domingo, 15 de julho de 2012

SORRISOS EM ABBEY ROAD

     

     O Jornal “Folha de São Paulo” de sexta-feira, dia 13, no Caderno “Ilustrada”, trouxe um artigo que atraiu minha atenção. O texto é de Silas Marti, e a manchete é “Obras do Acaso”. A foto que ilustra o texto mostra uma porção de gente bocejando no mesmo lugar, nas mesmas condições de luz e tempo. São, conforme explica Silas, fotos tiradas em momentos diferentes, que mostram coincidências banais em situações também banais. Mostram, enfim, na rua, um pouquinho do comportamento humano.

     O texto fez-me lembrar de um fotógrafo nova-iorquino com quem não troquei mais do que meia dúzia de palavras.

     Em visita a Londres no ano passado, fui conhecer a Abbey Road: famosa rua que ilustra a capa de um dos discos dos Beatles, e que os mostra na faixa de segurança de pedestres atravessando de uma calçada para a outra.

Galeria - capa abbey road - abre
(capa do álbum "Abbey Road", 1969 - fonte:http://rollingstone.uol.com.br/galeria/45-anos-depois-entenda-os-misterios-por-tras-da-capa-de-iabbey-roadi/#imagem0  )

(clique na seta para ouvir)

("Golden Slumbers", Paul McCartney)

     Lá chegando, após um curto trajeto de metrô e uma pequena caminhada, o que vi foi uma rua simples, como tantas outras daquela cidade. Simples porém movimentada na faixa de segurança. Repleta de pessoas sorridentes e emocionadas que cruzavam uma, duas, três vezes a rua, iam e vinham na mesma faixa onde John, Ringo, Paul e George foram fotografados para a eternidade.

     Mas o que havia de comum ali, além da admiração por aquela banda inglesa? Estava "na cara", literalmente na cara: os sorrisos das pessoas!

     Aproveitando a tendência dos fotógrafos, conforme o artigo que mencionei, o fotógrafo nova-iorquino me disse que ficava ali dias inteiros, observando e fotografando o sorriso das pessoas que cruzavam a rua.
 
(Faixa de segurança de pedestre em frente aos Estúdios Abbey Road - detalhe: o fotógrafo encostado no poste - arq. pessoal) 

     Ele estava, pelo seu trabalho, testemunhando o nosso tempo, o nosso comportamento... E disse-me também que havia fotografado o meu sorriso, que esperava que eu não me incomodasse com isso...

(Atravessando a Abbey Road - arq. pessoal)
     Eu, claro, ao compreender o que o fotógrafo fazia ali, perguntei a ele - em tom de brincadeira - se eu tinha alguma chance de aparecer em algum trabalho seu junto com uma porção de outros sorrisos desconhecidos e originários de outras partes do mundo...

     Ao me responder ele também sorriu e me disse que a tarefa de escolher sorrisos seria muito difícil; que passavam por ali sorrisos brilhantes, sorrisos sexagenários, sorrisos adolescentes, sorrisos asiáticos... “Mas”, disse-me ele, “você tem alguma chance...”
(Atravessando Abbey Road - arq. pessoal)
     Depois de comentar o assunto com a minha mulher, hoje, no café da manhã, fiquei me perguntando:

     - “Será que meu sorriso está dependurado em alguma parede de Nova Iorque ou Londres? Será que está encartado em alguma revista, em uma foto junto com uma porção de gente que cruzou a Abbey Road? Ou será que simplesmente foi deletado da máquina do fotógrafo?”

     Sei lá... o que sei é que foi muito emocionante cruzar aquela rua, naquela faixa, naquele dia...
Obs.: comprei numa lojinha temática (só Beatles) ali por perto alguns marcadores de livro, decalques e pequenos souvenirs para os meus amigos... mas ainda estou esperando um encontro musical com eles para poder comentar o assunto... e presenteá-los.
RP, 15jul2012

segunda-feira, 2 de julho de 2012

ANOITECEU, E EU PASSEI PELA PRAÇA


A um desconhecido que, sem saber,
numa noite de segunda-feira,
proporcionou momentos de beleza
a um senhor que passava pela praça central
da cidade anestesiada.


(CLIQUE NA SETA PARA OUVIR DURANTE A LEITURA)
("Melodia Sentimental", da suite "A Floresta do Amazonas", composta por Villa-Lobos em 1958 - poema de Dora Vasconcelos - interpretação de Olivia Byington) 
     A caminho do teatro, passei ontem à noite pela praça central. Em passos apressados tentava evitar os dissabores que as regiões centrais das cidades grandes têm nos oferecido. Mas fui surpreendido. A “Melodia Sentimental” do Villa-Lobos e Dora Vasconcelos, linda, lindíssima, vinha do chão, do subsolo, e cobria de encantos todos os canteiros. Eu estava diante de um chafariz enorme, majestoso, tomado de beleza. Não pude me deixar vencer pela pressa. Parei. Sozinho. Os jatos de água, sob o foco de luzes coloridas tingiam de cor e vida a enorme praça. Ficamos todos ali parados e entregues por alguns instantes: eu, meus braços, minhas pernas, minha cabeça e os meus pensamentos... Ao fundo da porção de água mais distante iluminada de branco, e propulsionada pelo jato central, contrastava o azul escuro do céu da noite. Lindo “de morrer”! Por uns instantes detive-me ali na praça deserta, formando um todo harmônico com as plantas, com as árvores, e com os monumentos de granito às celebridades do passado. Éramos uma plateia calada, maravilhada, extasiada... nós e a lua, no céu distante...

("Fonte Luminosa" da Praça 9 de julho, em Guará. Foto: Flávia Nogueira, postada no facebook)

     Procurei um banco para me recompor e acalmar meu deslumbramento. A música tomando a praça, somada às cores dos focos de luz, trouxe-me moças de outros tempos vestidas de domingo, caminhando aos pares ao redor do chafariz. Diante de mim e de todos nós ali, parados, elas aparentemente nos cumprimentavam desfilando sua beleza.
     Fiquei assim por alguns instantes, olhando as cores, dançando com as águas, revendo meus fantasmas - até que a música cessou, as luzes do chafariz se apagaram, e a noite se acomodou:
     - “Queira Deus que essa noite se desdobre em muitas outras, pintando de cores a triste escuridão da praça deserta... e que muitos outros senhores, em sua pressa de caminhar, detenham-se para admirá-las”.
     Pensando assim levantei-me apaziguado, agradeci por aquele espetáculo e, devagar, segui caminhando sem me importar para onde...


RP, 26jun2012