quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

THE SUNSHINE OF LOVE

RP, 30JAN13

Gosto muito de "The Sunshine of Love" - música gravada pelo Louis Armstrong em 1968. Quando a ouço, a imagem que me vem é de alguém que chega sorrindo e enche de alegria o meu coração e todo o universo ao meu redor.

("The Shunshine of Love", de Whitcup/Gierlach/Thiele. Gravado por Louis Armstrong no disco "What a Wonderful World", de 1968)

Quero dedicar essa música à minha Gata, no dia em que ela foi ao Mercado Municipal e me trouxe castanhas-do-pará, damascos, amêndoas torradas, uvas-passas, e cerejas em calda.

("A minha Gata" - fonte: arq. pessoal)





THE SUNSHINE OF LOVE
(Louis Armstrong)

Where there is sunshine, oh that's where you are
Where there is laughter, then you can't be far
You're in my dreams every night
Oh how I long to hold you tight, I need you

I'll follow you dear from here to a star
Your lips are honey but sweeter by far
From now till forever I'll keep dreamin' of
You and the sunshine of love (the sunshine of love)

Where there is sunshine, oh that's where you are
Where there is laughter, then you can't be far
Yes, you're in my dreams every night
Mmm, how I long to a-hold a-you tight

I'll follow you dear from here to a star
Your lips are honey but sweeter by far
Yes now until forever I'll keep dreamin' of
You and the sunshine of love


A LUZ SOLAR DO AMOR
(Louis Armstrong)

Onde houver luz solar, é onde você está
Onde houver sorrisos, você não pode estar longe
Você está nos meus sonhos todas as noites
Eu desejo muito te abraçar forte, eu preciso de você.

Eu vou te seguir, querida, desde aqui até as estrelas
Seus lábios são mel, mas muito mais doces
Desde agora e para todo o sempre
Eu vou ficar sonhando
Com você e com a luz solar do amor

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

TOM JOBIM: O ÚLTIMO DISCO


(Capa do disco "JOBIM - Antônio Brasileiro" - 1994. Fonte: 300discos.wordpress.com)


                                                                                                      Breve é o dia
                                                                                                      Breve é a vida
                                                                                                      De breves flores
                                                                                                      Na despedida
                                                                                                       (Tom Jobim)


     Dia 25 de janeiro é aniversário da cidade de São Paulo. Mas é também o dia do aniversário de nascimento de Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim - o Tom Jobim. Se estivesse vivo, ele estaria completando hoje* 86 anos.

     Comecei e me interessar pelo trabalho do Tom quase no final da década de 60, quando, ainda menino, fui apresentado por um dos meus tios ao LP "Vinícius e Caymmi no Zum Zum". Nesse disco, resultante de uma série de shows no Rio de Janeiro entre os anos de 1964 e 1965, depois da faixa de introdução "Bom dia Amigo" (cantada pelo Quarteto em Cy), o Vinícius de Moraes lê uma Carta por ele escrita, na França, e endereçada ao Tom - carta que nunca foi mandada - ele explicava. Lembro-me bem dessa Carta, inteirinha, de cor e salteada, por ter ouvido inúmeras vezes a gravação da sua leitura: 

        "Porto do Havre, sete de setembro de 1964: 
        "Tonzim" Querido: 
      Estou aqui num quarto de hotel, que dá para uma praça, que dá para toda  solidão do mundo. São dez horas da noite e não se vê viv'alma. Meu navio só sai amanhã à tarde e é impossível alguém estar mais triste do que eu. E como sempre, nessas horas, escrevo para você cartas que nunca mando. (...)". 

     Era assim que começava a Carta.

     Depois disso, com toda a história da Bossa-Nova, fui saboreando e pintando meu mundo com cada uma das canções dos discos solo do Tom - em especial "Wave" (1967), "Tide" (1970), "Matita Perê" (1973), "Terra Brasilis" (1980) e "Passarim" (1987).

     Mas um dos discos do Tom, pelo qual tenho o maior carinho, foi gravado com o Frank Sinatra: "Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim", álbum de 1967. Assim como aquele do Vinícius, no qual gravou a "Carta ao Tom", ouvi e ainda hoje ouço esse disco com a mesma emoção de sempre. Aliás, tenho dois originais de cada um deles (se um deles quebrar, ainda terei o outro...)

     É de 1974 "Elis & Tom", produzido por Aloysio de Oliveira, um outro álbum do Tom do qual gosto muitíssimo e que foi resultante de uma bela parceria dele com a Elis Regina. Esse é um dos discos mais lindos que conheço - e dos mais importantes da MPB. Desse disco também tenho dois originais, pelo mesmo motivo que tenho dois do "Sinatra & Jobim" e do "Vinicius & Caymmi no Zum Zum".

     O Tom morreu em 11 de dezembro de 1994. Lembro-me bem das reportagens transmitidas pela televisão naquele dia a respeito de sua morte: gravei em fita VHS todos os programas e comentários que assisti, e os tenho guardados em uma gaveta aqui do meu escritório. Três dias depois de sua morte foi lançado "Antônio Brasileiro" - seu último disco solo. Eu não quis comprá-lo... eu não conseguia comprá-lo. Eu não queria que findasse aquela expectativa por uma música nova, uma gravação nova, algo do Tom que nem eu nem ninguém nunca tivéssemos ouvido: pois era o último disco, a última gravação, o ponto final. A partir dele não apareceria nenhuma música inédita composta ou arranjada pelo Tom. Por isso resisti, por algum tempo, a ouvi-lo e comprá-lo.   

     Passaram-se os anos. Em uma tarde de sábado, sozinho em casa, carente de música, não me contive: corri para uma loja e adquiri o disco (então em CD), como se estivesse adquirindo a maior preciosidade do mundo -  e passei o final de semana todo ouvindo a despedida do Tom. 

     Hoje me lembro do aniversário dele, presto a ele minhas homenagens, e o agradeço pelas muitas vezes que suas músicas deram o ritmo dos meus dias. 

 ("Te amo São Paulo" - homenagem de Tom Jobim a São Paulo - gravada pouco antes de sua morte, e utilizada como tema de campanha publicitária de um shopping center)
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*Janeiro de 2013    

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O MUSEU DO DESERTO DO UZBEQUISTÃO... E OS ARTISTAS DA MINHA TERRA


     Para que serve a arte? Poxa, a arte serve para muita coisa: para permitir ao homem a sua realização, para humanizá-lo, para que ele possa externar seu universo... e para muitas outras coisas. Da criação artística do homem sua história e a história do seu tempo podem ser compreendidas e resgatadas. 

     Mas a arte serve também para ser usada como instrumento de adestramento e dominação do homem ou - pior ainda - de um povo todo. 

     Imagine só o que significou em termos de liberdade de pensamento e criação a Revolução Russa de 1917. A partir da tomada do poder pelos bolcheviques as restrições à livre expressão do pensamento - e da arte, por conseguinte - passaram a ser brutais. Escritores não podiam mais escrever ou cantar o que pensavam; artistas não podiam mais pintar o mundo como o enxergavam ou como imaginavam que ele poderia ser.

     Igor Savitsky (1915-1984) - um arqueólogo russo - durante a 2ª Guerra Mundial, esteve em uma das regiões do Uzbequistão (Karakalpakstan). Para lá retornou em expedição em 1950, e por lá viveu até 1957 na condição de arqueólogo-artista/pintor da expedição. Encantou-se com o folclore e as artes aplicadas da região. Os objetos e manifestações de valor artístico que ali encontrava, ele os enviava para os museus de Moscou ou São Petersburgo. Depois, ele mudou de vez para a região e convenceu as autoridades soviéticas de que a região, por sua riqueza folclorica e artistica, necessitava de um museu. Foi assim que, em 1966, foi fundado o Museu de Artes de Nukus - e Stavitsky nomeado seu diretor. A partir daí ele deixou de pintar e passou a procurar obras de arte para adquiri-las, com recursos do estado, para o museu.

("Stalin et Vorochilov au Kremlim" - Aleksandr Guerassimov, 1938 - fonte: nikosolo.viola.net)

     A política cultural do regime comunista de Stálin (de 1924 a 1953) e de seus sucessores, instalada na União Soviética, no entanto, abominava qualquer manifestação artística que não estivesse em sintonia com o realismo socialista - com imagens idealizadas de operários, camponeses e líderes soviéticos. Assim, muitas obras dessa época estavam sendo destruídas, e seus autores presos, executados ou mandados para sanatórios ou gulags(1).

(Cartaz típico do Realismo Socialista - fonte: pt.wikipedia.org)

     Savitsky percebeu que, com isso, uma geração inteira de artistas e da cultura russa estavam condenados a desaparecer. Assim, em nome da liberdade de criação, além dos objetos artísticos e pinturas da região que adquiria para o Museu,  adquiria também - ao invés de destruí-las - obras de arte que não traduziam a vontade do "regime". Ele mesmo conta essa história, em um documentário produzido para a televisão ("The Desert of Forbidden Art" - O Deserto da Arte proibida - dir. Amanda Pope/Tchavdar Georgiev, Rússia/EUA/Uzbequistão, 2010 - trailer no final do texto): 

"Boa parte das obras foram encontradas sob a cama de viúvas de artistas, ocultas em porões, nos estúdios e até no teto de residências abandonadas" 

     No museu, além da existência das obras expostas, Savitsky escondia as não autorizadas. E, de repente, ele percebeu que tinha um vasto acervo de obras de arte sob seus cuidados.

(By Shir-Dor - Nadezhda Kashina 1896/1977 - obra de 1928 - fonte: savitskycollection.org)

("In the former Ghetto" - Bukhara. 1932 - Elena Korovay: fonte: savitskycollection.org)

     Savitsky faleceu em 1984, aos 69 anos de idade - antes do fim da União Soviética, portanto. Em 1991 o Uzbequistão tornou-se uma República independente. A partir daí os diplomatas e jornalistas ocidentais tiveram acesso ao Museu localizado na cidade de Nuskus, inclusive às obras não alinhadas ao regime soviético. Viram, então, que ali está o que há de mais representativo da coleção da arte russa no do século XX.

("Basmach" - Alexey Podkovyrov - 1889/1957 - fonte: savitskycollection.org)

     Foi por ter conhecido a história desse museu** que estou agora me perguntando: "para onde está indo a memória do meu tempo e do tempo passado na cidade onde nasci? Para onde estão indo (ou irão) a arte, a beleza e as manifestações criativas dos artistas de lá? Para onde têm ido as fotos históricas do Clério? a clarineta do "seu" Arthur? os quadros do Zé Américo?... os do Juan? a biblioteca do meu pai? O passaporte do "seu" Kamoto? os textos do professor Joaquim? as memórias manuscritas do meu tio Milim? a bicicleta de três lugares do Nenzinho? a do Perin? o pandeiro do Zoreia? a lista telefônica de apelidos elaborada pelo professor Maneco?..."

     Foi aí que me lembrei do meu amigo Romeu e do seu empenho em preservar a memória da terra onde eu nasci...  

(CLIQUE PARA ASSISTIR O TRAILER DO DOCUMENTÁRIO SOBRE O MUSEU - SEM LEGENDAS EM PORTUGUÊS)
(The Desert of Forbidden Art - trailer)

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*um dos prédios do museu foi fechado; mas esse museu conta com um forte suporte internacional - e está em funcionamento (conforme noticia o site http://caravanistan.com/travel/uzbekistan/nukus-museum-savitsky/)
** Museu Estatal de Arte do Karakalpakstan site do museu:  www.savitskycollection.org
(1) Gulag - sistema penal institucional da antiga União Soviética, que consistia na obrigatoriedade do detento realizar trabalhos forçados

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

HUGO CHÁVEZ E A CONSTITUIÇÃO DA VENEZUELA


(Hugo Chavez - fonte: jangadeiroonline.com.br)


      As coisas, em geral, têm uma determinada estrutura, um corpo, uma conformação. Minha escrivaninha, por exemplo, tem suas peças componentes que, juntas, formam um todo harmônico. Um Estado (país), da mesma forma, tem sua estrutura, sua organização, suas regras, enfim, suas leis - as quais estão estabelecidas em um "documento" chamado "Constituição". 

     A Constituição é, portanto, a lei das leis de um determinado país. Ela é, hierarquicamente, superior a todas as demais. Nenhuma outra lei ou decisão pode contrariá-la ou sobrepor-se a ela. Um dos pontos fundamentais da Constituição de qualquer país é a determinação de como se adquire e de como se exerce o Poder ali.

     Assim, aqui no nosso país: temos nossa Constitução Federal que "explica, organiza, e diz como funciona o Brasil".

     Da mesma forma a Venezuela - que tem sido notícia na mídia todos os dias. Isso porque, reeleito Presidente da República, Hugo Chávez deveria ter tomado posse ontem, dia dez de janeiro, conforme dispõe a Constituição de lá, "in verbis":

"Art. 231 - El candidato elegido o candidata elegida tomará posesión del cargo de Presidente o Presidenta de la República el diez de enero del primer año de su período constitucional (...)". 

     Mas, apesar de ter sido eleito pelo povo de lá, o Presidente eleito não tomou posse ontem - dia dez. Isso porque ele encontra-se fora do país, em tratamento de saúde, e não estava em condição de "tomar posse".  

     Bom, mas como é que se "toma posse" da presidência da República na Venezuela? É a própria Constituição quem diz:

"Art. 231 - (...) mediante juramento ante la Asamblea Nacional. (...)" 

     Portanto, o Presidente eleito (Hugo Chavez) deveria ter ído à Assembléia Nacional (o Poder Legislativo) da Venezuela, e lá ter feito o juramento. No entanto isso não aconteceu.

     "E aí?", pergunto, "o que acontece?"

     A própria Constituição determina:

"Art. 231 - (...) Si por cualquier motivo sobrevenido el Presidente o Presidenta de la República no pudiese tomar posesión ante la Asamblea Nacional, lo hará ante el Tribunal Supremo de Justicia". 

     Assim, em não podendo tomar posse perante a Assembleia Nacional, o Presidente eleito deveria fazê-lo perante o Tribunal Supremo de Justiça. 

     Mas assim também não aconteceu. O Presidente eleito não compareceu para fazer o juramento perante o Tribunal Supremo de Justiça e assumir a presidência da República em novo mandato.

     "Bom", você poderia me dizer, "então toma posse o vice, como aconteceu aqui no Brasil quando o Tancredo, eleito, morreu na véspera da posse e o Sarney - seu vice, eleito - assumiu a presidência." 

     É, "mas na Venezuela o vice não é eleito!". Lá o Presidente, depois de empossado, nomeia o Vice. Portanto, não havia - como não há ainda - Vice-Presidente para o mandato que iniciou-se ontem na Venezuela.

     O que havia, sim, era um vice-presidente nomeado na gestão anterior, cujo mandato encerrou-se ontem com o que seria a posse do novo Presidente. 

     "E então, qual a solução? Quem assume a Presidência na Venezuela?"

     Voltamos então à Constituição, no seu artigo 233, que diz o seguinte:

"Art. 233 - Cuando se produzca la falta absoluta del Presidente electo o Presidenta electa antes de tomar posesión, se procederá a una nueva elección universal, direta y secreta dentro de los treinta días consecutivos siguientes. (...)". 

     Bom, mas antes de responder "quem assume", precisamos saber o que se entende por "falta absoluta"  na Constituição da Venezuela. O mesmo artigo 233 explica:

"Art. 233 - Serán faltas absolutas del Presidente o Presidenta de la República: su muerte, su renuncia, o su destitución decretada por sentencia del Tribunal Supremo de Justicia, su incapacidad fisica o mental permanente certificada por una junta medica designada por el Tribunal Supremo de Justicia y con aprobación de la Asamblea Nacional (...)".

     Então, ainda a pergunta: "quem assume a presidência quando o Presidente eleito não tomou posse?"

     E o artigo 233 dispõe:

"Art. 233 - (...) Mientras se elige y toma posesión el nuevo Presidente o la nueva Presidenta, se encargará de la Presidencia de la República el Presidente o Presidenta de la Asamblea Nacional." 

     Assim, não tendo o Presidente eleito tomado posse, quem deve assumir a presidência é o Presidente da Assembléia Nacional (o Poder Legislativo de lá). E aí, constatada a "falta absoluta", convocar uma nova eleição em trinta dias a partir dessa constatação (da falta absoluta).

     O governo brasileiro, nessa questão, defendeu que a posse do Presidente eleito deveria ser adiada por 180 dias porque, como ele, Chavez, foi reeleito, não há um processo de descontinuidade na administração. 
  
     Entretanto, não foi de nenhuma dessas duas formas a solução que a Venezuela deu ao caso. 

     O Tribunal Supremo de Justiça de lá determinou o adiamento por prazo indefinido da posse do Presidente eleito! Ou seja, agora, o país vai ficar esperando o Presidente eleito sarar para tomar posse. Quando? ninguém sabe...  

     Achei interessante a ilustração do Clóvis Rossi sobre o assunto, no dia oito, na "Folha de São Paulo". Ele disse:

"Prorrogar o mandato de Chávez indefinidamente (...) é transformar Chávez em rei. Reinados são para sempre, até a morte."

     Enquanto Chávez não retorna para prestar juramento e tomar posse, ficou determinado que vai permanecer na presidência do país o vice-presidente da gestão anterior - o qual não foi eleito pelo povo, mas sim nomeado pelo presidente da república da gestão anterior.
  
     É legal isso? É constitucional? De jeito nenhum! A Constituição foi desrespeitada, ferida, desobedecida, como se não valesse para o caso em questão! Pois é assim que começam os governos ditatoriais...  

     Aliás, é bom lembrarmos que a Democracia não admite que o detentor do Poder não tenha sido eleito pelo povo... E agora, na Venezuela, parece que esse é o caso. 

     Voltando ao meu exemplo inicial da escrivaninha: é como se tivessem tirado uma de suas pernas e colocado outra, que não se encaixou bem nas demais peças. Deram um "jeitinho". Ela não caiu, ficou meio esquisita, a firmeza de sua estrutura ficou meio duvidosa... e eu perdi a confiança nela. Passei a ficar com medo de que, mais cedo ou mais tarde, ela não resista... e desmorone... assim como certos governos da nossa querida América Latina.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

QUEM DETERMINA A PERDA DO MANDATO DE DEPUTADO CONDENADO NO "MENSALÃO"?


(Constituição Federal de 1988 - uma das capas)  

     O STF (Supremo Tribunal Federal) é o órgão do Poder Judiciário que tem a competência para processar e julgar, originariamente (1), os membros do Congresso Nacional (2) nas infrações penais comuns (art. 102, I, "b", da CF).
     Em decorrência dos acontecimentos que ficaram conhecidos como "mensalão", alguns Deputados foram processados, julgados, e condenados - pelo STF.

     Por terem sido condenados, seus direitos políticos serão cassados.  

     A determinação dessa cassação está prevista no artigo 15, III, da Constituição Federal, que diz que a cassação de direitos políticos se dará nos casos de "condenação criminal transitada em julgado (3), enquanto durarem seus efeitos".

     Mas como a decisão do STF ainda não transitou em julgado, candidatos eleitos na qualidade de suplentes, eventualmente condenados no mensalão, podem assumir seus mandatos. Foi isso o que ocorreu,p. ex., com o Dep. Genoíno. Portanto, a Constituição Federal não o proibiu de tomar posse.

     Após o trânsito em julgado da decisão, se confirmada, quem cassará o mandato dos deputados condenados criminalmente? 

     Ora, apesar do artigo 15, III, da CF determinar que a cassação dos direitos políticos se dará com a condenação criminal transitada em julgado, temos que a própria Constituição Federal, no seu artigo 55, também dispõe sobre a questão.

     Em outras palavras, a cassação dos direitos políticos seria automática, determinada pelo próprio STF, caso não houvesse o disposto no artigo 55 da CF.

     Ali está dito (no inciso IV do art. 55) que perderá o mandato o Deputado que perder ou tiver suspensos os direitos políticos. Mas como efetivamente isso funciona? 

     O próprio parágrafo 2º desse artigo 55 estabelece: 

"[Nesse caso], a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados (...), por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa".

     Portanto, para que qualquer Deputado legitimamente empossado e que tenha sido condenado criminalmente, perca o seu mandato, é necessário que: 

- a sentença tenha transitada em julgado;

- a Mesa da Câmara dos Deputados ou partido político representado no Congresso Nacional provoque (abra) um processo na respectiva Casa (na Câmara dos Deputados) contra o Deputado condenado criminalmente;

- que nesse processo dentro da Câmara dos Deputados o Deputado possa se defender (exercer a ampla defesa); 

- que o Deputado seja julgado pelos seus pares (pelos demais Deputados);

- que a votação (pela cassação ou não) seja secreta;

- que o resultado da votação seja, por maioria absoluta (4), pela perda do mandato do Deputado.

     O que vejo aí, salvo melhor juízo, é um conflito de normas constitucionais (do art. 15 com o art. 55). Não acredito que qualquer delas fira os princípios constitucionais. Mas, de fato, na CF, está nebuloso o entendimento a respeito de quem efetivamente determina a perda do mandato dos Deputados. Entendo que o tema precisa ser melhor debatido pelo próprio STF, em ação específica para esclarecer esse assunto. Ou, então, o próprio Legislativo precisa Emendar a Constituição desfazendo esse conflito. Mas isso para abranger somente casos futuros. 

     Hoje, as regras vigentes são as que acima estão expostas. E, pelo princípio da ampla defesa, do "in dubio pro reo", da unidade da Constituição e de muitos outros princípios constitucionais, deve prevalecer o disposto no artigo 55 - ou seja, deverá ser aberto um processo na Câmara dos Deputados onde o Deputado, com direito à ampla defesa, será julgado pelos demais Deputados. Dependendo do resultado desse julgamento feito pelos seus pares - e não pelo STF -, os Deputados poderão perder ou não os seus mandatos. Esquisito, não é ? Parece muito incoerente! Mas, se houver alguma norma infraconstitucional atribuindo ao STF essa "missão", ela será inconstitucional por ferir o parágrafo 2º do art. 55 da CF. Esse é o meu entendimento.

     Discutir se esse procedimento é moral ou não, aí já é outra história.  
  

(Obs.: não estou filiado a nenhum partido político)


(1) processar originariamente: significa começar o processo nesse tribunal, sem ter que passar anteriormente por outros;
(2) Congresso Nacional = Câmara dos Deputados e Senado Federal;
(3) Transitado em julgado = decidido definitivamente, sem a possibilidade de se interpor qualquer outro recurso.
(4) maioria absoluta = metade mais um dos membros da Casa (Câmara dos Deputados - ou Senado Federal)