terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O BRASIL DO JOÃO GILBERTO - E O MEU


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(João Gilberto e Bebel Gilberto - "Diga", de V.Paiva e D.Batista)


A música do João é o retrato primoroso de um país pacificado.

O Brasil do João é simples, é dócil, é perfeito; 
o Brasil do João é garboso, é alegre, é vencedor; 
o Brasil do João é afável, é carinhoso, é encantador. 

O Brasil da voz e do violão do João Gilberto é a mais perfeita representação da delicadeza que anda esquecida; é onde tem morada a semente da solidariedade. 

O Brasil do João é o país no qual quero viver.


Divulgação
Foto: http://www.metropoles.com/entretenimento/musica/joao-gilberto-faz-85-anos-recluso-o-artista-alimenta-a-aura-de-mito

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

ABBEY ROAD RURAL


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("Mr. Moonlight" - com o DUOFEL)


     A capa do disco Abbey Road dos Beatles é célebre - como célebres são os Beatles. Nela, o "quarteto fantástico" atravessa Abbey Road, em Londres, por uma faixa de segurança.


Capa do "Abbey Road"


     Minha amiga Guta publicou hoje de manhã, no facebook, uma leitura da famosa capa em versão rural: quatro galinhas atravessando o caminho da roça.

     Linda !

Resultado de imagem para quatro galinhas atravessando abbey road 
(imagem publicada pela minha amiga Guta no Facebook)
Fonte: https://www.pinterest.pt/ebalches/abbey-road/

     Adorei a publicação. Afinal, morro de amores pelos Beatles e também já tive o privilégio de atravessar a famosa rua pulando feito menino - e com o coração batendo forte.

(cruzando Abbey Road - foto: arq. pessoal - abril/15)

     Sou do interior; sou de Guará, uma cidadezinha onde há muitos caminhos de roça... por muitos dos quais já passei... E os Beatles, fantasiosamente, também! Pois o Philippe Kientzler** registrou muito bem o dia em que eles lá estiveram. Nesse dia imaginário, os Beatles atravessaram uma das ruas da cidade - a Rua José Bonifácio, creio eu. Os que os viram dizem que eles - os Beatles - estavam procurando o João, o Manu, o Zé Américo, o Zé Rubens e o Zé Bini, para irem "fazer um som" lá no quintal da casa do Daniel - o Dié.

(O dia em que os Beatles estiveram em Guará - postada por Regina Coelho no facebook - arte de Philippe Kientzler)

     E, como a travessia de Abbey Road, a travessia do caminho da roça, a minha travessia, e a travessia dos Beatles de uma das ruas de Guará foram feitas à luz do dia, faço essa postagem pensando na versão rural de "Mr. Moonlight*" gravada pelo Luiz e pelo Fernando (o DUOFEL)... e fico imaginando todas essas travessias sendo feitas sob a luz do luar... a luz do luar descrita nessa mesma canção - e que, inevitavelmente, pede a poesia de um "luar 'de' sertão".

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*"Mister Moonlight" (senhor luar) - é uma canção composta por Roy Lee Johnson que foi gravada pelos Beatles e lançada por eles no álbum "Beatles for Sale", de 1964.
**Philippe Kientzler - francês que, por questões afetivas, está sempre em Guará 

domingo, 20 de dezembro de 2015

A ÁRVORE


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("White Christmas" - de Irving Berlin)

     A árvore, quando devidamente cultivada, cresce, ganha força e se desenvolve. Daquela sementinha que foi um dia um simples anseio sobe um tronco, abrem-se galhos, dependuram-se folhas e pendem dela os frutos. 

     Em gratidão ela retribui com sombra, beleza e energia. A um leve sopro de vento suas folhas dançam em movimentos desiguais, como que procurando acenar com alegria para aquele que a observa.

     Depois de crescida, independente da nossa existência ou atenção, a árvore permanece assim, altiva, deslumbrante - e necessária.

(Ipê Amarelo na Rodovia Anhanguera - foto: arq. pessoal)

     As vezes, de uma forma simbólica, não partindo de uma semente viva, uma árvore cresce, dá folhas, flores e frutos: planta-se um tronco de madeira morta e a árvore vai se formando em folhas de papel-cartão com frutos que vão chegando a ela em forma de mensagens escritas. O número de galhos e de frutos se faz na mesma proporção da consideração que temos pelas pessoas que passam pela nossa vida. Como os frutos nos alimentam o corpo, as mensagens nos alimentam a alma.

     O tronco morto é a semente pela renovação da amizade. Viajando de um endereço a outro chegam cartões em todas as cores e tamanhos, contendo mensagens manuscritas que vão se instalando ali, naquele tronco que um dia foi apenas um anseio. As mensagens traduzem a estação da vida de cada um dos remetentes. E àquele tronco são atadas fitas de cetim que simbolizam os galhos. Ao longo deles vão pendendo cartões, mensagens, saudações, relatos, poesias, histórias de vida, esperança, votos de saúde e de um Natal feliz.


(Minha mãe e sua árvore de amigos e mensagens)

     Todos os anos, desde o início do mês de Dezembro, minha mãe planta em sua sala de estar uma árvore assim. A meus olhos, o tronco de madeira tem as dimensões de um tronco de mangueira; galhos de cetim, tantos quanto os de um velho e imponente flamboaiã, nele vão sendo implantados no correr dos dias. Essa árvore torna-se colorida pelos seus galhos e pelas suas folhas. Estas, acenando dezenas de mensagens de amizade enviadas a ela por vizinhos e amigos cultivados ao longo do tempo, são os frutos que produzem a energia que a nutre com anseios de vida. Cada cartão que chega a ela pelo correio é motivo de festa e um renascer de alegrias.

     Quisera eu plantar em minha casa uma árvore simbólica dessas. Ainda conservo a ilusão de que muitas seriam as folhas e os frutos que seriam implantados nela - pois tenho muitos amigos, todos imprescindíveis.

     Mas ando meio desleixado. Por sinal dos tempos minha árvore tem nascido e crescido virtualmente com apenas um ou dois cliques. É evidente que os cliques podem gerar um fruto e encantar. Oxalá eu me dispusesse a me organizar e enviar mensagens de Natal com letras manuscritas em folhas-cartão postadas no correio. Elas poderiam mostrar assim, pelo reflexo do tempo revelado em minha caligrafia, minhas verdades que vão além do texto. Estaria assim deixando que os meus filhos, meus amigos, e os filhos de meus amigos percebessem o prazer da amizade ao verem e lerem mensagens expostas nas árvores montadas dessa forma. 

     Comprei algumas dezenas de cartões de Natal pensando em escrever mensagens e enviá-los pelo correio. Não escrevi nenhuma. Ficaram em branco. Cheguei... bom... acho que chegamos a um tempo em que não enviamos mais cartões. Substituímos um delicado costume antigo pela agilidade padronizada da tecnologia, e guardamos somente para nós mesmos as mensagens eletrônicas enviadas e recebidas...


(Ipê-roxo com seus anseios na Rodovia Anhanguera - foto: arq. pessoal)  

     Mas não gosto de lamúrias. Não quero ficar aqui resistindo à praticidade das coisas. Utilizo e fico maravilhado com tudo o que a tecnologia proporciona. Só lamento nunca ter plantado em minha sala de estar, na época do Natal, uma árvore de amizades e mensagens.

     Hoje, acomodado com a agilidade nas comunicações, fico pensando nos meus parentes e amigos. E enquanto clico mensagens, vou escrevendo à caneta o nome de cada um deles em uma folha do meu caderno. 

     Com isso espero que, neste Natal, todos aqueles a quem quero bem estejam felizes; que, aquecidos por abraços familiares, estejam se fartando de saúde.

     Desejo, enfim, um Feliz Natal a todos! E, muito especialmente, àqueles que por intermédio dos muitos cartões que penderam dos galhos das árvores cultivadas nos Natais pela minha mãe ao longo dos anos me mostraram o delicioso sabor do fruto da amizade.

(Flamboaiã em Araguari/MG - foto: arq. pessoal)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O MEU VIZINHO



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(Glenn Miller - "Moonlight Serenade")



Ao "Seu" Arthur

     A cada vez que mudamos de endereço ganhamos novos vizinhos. E por capricho do acaso ou acaso na escolha, estamos sujeitos a ter perto da gente vizinhos com o mais variado perfil.

     Desde que precisei sair de casa para estudar, e até hoje, tive diversos tipos de vizinhos: bons, ruins, indiferentes, belicosos, ausentes, próximos e distantes. Seria um privilégio poder ter sempre um vizinho capaz de inspirar sentimentos bons, ou que pudesse proporcionar estímulos de vida e sabedoria pelo simples fato de ser vizinho e desenvolver algo interessante que pudesse ser visto em sua rotina de vida.

     Pois enquanto menino fui privilegiado pelo vizinho que tive. Morávamos - meus pais, minha irmã e eu - em uma casa que era (e ainda é) separada da casa do vizinho por um pequeno corredor. Ali vivia um maestro* com sua esposa. Da janela do quarto dos meus pais eu olhava sua sala de trabalho, por onde passavam estudantes que pouca ou nenhuma oportunidade de estudar música teriam em qualquer outra cidade - mas que, a custo nenhum, eram alunos do meu vizinho.

     Estando em casa, muito do meu tempo eu passava na biblioteca do meu pai. Ali, entre figurinhas do Príncipe Valente e ilustrações dos grandes enigmas do universo trazidos pela enciclopédia "Trópico", eu ficava ouvindo solfejos e notas de clarineta, acordeon, piano, saxofone, trombone e violão.

     No fundo de minha casa, da janela do meu quarto, eu podia ver o meu quintal e o quintal do meu vizinho. Debruçado nela eu acompanhava os ensaios noturnos semanais de sua orquestra, ...

("Bini e sua Orquestra" -baile de gala- foto postada por João Palma no facebook. Fonte: Walter Simões)

... dos grupos musicais por ele montados para animar bailes de carnaval, ...

("O Grupo de Carnaval" - o meu vizinho é o 7º da esquerda para a direita - foto postada por João Palma no facebook)

... e de sua banda que enchia de alegria a cidade quando saía pelas ruas tocando marchas, hinos e dobrados.

("A Banda - antigos integrantes" - fonte: Ivete Berto, postada no facebook)
 
     Hoje meu vizinho do norte é o espaço aéreo da rua onde moro; o do sul, um senhor de olhar vazio que murmura um "bom dia" protocolar sempre que  me vê no elevador; o do leste, duas senhoras misteriosas e carrancudas que têm cara de mal-estar e nunca sorriem; a oeste, o apartamento está fechado há anos e nunca vi ninguém ali. No andar de cima meu vizinho é um militar aposentado que, de forma arrogante, mal me cumprimenta; no de baixo,  um casal que nunca vejo e que por terem um filho recém nascido, reclamam de todo e qualquer som emitido no condomínio depois das dez da noite - conforme me contou o zelador. Do apartamento de qualquer um desses vizinhos nunca ouvi uma música sequer. 

     Com esse peso em todos os pontos cardeais, quero ainda um dia promover uma grande festa em minha casa. Meus convidados serão esses meus vizinhos. Quero poder contar a eles do vizinho que tive. Tenho o desejo e a ilusão de que esses meus vizinhos atuais, ao me ouvirem contar a história de meu vizinho antigo, irão se levantar de suas cadeiras e me abraçar com sorrisos largos, pedindo que eu coloque um disco do Glenn Miller para podermos dançar ao som de sua música, beber, rir alto, e celebrar a vida. E nós assim, em uma tremenda celebração de boa vizinhança, dançaremos em memória do vizinho genial que um dia eu tive. Um vizinho que, além de ter tido a paciência de ter me ensinado as primeiras notas e acordes de violão,...

('Meus primeiros acordes" - 1966 - foto: arq. pessoal)

... tornou-se doce lembrança... E, merecidamente, nome de escola na minha inesquecível cidade de Guará: a "Escola Técnica de Artes Maestro Arthur Affonso Bini".    

(Escola Técnica de Artes Arthur Affonso Bini - Fonte: http://www.megainterior.com.br/portal/?pg=noticia&id=593 - por Laurel Lopes)


* além de maestro foi empresário: dono de loja de móveis, vidraçaria e funerária.