu-se ao banheiro, e tentava entrar no box de banho. 

Pensei um pouquinho e logo entendi a mensagem. Não deu outra! Enchi sua vasilha de água e a coloquei no piso. Ela veio e encharcou-se toda, lambendo até a última gota.

E agora, para minha tranquilidade, está deitada aqui na sala de casa sob a minha cadeira, quietinha. Certamente aguardando que a digestão seja feita.


("Neguinha" - aguardando que a digestão seja feita)

Amanhã será um dia importante para ela, porque será examinada novamente pelo veterinário. Não sei o que lhe será prescrito: remoção cirúrgica do útero? Não sei... Só sei que mesmo na sua fraqueza ainda me ensinou mais essa: ninguém, nem mesmo os animais, gostam de ser forçados a nada... nem mesmo a tomar soro. As coisas acontecem naturalmente, de forma espontânea... e certamente no momento exato que devem acontecer...

("Neguinha")


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

EU E ELA


     Lá em Gramado-RS há uma belíssima igreja construída em pedra: a Igreja Matriz de São Pedro. 

(Igreja matriz de São Pedro, em Gramado-RS - foto: arq. pessoal)


     É claro que, estando lá, fui conhecê-la por dentro. 

(Interior da Igreja Matriz de São Pedro - foto: arq. pessoal)

     A igreja matriz de São Pedro não é muito grande; porém, muito bonita. Fiquei ali dentro parado, olhando todos os seus detalhes. Cansado dos percursos feitos a pé pelo centro da cidade, sentei-me em um de seus bancos para ouvir o silêncio. Gosto do silêncio nas igrejas.


(Sentado, fiquei ouvindo o silêncio - foto: arq. pessoal)

     Muito mais do que pelo cansaço das caminhadas, o motivo maior da pausa necessária foi por ter visitado, pouco antes, uma fábrica de cervejas. Nessa fábrica eram oferecidos seus produtos para degustação, acompanhado de chocolate amargo como tira gosto. Não achei apropriada a combinação. No entanto, na falta de salaminho, queijo, azeitona, mandioca frita, ou churrasco, tive que me conformar e aceitar o que me era oferecido.

(Visita a fábrica de cerveja em Gramado-RS - foto: arq. pessoal)

     O fato é que, na praça da Matriz, estão, lado a lado, as estátuas dos doze apóstolos de Cristo: Pedro, André, Tiago, João, Felipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Tiago, Tadeu, Simão, e Judas Iscariotes.

(As estátuas dos apóstolos - Fonte: arq. pessoal)
 
     Por imposição da minha esposa, que sorria maliciosamente, e para que ela pudesse tirar uma foto, sentei-me em um banco com os apóstolos às minhas costas. Só não notei de imediato que o local onde ela determinou que eu me sentasse tinha o Judas ao fundo. E eu, com leveza de espírito, ali fiz pose para a posteridade.

(Praça da Catedral em Gramado/RS; ao fundo Judas Iscariotes)

     Logo depois tomei conhecimento do plano que ela havia arquitetado; de que o apóstolo atrás de mim não seria nenhum dos ditos bons - nem Pedro, nem André, nem Tiago... Dentre as doze possibilidades, ela fez de tudo para que eu posasse para uma foto com o Judas ao fundo.

     - "Paciência... o Judas também deve ter suas coisas boas...", pensei comigo quando me dei conta da armação.

     E pensando assim comecei a analisar os fatos que ora passo a enumerar.

     Quem foi voluntariamente confessar os pecados na Catedral Metropolitana de Porto Alegre (Paróquia Nossa Senhora Mãe de Deus) não fui eu - foi ela! 


(Catedral de Porto Alegre, RS - vista interna - foto: arq. pessoal)

("Ela, no confessionário da Catedral de Porto Alegre" - RS - foto: arq. pessoal)

     Depois, em passeio pelo Convento de N. Sra. da Penha, em Vila Velha-ES, foi ela quem novamente procurou o confessionário. 

 (Convento de N.Sra. da Penha em Vila Velha-ES - foto: arq. pessoal)

 (Convento de N.Sra. da Penha em Vila Velha-ES: detalhe - foto: arq. pessoal)
("Interior do Convento de N. Sra. da Penha" - Vila Velha - ES - foto: arq. pessoal)

     Não falei nada em momento algum. Fiquei quieto. 

     - "As coisas falam por si mesmas", pensei.

     É porisso que é bom deixarmos a vida fluir naturalmente, procurando compreender tudo o que nos é reservado. 

     Paciência! Paciência com tudo, pois Deus sabe o que faz. Faço a minha parte e, sem exigir nada, deixo que Ele faça a dele. 

     Mas, apesar de todas essas análises e fatos enumerados, bons ou ruins, entre anjos e demônios, tapas e beijos, bronzes e cristais, chocolates e salaminho, a verdade é que seguimos muito bem os dois juntos, sempre em frente... e carinhosamente abraçados... já há 25 anos, completados hoje.

(Eu e ela, no "Lago Negro"- Gramado/RS - foto: arq. pessoal) 

     Prá ela, minha mulher, de quem gosto tanto, uma musiquinha: "Eu e ela". 


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("Eu e ela" - Roberto Carlos)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

SELEÇÃO DE CANDIDATOS



(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
("Paciência" - Lenine)


"O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência" 
(Lenine)


E então nos sentamos em torno de uma mesa comprida. Sete senhores. Na ponta, uma cadeira vazia. Na sala pequena, sob nossos olhares, abre-se a porta e entra um candidato. Jovem, contido, inseguro. Pretende ser escolhido para uma bolsa de estudos. Aguarda, observa, pergunta com o olhar. Depois de sentar-se, e a pedido de um dos sete senhores, começa a ler em voz alta um texto seu previamente elaborado. O texto trata de coisas vagas... Os sete senhores se olham. O candidato termina a leitura. Aguarda comentários - que não são feitos. Pergunta novamente com o olhar perdido... É solicitado para que fale de si. Apresenta-se; apresenta a família, o trabalho, a vida pregressa, os motivos que o movem a concorrer à bolsa. Passa a ser questionado. Cada um dos sete senhores lança diversas perguntas... Nas respostas o candidato despe o seu universo cheio de vida e anseios... Aguarda... Faz-se silêncio. Fim.

     - "Um mundo ficou suspenso no ar", penso. "Será que aquele mundo contribuiu para que cada um dos mundos ali presentes, nas demais cadeiras em torno da mesa, seja reexaminado?", me pergunto. "E se contribuiu para isso, que tipo de transformação esse reexame será capaz de promover?"
 

O candidato levanta-se e agradece. Leva consigo perguntas no olhar. Deixa seu universo exposto.

Um outro candidato entra e ocupa a mesma cadeira. Os sete senhores repetem o mesmo procedimento... 

A cada resposta, a cada mundo desnudado, revejo o meu. Me emociono; revisito antigos ideais e me redescubro...  mas não só me redescubro: me incomodo e me inquieto...

- "Não consigo pensar em mim mesmo sem, no final, sentir um certo desespero" - disse uma vez Clarice Lispector em um dos seus livros...

Tomo um gole de água e retomo minha lucidez. 

Formulo e faço perguntas aos candidatos... Refaço-as, silenciosamente, a mim mesmo. 

     - "Não tenho respostas prontas... e nem sei se saberia responder as perguntas formuladas pelos demais senhores", penso.

Sem que possam me ouvir, agradeço a cada um dos candidatos por me permitirem conhecer seu mundo; agradeço por me mostrarem o quanto somos iguais em nossas diferenças e o quanto precisamos uns dos outros para nos ampararmos.

E continuo pensando...

     - "O que será de cada um desses jovens? O que será desses senhores? O que será de mim? O que será...?"

No final, com todos reunidos na mesma sala, e desejando que sejam felizes independentemente de resultados, com muita gratidão me despeço de cada um com um aperto de mão... e com mil outras perguntas que só o tempo é capaz de responder...

sábado, 23 de novembro de 2013

DAY AFTER DAY (COM OU SEM GRIPE)


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(Badfinger - "Day after day", de Pete Ham - álbum "Straight Up", de 1971) 

Fui a uma reunião formal ontem à noite. Ao meu lado sentou-se um senhor que estava gripado, com a voz rouca, e espirrando muito... e eu não tinha como sair dali. 

- "Pronto", pensei... "Fodeu! vou pegar essa gripe"!

E passei a reunião toda testando minha garganta com a sensação de estar sendo invadido pelo vírus. Eu sei lá, mas achava que, tossindo, poderia estar combatendo e me livrando de todo aquele mal - pelo menos queria acreditar nisso.

Quando precisei falar algo, nem me ative para o seu conteúdo. Eu estava certo de que meu posicionamento naquele momento seria o menos importante, pois o que interessava mesmo era colocar para fora aquele tremendo mal que poderia estar querendo se instalar no meu corpo... e atrapalhar meus planos.

Ao vir embora prá casa, já de madrugada, coloquei prá tocar no carro uma coletânea de músicas. E vim cantando. Tomei o cuidado de deixar arreganhadas as janelas para ir me livrando do vírus que ia expelindo garganta à fora enquanto me esgoelava lá dentro... 

Em um determinado momento, no trajeto, entrou "Day after day" na sequência de músicas... Aumentei o volume e continuei cantando... mais forte e mais alto ainda, feito um adolescente... 

Antes de guardar o carro passei em frente de casa - um prédio de dez andares - umas três vezes. Tudo isso para poder ouvir repetidas vezes essa mesma música... Os moradores do meu prédio e dos prédios vizinhos que me perdoem pelo volume do som, mas confesso minha culpa - e espero que me compreendam.

E tudo isso porque no sábado vou estar com um grupo de amigos. Certamente vamos ouvir, cantar e tocar muita música boa. E "Day after day" é uma das que estará no repertório... 

Porisso solicito ao Tião e aos meus amigos que eventualmente venham a ler essa publicação que digam ao João, à Cláudia e ao Nanão, que ensaiem 'essa'... e que deem a letra em inglês 'pro' Zé Américo...".) 

Bom... Mas aí cheguei em casa. E a preocupação aumentou! 

- "Se não ficar gripado por causa da gripe daquele senhor, vou ficar gripado por causa do vento frio que me veio pela janela aberta do carro...", pensei.

- "Porque não segui as recomendações da minha mãe que sempre me orienta para que eu não tome gelado, não pise com os pés descalços no chão, e não fique exposto ao vento frio?"

- "Caraio!"

Antes de me deitar falei com a minha mulher a respeito da minha preocupação. Ela, sabiamente e clinicamente me acalmou:  

- "Fica frio, você não vai ficar gripado... tudo isso é só a sua expectativa para poder estar bem para encontrar seus amigos e poder cantar com eles"

Bom, as preocupações diminuíram... mas ainda precisam sumir. Preocupações tolas à parte, o importante mesmo é que no próximo final de semana, com gripe ou sem gripe, com vento ou sem vento, calçado ou de pés no chão, afinado ou desafinado, em algum lugar nesse mundo um grupo de amigos vai estar reunido, cantando e tocando um repertório com muita música boa... "Day after day", do grupo inglês "Badfinger", inclusive... 

- "E vai ser bom 'prá caraio'!"

(Nanão, Zé Américo, eu, João - 2012 - foto: arq. pessoal)

terça-feira, 19 de novembro de 2013

DIA DA BANDEIRA



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(Hino à Bandeira Música de Francisco Braga; letra de Olavo Bilac - Violão: Marco Aurélio Monteiro - fonte: http://www.youtube.com/watch?v=s_Qd3qjQp08)



     Nas manhãs de sábado nos juntávamos em frente ao portão de entrada. Diretor, alunos, professores, funcionários, todos ali, de pé, aguardando em silêncio. Sem microfones ou caixas de som o diretor abria a cerimônia. Fazia seus cumprimentos, dizia algumas palavras relativas à nossa vida escolar, e convidava um de nós -  alunos - para proceder ao hasteamento da bandeira. 

     Na sequência cantávamos o Hino Nacional...
  
     Naquela hora, observando os gestos, a postura e o semblante dos meus  mestres de ginásio à minha frente, pensava nos valores que tanto eles quanto o hino e a bandeira nacionais me inspiravam...   


("Hino à Bandeira" - Eliseu Visconti, 1940
fonte: http://farm7.staticflickr.com/6059/6242085172_fe10893d8b_z.jpg)


     Depois, éramos convidados a nos dirigir às salas de aula... 

     - "O que me ficou disso tudo?", eu me pergunto.

     Não sei... Sempre acreditei que minha pátria é minha família, e que ela se encontra onde se encontra o meu coração...

     Mas hoje de manhã, ainda deitado, ouvi pelo rádio um locutor saudar a bandeira pelo seu dia:

"Bandeira do Brasil (...) inspira-nos, sempre, com tua divisa Ordem e Progresso, fonte asseguradora da fraternidade e da evolução, ideais supremos da humanidade na marcha infinita através dos séculos. E recebe (...) o compromisso de fidelidade no serviço dos supremos interesses do grande País, de que és Símbolo Augusto, pleno de generosidade e de nobreza."

      E após pronunciar essas palavras, com tanta emoção, pôs para tocar o Hino à Bandeira*.

Salve, lindo pendão da esperança,
Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.
(REFRÃO)
Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul,
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Sul.

(REFRÃO)

Contemplando o teu vulto sagrado,
Compreendemos o nosso dever;
E o Brasil, por seus filhos amado,
Poderoso e feliz há de ser.

(REFRÃO)

Sobre a imensa nação brasileira,
Nos momentos de festa ou de dor,
Paira sempre, sagrada bandeira,
Pavilhão de Justiça e do Amor!       
 
     Ouvindo esse hino e essas palavras serem ditas, pensei no país que ainda precisa ser construído... Lembrei-me dos meus mestres de pé em frente à escola, braços distendidos no prolongamento das pernas, alguns com a mão direita aberta no lado esquerdo do peito, o olhar no horizonte...

     E ao me lembrar dessas coisas fiquei com a sensação de estar ouvindo alguém a me dizer: 

     - "Vamos lá, meu caro, levante, faça a sua parte. Você também pode ajudar a construir o nosso país...

domingo, 10 de novembro de 2013

DOIS CEDROS TOMBARAM: UM NO LÍBANO, OUTRO AQUI


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ)
(Wadih el Safi)
https://www.youtube.com/watch?v=_S3RVhPBp2M



Foi-se Wadih El Safi*.
Casou-se no Brasil, onde viveu de 1947 a 1950.
Sua voz marcou o Líbano.
Ficou na lembrança dos que o ouviram,
ficou na vitrola da casa da minha avó.

Foi-se um admirável imigrante libanês.
Viveu em Guará, teve esposa, filhos, muitos amigos.
Deixou exemplos e histórias.
Levou sua alegria.

Antonio Abboud** foi morar, para sempre, na eternidade.


(Antonio Abboud - "Levou sua alegria" - foto: arq. pessoal/2012)

(Abboud e eu, em evento na AAG - foto: arq. pessoal/2012)

* Wadih El Safi - cantor libanês - faleceu em 11/10/2013
** Antonio Abboud - guaraense, faleceu em 06/11/2013

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

SEIS DE NOVEMBRO


(Eu e Eduardo - minha formatura, em julho de 1982 - arq. pessoal)*

Pois é... seis de novembro... dia de um sujeito muito alegre e cheio de vida. Aniversário do meu primo Eduardo: "Eta cara bão!

Hoje, em algum lugar, um grupo de amigos e parentes estará reunido para celebrar o seu dia. Estou certo de que haverá música, cerveja e alegria.

Estarei presente também, em pensamento, nos votos de muitas felicidades e no grande abraço que envio a ele.

- 'Duardo, meu primo, um grande abraço!... a você, aos parentes, e aos seus companheiros da animadíssima "Turma do Bebel"! 

(Turma do Bebel - grupo cheio de vida, com o Eduardo na percussão) 

* Não é por causa do uísque e do Campari (cujas garrafas estão em nossas mãos) que a foto insistiu em ficar como ficou... mas única e exclusivamente porque foi escaneada assim e não consegui girá-la em 90 graus.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

RENASCER EM MARRAKECH


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR ENQUANTO LÊ
LEIA DEVAGAR... PENSE NO QUE FOR LENDO)
(Handel - Sarabande)

"A arte de viajar é uma arte de admirar, uma arte de amar. É ir em peregrinação, participando intensamente de coisas, de fatos, de vidas com as quais nos correspondemos desde sempre e para sempre. É estar constantemente emocionado - e nem sempre alegre, mas, ao contrário, muitas vezes triste, de um sofrimento sem fim, porque a solidariedade humana custa, a cada um de nós, algum profundo despedaçamento."
(Cecília Meireles, na crônica "Uma hora em San Gimignano") 

     Imagine-se renascendo, encarando tudo pela primeira vez. Mas, com uma grande diferença: tendo a capacidade de observar, de raciocinar e de se submeter a transformações. 

     Pois foi assim que se colocou o escritor Elias Canetti*, conforme conta em seu livro de crônicas de viagem intitulado "As vozes de Marrakech"**. 

     Sem conhecer a língua, os costumes, os valores, a cultura; e ainda sem ter lido previamente manuais, guias, roteiros de viagens ou reportagens, ele foi parar em Marrakech, no Marrocos. Foi para lá com o intuito de observar e conhecer o efeito de uma realidade sobre si mesmo. E lá se instalou por algum tempo. 

(Mapa de Marrocos, noroeste da África - localização de Marrakech - http://www.quadrodemedalhas.com/olimpiadas/marrocos-jogos-olimpicos.htm)

     Em Marrakech caminhou pelas ruas, praças, becos e mercados. Mesmo que sujeito à incomunicabilidade, ele conta seus passeios por Djema el-Fna - uma grande praça local. 


(Djema el-Fna - fonte: http://www.voyagesphotosmanu.com/jemaa_el_fna_nacht.html)


     Ali, dentre muitas outras coisas, ele foi atraído pelos grunhidos constantes que ouvia de um "excluído" em meio a uma praça movimentada e barulhenta; deteve-se demoradamente diante de uma mulher que falava do alto de uma janela para uma multidão indiferente às suas palavras; parou diante de um cego para observá-lo mastigar um bagaço de laranja; e ouviu algo parecido com uma benção sendo proferido por um mendigo, também cego, que colocara uma moeda na boca para adivinhar seu valor.

(Canetti em Marrakech, em 1954
fonte: http://hupomnemata.blogspot.com.br/2009/08/as-vozes-de-marrakech-de-elias-canetti.html)

     Em uma das crônicas conta que sentiu-se ridículo ao caminhar por um cemitério onde nada se elevava acima do solo - simplesmente porque não havia ali como devanear. E concluiu esse raciocínio comparando aquele cemitério com cemitérios em outras partes do mundo onde há muitas coisas vivas - plantas, pássaros etc  - que garantem a alegria dos que vivem - pois que dentre tantos mortos, "sente-se reanimado e fortalecido" [com as manifestações de vida], diz ele.

     Engraçado que, enquanto lia essa crônica, lembrei-me de uma seringueira de tronco enorme bem em frente ao cemitério de minha terra natal. Talvez ela, especificamente naquele local, por capricho da natureza, sirva para dar vida aos pensamentos de quem a observa...

(O tronco e as raízes da seringueira - fonte: arq. pessoal)

     E quem se deixa expor a tanta coisa nova, na condição de observador, sente também que tem necessidade de um tempo consigo mesmo - necessidade que, na crônica "O silêncio na casa e o vazio dos terraços", Canetti admite ter.

     Analisando as experiências do Canetti no Marrocos, fico pensando em como eu as teria vivido. Gosto de ficar atento aos contornos e à arquitetura de prédios; de criar uma certa cumplicidade com os lugares; de pensar nas pessoas que passam, nos seus tipos, e no que nos transmitem ao simplesmente passar. Tudo isso sem me preocupar com o tempo. Gosto também de fazer anotações para, depois, estando só comigo mesmo, poder lê-las. Por isso penso que passaria um bom período nas ruas e nos lugares movimentados, e outro período pensando e fazendo comparações desses lugares com os que conheço.

     Imagino o quanto observar e compreender pode reordenar prioridades em nossas vidas. "Viajar é sempre uma auto descoberta", diz Michel Laub na apresentação do livro do Canetti. Mas viajar quando há o encontro com "o outro" é um renascer - acrescento.

     Da leitura das crônicas do Canetti, percebi que sua atenção esteve o tempo todo voltada para as coisas simples e primárias: sons, pequenos gestos e manifestações humanas. 

     Com isso em mente, guardei do livro a mensagem da necessidade que temos em manter um certo distanciamento dos modelos culturais que adquirimos ao longo da vida para podermos compreender sem julgar. Acredito que somente desprovidos de tais modelos - que são verdadeiros bloqueios - estamos prontos para descobrir as pessoas e as diferentes visões de mundo que nos surgem. E é a partir daí que ocorrem as aberturas para a aceitação do "outro"... para a (re)avaliação de nossas próprias convicções, para as redescobertas, e, consequentemente, para o nosso próprio renascimento.

____________________________
* Elias Canetti (1905-1994) - escritor búlgaro, premio Nobel de Literatura em 1981.   
** Canetti, Elias. As vozes de Marrakech. São Paulo: Cosac Naify, 2006 (Ed. original Carl Hanser Verlag, 1968)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

EVA CASSIDY


 
Eva Cassidy
fonte: http://zenekucko.blogspot.com.br/2008/04/eva-cassidy-live-at-pearls-annapolis-md.html

     Em geral a gente começa a gostar de um cantor em função de alguma música sua ter a magia de nos remeter a algum momento importante de nossas vidas. Quanto a mim, já há algum tempo, tenho sentido dificuldade em encontrar essa identidade nos novos artistas. Ando meio travado e ranzinza em matéria de descobertas. 

     No entanto minha mulher outro dia comentou em casa que um escritor mencionou em um de seus livros uma cantora norte-americana - Eva Cassidy -, e perguntou-me se eu a conhecia. 

     - "Nunca ouvi falar", respondi.

     Mas o nome ficou em minha cabeça e eu logo fui pesquisar. Encontrei uma cantora delicada, com grande expressão vocal, um jeito meio tímido, e que frequentemente acompanha-se ao violão.

(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR)
(Eva Cassidy - "Time after time" - de Cindy Lauper/Hyman)


     A primeira gravação dela que ouvi nessas pesquisas foi "Early morning rain" - música dos anos 60 eternizada pelo trio "Peter Paul and Mary". Gostei de imediato! Procurei encontrar alguma outra gravação sua e logo encontrei "Kathy's song" - maravilhosamente gravada pela dupla "Simon and Garfunkel"... e pela Eva Cassidy.

     - "Poxa, como não gostar?", perguntei a mim mesmo, desafiando a minha própria rabugice.

     A verdade é que não foi necessário mais nada. Pedi ao meu filho que providenciasse para mim, com urgência, uma coletânea da Eva Cassidy. E essa coletânea passou a ser uma constante nas seleções musicais que tenho ouvido enquanto estou no trânsito. 

     Descobri também, nessas pesquisas, que seus trabalhos se encerraram em 1993. Vítima de câncer, Eva faleceu aos 33 anos.

     Apesar disso, pelo menos para mim ela nasceu há pouco tempo. E ainda tenho muito que descobrir do trabalho que ela deixou... 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

VINÍCIUS DE MORAES, CEM ANOS

 
Se estivesse vivo, o Vinícius de Moraes estaria completando cem anos amanhã, 19 de outubro. A respeito dele muito já foi dito, escrito, lido, cantado, estudado... Eu não poderia acrescentar mais nada. 

Por isso, não me animei em fazer qualquer postagem aqui no blog à respeito dele. Ficaram comigo os meus pensamentos em relação à data. Aliás, ficariam... 

Ainda agora, começo de noite, vindo da rua e entrando no meu escritório para pegar minha bolsa e começar o final de semana, ouvi - não sei vindo de onde - os acordes da "Valsa de Eurídice".

Como não sou insensível a esses sinais, antes de sair peguei na estante um dos livros do Vinícius, abri-o em uma página qualquer, e li para mim mesmo em voz alta o primeiro poema que encontrei: "A Terra". Seria minha singela homenagem a ele... 

II - A TERRA*


Um dia, estando nós em verdes prados 
Eu e a Amada, a vagar, gozando a brisa 
Ei-la que me detém nos meus agrados 
E abaixa-se, e olha a terra, e a analisa 

Com face cauta e olhos dissimulados 
E, mais, me esquece; e, mais, se interioriza 
Como se os beijos meus fossem mal dados 
E a minha mão não fosse mais precisa. 

Irritado, me afasto; mas a Amada 
À minha zanga, meiga, me entretém 
Com essa astúcia que o sexo lhe deu. 

Mas eu que não sou bobo, digo nada... 
Ah, é assim... (só penso) Muito bem: 
Antes que a terra a coma, como eu.  

Caraca...! Mas esse Vinícius era danado mesmo! 

Pensando bem, é um ótimo começo para o final de semana... Como é bom ficar relendo suas coisas... 

Mas não resisto: mesmo tarde - e antes de ir embora -, abro o computador e venho homenageá-lo aqui nos seus cem anos. 

E no embalo dos versos acima, aqui vai um papo descontraído do Chico com o Toquinho. Eles comentam o que o Vinícius disse que queria de diferente em si mesmo se pudesse voltar à vida depois de sua morte...



(CLIQUE PARA ASSISTIR)


* De "Os Quatro Elementos" - escrito em Montevidéu em 1960

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O PROFESSOR


Professores do CENE Mal. Rondon  -entrega de diplomas anos 70
foto: postada por Marilúcia R. Caixe no facebook

"O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme,
Cansado das canseiras desta vida.
O professor vai sacudi-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O professor baixa a voz,
Com medo de acordá-lo."
(Carlos Drummond de Andrade)


Ele entra, olha...
Alguns o percebem, outros riem;
outros, ainda, cochilam...

Ele cumprimenta, fala, pede... 
Alguns ouvem, alguns retribuem os cumprimentos com o olhar;
poucos atendem...

E com muita paciência,
sem perdê-la e sem perceber,
mesmo com a indiferença,
mesmo com as adversidades da vida, 

sua postura, sua educação, sua maturidade, sua maneira de olhar,
seu jeito respeitoso de compreender seus alunos e suas carências,
vão transmitindo em silêncio, e de forma natural, 
os valores universais que só o exemplo ensina.  



Cerimônia entrega de diplomas no CENE Mal. Rondon - anos 70
postada por Áureo no facebook


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Lulu - "To Sir, with love"
https://www.youtube.com/watch?v=EV1qmmMwc9M


To Sir With Love (Black/London)

Those school girl days
Of telling tales
And biting nails are gone
But in my mind
I know they will still live on and on
But how do you thank someone
Who has taken you from crayons to perfume
It isn't easy, but I'll try

If you wanted the sky I'd write across the sky in letters
That would soar a thousand feet high
To Sir, with love

The time has come
For closing books
And long last looks must end
And as I leave
I know that I am leaving my best friend
A friend who taught me right from wrong
And weak from strong
That's hard to learn
What, what can I give you in return?

If you wanted the moon I'd try to make a star
But I would rather you let me give my heart
To Sir, with love
Ao Mestre, Com Carinho

Aqueles dias de estudante
De contar historias
E de roer unhas, se foram
Mas em minha mente
Sei que sobreviverão para sempre, sempre
Mas como vc pode agradecer alguém
Que te tirou dos lápis de cera para o perfume
Não é fácil, mas eu vou tentar

Se você quisesse o céu, eu escreveria sobre o céu com letras
Que planariam a mil pés de altura
Ao Mestre, com carinho

Chegou a hora
De fechar os livros
E os olhares demorados devem acabar
E enquanto eu os deixo
Eu saberei que estou deixando meu melhor amigo
Um amigo que me ensinou o certo do errado
E o fraco do forte
É bastante para aprender
O que, o que eu posso lhe dar em troca?

Se você quisesse a lua eu tentaria fazer uma estrela
Mas eu gostaria que você deixasse lhe dar meu coração
Ao Mestre, com carinho


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* "To Sir, with love" (Ao mestre, com carinho) - Reino Unido/1967 - Dir. James Clavell.

 (Profª Therezinha Deise e seus alunos - Grupo Escolar de Guará)