sexta-feira, 1 de março de 2024

OS "RUISEÑORES" PASSARAM POR AQUI

 

    Os mariachis são grupos que cantam música folclórica mexicana. São alegres e muito sorridentes. Foram formados, inicialmente, para animar festas de casamento - por isso a origem da palavra: do francês "mariage", que significa "casamento". Dentre as músicas folclóricas mexicanas, gosto, especialmente, de Las Mañanitas - uma música que costumava ser cantada no México, nas festas de aniversário, no momento de se cortar o bolo - mas também logo de manhã, em forma de serenata, para aquele ou aquela que aniversariava.

Las Mañanitas - Mariachi Conce - (Vicente Fernàndez)
https://www.youtube.com/watch?v=BPgmyhHvkFs

Las Mañanitas

 

Estas son las mañanitas

Que cantaba el rey David

Hoy por ser día de tu santo

Te las cantamos aqui

 

Despierta, mi bien, despierta

Mira que ya amaneció

Ya los pajaritos cantan

La luna ya se metió

 

Qué linda está la mañana

En que vengo a saludarte

Venimos todos con gusto

Y placer a felicitarte

 

El día en que tú naciste

Nacieron todas las flores

En la pila del bautizo

Cantaron los Ruiseñores

 

Ya viene amaneciendo

Ya la luz del día nos dio

Levántate de mañana

Mira que ya amaneció

 

Si yo pudiera bajarte

Las estrellas y un lucero

Para poder demostrarte

Lo mucho que yo te quiero

 

Con jazmines y flores

Este día quiero adornar

Hoy por ser día de tu santo

Te venimos a cantar

As Manhãs

 

Estas são as manhãs

Que o rei Davi cantava

Hoje por ser dia do teu santo

Cantamos para ti

 

Acorda, meu bem, acorda

Olha que já amanheceu

Já os passarinhos cantam

A lua já entrou

 

Que linda esta manhã

Em que vim cumprimentar te

Viemos todos com prazer

E prazer em parabenizá-lo

 

O dia em que nasceste

Todas as flores nasceram

Na local onde está o batistério

Cantaram os rouxinóis

 

Já vem amanhecendo

Já a luz do dia nós dia

Levanta-te de manhã

Olha que já amanheceu

 

Se eu pudesse descer

As estrelas, e uma estrela

Para te poder provar

O quanto te amo

 

Com jasmins e flores

Este dia eu quero enfeitar

Hoje por ser dia do teu santo

Viemos cantar

    Na letra de Las Mañanitas, há uma palavra que sempre cantei sem saber o seu significado. Mas hoje, especialmente, ao enviar meus cumprimentos de aniversário a um amigo que vive no México, encaminhei a ele, como ilustração, um vídeo de uma gravação de Las Mañanitas. E dessa vez bateu forte a vontade de conhecer a tal palavra.

    A tal palavra está na quarta estrofe da canção. Nela o autor diz que, "no dia em que o aniversariante nasceu, todas as flores nasceram; que, no batistério, os 'ruiseñores' cantaram". Mas... "ruiseñores"... o que significa? Foi justamente ela que me levou a fazer uma pesquisa. Quem seriam esses "señores" que foram cantar no batistério? Seria um grupo de senhores chamados, todos eles, Rui? Não, não poderia ser. Isso seria uma tremenda bobagem!

    No dicionário da Real Academia Espanhola, encontrei a seguinte explicação:

Ruiseñor - m. Ave canora del orden de las paseriformes, común en España y otras partes de Europa, de unos 16 cm de largo, con plumaje de color pardo rojizo, más oscuro en el lomo y la cabez que en la cola y el pecho, y gris claro en el vientre, que tiene pico fino, parduzco, y tarsos delgados y largos, y habita el las arboledas y lugares frescos y sombrios.

    Como meus conhecimentos de ornitologia são mínimos, não consegui entender a explicação. Compreendi, no entanto, que tratava-se de uma ave. Mas... "uma ave comum na Espanha, de uns 16 centímetros, com plumagem da cor parda, mais escuro no dorso e na cabeça do que na cauda e no peito, e acinzentado no ventre, que tem bico fino, acastanhado, e as partes superiores do pé (tarso) delgadas e largas, e habita os bosques e lugares frescos e sombrios".

    - Que ave seria essa? Você, meu caro leitor, saberia me dizer?

    Bom, para ser mais direto, resolvi apelar para o dicionário Espanhol - Português:

    "Ruiseñor (m.) - rouxinol". 

    Feliz com a descoberta, quase caí de costas de tanto rir da imagem que havia construído, ao pensar em uma porção de senhores sérios, todos eles chamados "Rui", cantando no batistério, no dia do ritual de purificação do aniversariante.

    Pois é: "ruiseñores" significa "rouxinóis". Simples assim! E que bela descrição foi feita no dicionário da Real Academia Espanhola! Ao conhecer agora  essa palavra da língua espanhola, senti a ressurreição imediata, aqui no meu local de trabalho, de um rouxinol que conviveu comigo na sala de visitas da casa de meus pais, por muitos e muitos anos. Esse rouxinol era amigo do imperador da China, morava nas páginas de um livro de contos de fadas do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, e também na narrativa gravada, desse mesmo conto, em um disco de vinil colorido que eu ouvia incansavelmente: "O Rouxinol do Imperador".

    - E assim, juntando a pena do Milton Nascimento, vou agora convivendo com todos os meus rouxinóis: "Rouxinol tomou conta do meu viver (...) / Todos os pássaros, anjos dentro de nós/ uma harmonia trazida dos rouxinóis"*. 

O Rouxinol do Imperador
https://www.youtube.com/watch?v=l8DzHrzMjFs
Adaptação e melodias: Elza Fiúza; Orquestração de Radamés Gnattali; Narradora: Sônia Barreto; Elenco Teatro Disquinho; ilustração: Joselito
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*início e refrão da canção "Rouxinóis" (Milton Nascimento), de seu álbum "Nascimento" (Warner, 1997)

domingo, 25 de fevereiro de 2024

VIVA O POVO BRASILEIRO

 

Wish you were here (Pink Floyd) - Colúmbia/CBS, 1975 - capa do disco
https://faroutmagazine.co.uk/pink-floyd-wish-you-were-here-cover-uncovered-behind-the-artwork/


O Brasil é, de fato, um país habitado por um povo muito talentoso. Do nada, um universo pintado de beleza se descortina. Eu não esperava absolutamente nada dessa apresentação... Mas as primeiras notas, a curiosidade diante da aparente insignificância... depois, a pronúncia, a surpresa... e o meu espanto! Por onde andou um coração simples, sentado em um boteco de ponta de vila, enquanto tinha um violão nos braços e cantava? O que transitou pelo seu pensamento? Pensou em pobreza? Lembrou de suas carências? Música é, de fato, o alimento da alma! Adorei este vídeo que recebi de um amigo... A pronúncia, o mergulho feito pelo talentoso brasileiro durante a sua travessia por "Wish you were here". Seria bom se conseguíssemos, um dia, muitos dias, estar próximos dos talentos que rondam pelos cantos dos becos, das vilas, das cidadezinhas, dos botecos de fim de rua... e de fim de noite... para podermos valorizar, divulgar, tentar encontrar possibilidades... para ajudarmos na abertura de fronteiras. À moda do João Ubaldo, concluo: "Viva o povo brasileiro!"

Um brasileiro - "Wish you were here" - (Gilmour/Waters) - Pink Floyd

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O JEEP QUE NUNCA TIVE

 

    - "Essa é uma das muitas histórias que acontecem comigo..." 

    Pois seria tudo assim, como assim era quando, ainda menino, vi o primeiro Jeep* Willys CJ-2A, sem capotas. Seu proprietário era o Sr. Kaisã**, um imigrante japonês que passava seus dias em uma oficina mecânica da cidade. Eu gostava de ir àquela oficina para poder ouvi-lo conversar e contar histórias. Ele me falava de seu Jeep e de todos os reparos que havia feito nele... que com muitos amigos amontoados em seus bancos, ia às suas pescarias no Sapucaí. Eu admirava o Sr. Kaisã por cuidar tão bem do seu Jeep, e, influenciado por ele, eu sonhava ser mecânico e ter, quando pudesse, um Jeep tão velho, mas tão bem (des)cuidado quanto o dele.

    Havia na cidade, também, os Jeeps do Sr. Chico Barbeiro, do Sr. Vasco e do Sr. Nenzinho - este, curiosamente, proprietário de uma oficina de bicicletas, que fazia experimentos mecânicos para serem mostrados orgulhosamente em passeios pelas ruas da cidade (de uma bicicleta de quatro pedais eu nunca me esqueço). Depois, também, o Jeep do Sr. Pedro. Mas o Jeep pelo qual eu tinha um encanto especial era, sem dúvida, o Jeep do Sr. kaisã. 

    Pois aconteceu hoje, enquanto eu subia a Rua São José. Vi um Jeep Willys amarelo, sem capotas, estacionado na esquina da Avenida Itatiaia. Ao vê-lo, revi, em minhas lembranças, o Sr. Kaisã e o "jeepinho" que sempre quis ter. Dei a volta no quarteirão e parei para poder fotografá-lo.

Jeep - 20fev24 (foto: acervo pessoal)


    Enquanto fotografava, o proprietário do Jeep aproximou-se de mim. Antes que ele pudesse formular qualquer pergunta, fui logo contando a ele que aquele havia sido o meu sonho de adolescente; que eu sonhava  ter um Jeep tal como o dele, sem capotas, aberto... e que fosse um carro prático, de muitos anos de fabricação, mas que tivesse sido cuidado, reformado e reparado, quando necessário, única e exclusivamente por mim. Eu o levaria comigo à universidade quando fosse cursar engenharia mecânica, e o teria como agregador de amigos e encantador de corações femininos - tal como era cantado pelo Roberto Carlos, em "O Calhambeque", enquanto (na letra da música) o seu Cadillac permanecia na oficina para reparos.

    A imagem de um carro assim, prático, sem capotas, significava para mim juventude, informalidade e liberdade. Eu acreditava que meus amigos e minhas amigas estariam sempre dispostos a passear no Jeep que um dia eu iria ter; que, nos bancos do meu Jeep, sorriríamos muito enquanto estivéssemos acenando na direção daqueles que nos vissem passar... Se, eventualmente, ocorresse alguma quebra no veículo, eu prontamente desceria da condução do volante e, na condição de um herói estudante de engenharia mecânica, em poucos minutos efetuaria o reparo. Assim, troca de pneus, regulagem de carburador, limpeza de filtro, vazamento de óleo, fosse o que fosse, eu  seria  o mecânico que dava um jeito em tudo.



Roberto Carlos - "O Calhambeque" - (Roberto/Erasmo - 1964)
https://www.youtube.com/watch?v=nWbaV-PPPVo

    Mas, ao final daquela minha parada para fotografar o Jeep, ao agradecer ao proprietário por ter tido paciência de me ouvir, eu contei a ele que nada do que eu sonhara tornou-se realidade, que tudo ficou adormecido em sonho.

    Graduei-me engenheiro mecânico e trabalhei em fábrica por algum tempo. Mas não gosto nem um pouco de fazer reparos em máquinas e equipamentos - muito menos em automóveis. Nunca tive um Jeep. Duas ou três vezes, forçado, troquei pneu furado. Hoje, quando estou dirigindo, mantenho fechadas todas as janelas do carro... e fico ouvindo música, tentando desvendar "a alma encantadora das ruas"***... e vou observando árvores, imóveis com personalidade, e muitos transeuntes que, nessa "vida vertiginosa"****, seguem desatentos ao seu entorno...

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* Jeep - Essa palavra é a forma que soa, em português, a denominação abreviada pelas iniciais GP ("General Purpose"), que foi dada ao veículo militar da montadora norte-americana Willys Overland. Os Jeeps foram muito utilizados pelos militares norte-americanos na Segunda Guerra Mundial.

**Paulo Onodera, conhecido como Sr. Kaisã.

***título de livro publicado por João do Rio, em 1908

****título de livro publicado por João do Rio em 1911, originalmente.


quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

EU E O NIEMEYER, AO SABOR DAS CURVAS

 

Croqui de figura feminina - (Oscar Niemeyer)
https://laart.art.br/blog/croquis-oscar-niemeyer/

Hoje fui à praia. Entrei na água e fiquei brincando sob o sol, ao sabor das ondas.

clique na seta para ouvir

Maysa: "Nós e o mar" (Menescal/Bôscoli)
https://www.youtube.com/watch?v=USNFfujgbk8

Mas foi na areia, sentado à sombra de um guarda-sol, que fiquei observando os traços feitos pelo Criador: "quanta beleza!; e que perfeição!" Dei-me conta, inclusive, de que Ele não se esqueceu de cuidar da arquitetura: abençoou o Niemeyer,  que traçou  muitas linhas inspiradas nas curvas e no relevo da mulher. "Ele [o Niemeyer] admirava a beleza e o corpo feminino. A mulher o inspirava" - conta seu ex-aluno e, depois colaborador, Salviano Guimarães*. O próprio Niemeyer, em "Poema da Curva", assim se explica:

POEMA DA CURVA

Não é o ângulo reto que me atrai.

Nem a linha reta, dura, inflexível,

criada pelo homem.

 

O que me atrai é a curva livre e

sensual. A curva que encontro nas

montanhas do meu país, no curso sinuoso

dos seus rios, nas nuvens do céu, no corpo

da mulher amada.


De curvas é feito todo o Universo.

O Universo curvo de Einstein.


Só sei que ao final do dia, já sob o luar, saí vagando pela orla à procura de um recanto pacífico onde eu pudesse fecundar o pensamento com taças de vinho, e ficar sonhando com o paraíso e com as deidades que um dia zanzaram pelo Olimpo.


Praia de Camburi, município de São Sebastião/SP,

29/dezembro/2023

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*Globo.com - 06/12/12 - https://g1.globo.com/globo-news/noticia/2012/12/mulher-brasileira-o-inspirava-diz-arquiteto-que-trabalhou-com-niemeyer.html

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

A BOSSA NOVA E O PASSAPORTE

 

Sacha Distel e Dionne Warwick (et Baden Powell) - "The girl from Ipanema" / "A Felicidade"
https://www.youtube.com/watch?v=LsPJP_vJ2H4

foto em https://www.youtube.com/watch?v=LsPJP_vJ2H4

    A Bossa Nova é o passaporte do Brasil, com o visto de entrada para qualquer país do mundo. E essa entrada é triunfal: leva sorrisos, leva gingado... leva sol, leva verde... leva tardes ensolaradas em "jardins de sol". E nessa praia há sempre "garotas de Ipanema": autênticas "flores que nascem morenas", e que inspiram beleza - e "(a) Felicidade". Quer mais? Pois a Bossa Nova é também o certificado de doçura da língua portuguesa falada no Brasil... que, quando soa, assim como passarinhos, tem o poder de um salvo-conduto, transpondo fronteiras, inclusive induzindo o estrangeiro a cantar e a assobiar, em instintiva elevação de alma. Com a Bossa Nova a "felicidade" não tem fim... em especial se se juntar acordes do violão do Baden a esse tempero, conforme fizeram o francês Sacha Distel e a norte-americana Dionne Warwick.
    - Ah, Bossa Nova... Ah, Brasil... somos o paraíso adormecido... muito, muito mais do que se sabe por aí!

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

PALACETE, 1922

 

Palacete, 1922 - Restaurante e Café
(foto: acervo pessoal)

Descendo a Florêncio de Abreu, no centro de Ribeirão Preto, SP, em sua esquina com a Álvares Cabral, está o Palacete Jorge Lobato. Construído em 1922, foi residência de Jorge Lobato Marcondes Machado - um engenheiro que, vindo de Taubaté, SP, havia se mudado para Ribeirão Preto. Fechado por quase 25 anos, e sem nenhuma manutenção, o imóvel foi tombado em 2008 pelo CONPPAC (Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural), restaurado em seguida, e reaberto em 2017 como restaurante.

Concerto para violino e oboé em Dó Menor (Allegro) - BWV 1060
https://www.youtube.com/watch?v=HLiqQFpMGXg 

E que restaurante! Um verdadeiro presente para Ribeirão. Estar lá, rodeado de encantos que retêm o próprio tempo, é um privilégio para observadores e gourmets de paladar requintado. Com um cardápio que oferece pratos deliciosos, é o canto aconchegante e apropriado para jantares especiais. Janelas, portas, vitrais... obras de arte espalhadas pelo imóvel, paredes decoradas... é a história que conta histórias e inspira diálogos. Composições de Bach, Chopin, Piazzolla, Villa-Lobos e tantos outros, que combinam muito bem com o imóvel, promovem a suavidade do fundo musical para um encontro perfeito: amigos, namorados, familiares, confraternizações... ou uma simples visita. Tudo lá encanta... e pede uma garrafa de vinho para a sua mesa. Vá lá conhecê-lo! Seja também personagem dessa obra de arte - e valorize: recomendadíssimo!


(site do imóvel/restaurante: https://palacete1922.com.br/o-restauro.html)  


quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

"ONE MORE FORGOTTEN HERO IN A WORLD THAT DOESN'T CARE"*

Gosto dos artistas de rua. Instalam-se em uma esquina qualquer, em uma praça, em frente a uma loja, em estações de ônibus, de trens ou metrô, onde quer que seja. Tocam seus instrumentos e cantam sem exigirem nada em troca. Seguem cantando e encantando aqueles que por eles passam. Encantam, mesmo que por um pequeno lapso de tempo, aqueles que dirigem a eles um olhar e que, passando, carregam na mente um universo de questões e histórias pessoais... histórias que reaparecem ao ouvirem o cantor de rua, que mora sabe-se lá onde, que alimenta-se sabe-se lá com o que, que canta sua própria história para uma plateia apressada que transita pelas ruas da cidade, sem saber porque ou por quem cantam os cantores de rua...


Mick Iredale - "Streets os London"** (Ralph McTell)
https://www.youtube.com/watch?v=GS7Hwd9eQsI 

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*Mais um herói esquecido em um mundo desatento
**Streets of London (Ralph McTell)
Have you seen the old man/ in the closed-down market/ kicking up the paper/ with his worn out shoes? In his eyes you see no pride/ and held loosely at his side/ yesterday's paper telling yesterday's news.
So how can yout tell me your're lonely/ and say for you that the sun don't shine?/ Let me take you by the hand and lead you through the streets of London/ I'll show you something to make you change your mind.
Have you seen the old girl/ who walks the streets of London/ Dirt in her hair and her clothes in rags?/ She's no time for talking/ She just keeps right on walking/ Carrying her home in two carrier bags.
So how can you tell me...
In the all night cafe/ at a quarter past eleven/ same old man is sitting there on his own/ looking at the world/ over the rim of his tea-cup/ each tea last an hour/ then he wanders home alone.
So how can you tell me...
And have you seen the old man/ outside the seaman's mission/ memory fading with/ the medal ribbons that he wears/ in our winter city/ the rain cries a little pity/ for one more forgotten hero/ and a world that doesn't care.
So how can you tell me...

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

UM EDIFÍCIO NO IMAGINÁRIO DA CIDADE


Capa do livro (foto: acervo pessoal)

O Celso e o Degiovani Lopes são danados mesmo. E são meus amigos! Trabalharam por muito tempo no Banespa, subiram e desceram suas escadas, e não deixaram que tempo  tirasse deles as lembranças e o amor pelo prédio que ainda é a cara de São Paulo: o Edifício Altino Arantes. Desconfio até que o Celso e o Degiovani foram conduzidos ao edifício símbolo de São Paulo por mãos divinas. Sim... alguma divindade devia estar prevendo que caberia a eles a honrosa tarefa de nos contar, em fotos e fatos, a História do edifício central do Banespa. Tantos prédios, tantos edifícios iam transformando e fazendo crescer a capital do estado, ao tempo em que os irmãos zanzavam por ali, guardavam histórias... no dia a dia, no coração da cidade, observando, anotando, fotografando, criando cumplicidade com as janelas, com os lustres, com as paredes do prédio. "Um edifício no imaginário da cidade" é uma manifestação de carinho não somente a tudo o que o Banespão simboliza, mas também um alerta, um canto de amor à cidade de São Paulo e à necessidade de preservação de sua memória. Com belas fotos e um texto impecavelmente preciso, o Celso e o Degiovani publicaram um livro precioso para os anais da cidade e do estado de São Paulo. Parabéns, Celso; parabéns Degiovani: orgulho-me em poder dizer que sou amigo de vocês, autores desse documento tão valioso - fonte de informações para pesquisadores de todos os tempos.

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O livro está à venda on line no seguinte endereço: www.samburaliterario.com.br  Também pode ser encontrado em loja física: Livraria do Espaço - Unidades: Rua Augusta e Shopping Frei Caneca (São Paulo, capital)


sexta-feira, 24 de novembro de 2023

CARTA A HERMILA*

 

https://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,AA1317500-7086,00.html


Querida Hermila:

     Assisti ontem, pela TV, a entrega do troféu Kikito, no Palácio dos Festivais, em Gramado/RS. Você estava deslumbrante no comando da apresentação do evento. A alegria transmitida pelo seu sorriso, que conheci aqui em Iguatu, há anos, não mudou. Notei que a insegurança  estampada em seu rosto no dia da sua partida, há longínquos dezessete anos, tendo sido deixada para trás, foi substituída pela sua imagem de celebridade em uma importante cerimônia de premiação. Naquele dia, depois de termos nos amado, de minha moto, na esperança de seu retorno, acompanhei por alguns quilômetros o seu olhar emoldurado por uma das janelas do ônibus que te levava para o Sul.

     Depois que você partiu, e por algum tempo ainda, muito se falou a respeito de sua ousadia aqui em Iguatu. Não te esqueci, e não te esqueço. Continuo só. Hoje, os que te veem na TV nada sabem a respeito da determinação que você tinha em conseguir encontrar, longe daqui, o seu próprio céu. Querendo-te bem como sempre te quis, sofri muito por não ter podido adquirir todos os números da rifa que você vendia para comprar uma passagem de ônibus para Porto Alegre, e que premiava o ganhador com "uma noite no paraíso" - uma noite com Suely, não com Hermila. Sua vontade de ir embora para bem longe e encontrar o seu céu foi muito grande. E você venceu. Se tivesse se abatido, sem poder se realizar, continuaria condenada à mediocridade de uma vida vazia. Parabéns, Hermila. 

     Tudo por aqui mudou. Iguatu já não é mais uma pequena cidade dormitório às margens dos trilhos da estrada de ferro. Com a instalação de cursos de graduação a cidade se desenvolveu. Tanto que, com os ganhos auferidos pelo meu serviço de motoboy, consegui concluir o curso de Direito na Universidade Regional do Cariri, e já, há oito anos, com muitos clientes, tenho o meu escritório profissional de advogado.

Roberto Carlos - "Outra vez" (Isolda)
https://www.youtube.com/watch?v=dLithcjeEE8

     Mas não te esqueço. Você foi o grande amor que tive. Guardo a lembrança de sua última passagem por Iguatu quando, vencida pelo custo de vida na cidade de São Paulo, seu único projeto era criar o seu filho com o produto da venda de CDs piratas no Mercado Municipal. Mas seu companheiro não deu mais notícias, não retornou como havia prometido, e o projeto de comercializar CDs não se realizou - para sorte sua.

     Te vi ontem na TV e te aplaudi com emoção. Os olhos de quem assistiu a cerimônia enxergaram apenas o alvo dos holofotes: não sabiam e, creio, nem queriam e nem querem saber dos degraus e quedas sofridas por você até encontrar e atingir o seu próprio céu. Mas eu, sabendo de seus tropeços, conheço toda a sua história. E ainda aqui, comigo, com o mesmo carinho de tantos anos, reservo para você um cantinho no meu coração.

     Do seu motoboy de Iguatu,

     João

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*Inspirado no filme "O céu de Suely" (BR/FR/ALE, 2006. Dir.: Karim Aïnouz)

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

"EU (NÃO) SOU O MENINO DELA"


"Cenoura, tomate, alface, beterraba, cebola, pepino... mamão, banana e melão... carnes... arroz, ovos, fubá, caldo de carne e de galinha... Veja, álcool, sabão em pó, detergente, sapólio, bombril, saco de lixo, lustra móveis, água sanitária, removedor". Com essa lista no bolso, e com todas as horas de uma manhã à minha disposição, fui às compras em um supermercado.


    Empurrando um carrinho, fiz minha primeira parada na seção de frutas e legumes. Comecei pelos mamões - que precisavam de mais uns dois ou três dias para poderem ser consumidos: escolhi dois. O melão veio em seguida: selecionei um daqueles envolvidos em uma redinha vermelha de plástico - que, dizem, são os mais doces: e são, de fato. Da seção de legumes e frutas fui às carnes, e dali às demais seções.

    Na seção de bolachas procurei a minha preferida: uma bolacha feita com grãos de gergelim, que é apresentada em uma embalagem de papel verde brilhante. Nos chocolates examinei as diferentes ofertas: chocolate ao leite, chocolate com amendoim, chocolate amargo, meio amargo, sonho de valsa, chocolate recheado com uva passa e castanhas do Pará... Eu, que adoro chocolate amargo, 60 ou 70% cacau, caí agora nas graças do "Bis Xtra Black": uma delícia. Peguei uma caixinha.

    Depois fui aos congelados, onde estão as lasanhas à bolonhesa... Examinei o balcão de queijos... parmesão, gorgonzola... Os vinhos, no supermercado, não são muito convidativos: são muito caros. Ainda assim passeei por entre eles, na esperança de encontrar alguma promoção... Mas, nada: nenhum milagre.

    Em seguida dirigi-me à seção de azeites. Como gosto dessa seção! Passei pelos portugueses, pelos espanhóis, italianos, argentinos... Quantas embalagens lindas! Lembrei-me de que havia um azeite espanhol enlatado, o "Carbonell", que trazia em sua embalagem, de cor predominantemente vermelha, uma senhora sentada à sombra de uma oliveira... Procurei por esse azeite e lá estava ele! Fiquei olhando a embalagem, pensando nas oliveiras, imaginando aquela senhora que permanecia, horas, anos, décadas, presa na embalagem de lata, colhendo azeitonas, ouvindo pássaros... a mesma postura, a mesma face...

https://www.sitemercado.com.br/kingfood/sao-paulo-loja-mooca-mooca-rua-marina-crespi/produto/azeite-de-oliva-carbonell-tradicional-lata-200ml

    Não consegui passar de forma indiferente pelos sabonetes. Selecionei alguns para, simplesmente, segurar em minhas mãos e sentir o seu cheiro. Ali mesmo, naquela seção, atendi aos impulsos de uma de minhas manias e parei diante dos cremes dentais - uma centena de caixinhas maravilhosas. Procurei por novos produtos, li as orientações impressas nas embalagens, todas elas afirmando o poder de sedução de um sorriso brilhante...

    A quantidade de produtos expostos nos supermercados é tão grande, e geralmente eles estão tão bem dispostos, enfileirados, que sempre fico parado diante das gôndolas me sentindo um gerente de seção, um pesquisador, olhando aquelas embalagens, lendo as informações nelas trazidas, examinando e descobrindo tudo - mesmo que não haja, na seção específica, qualquer produto relacionado na minha lista de compras.

    Por fim, depois de ter passeado por tantas embalagens coloridas, depois de ter sentido tantos perfumes, depois de ter lido tantos cartazes promocionais, e com o carrinho cheio de produtos selecionados, fui à procura de um caixa menos movimentado para efetuar o pagamento de minha compra.

    Ao me postar atrás de uma senhora que conduzia um carrinho um tanto quanto vazio, ouvi a funcionária do caixa dirigir a mim a seguinte pergunta: "O senhor tem no carrinho vinte itens?" Maravilhado com tudo o que o nosso país é capaz de produzir - mas ainda com tanta gente impossibilitada de se alimentar bem -, e desatento ao objetivo final da pergunta, respondi a ela que não havia contado quantos itens estavam no meu carrinho; que certamente havia ali muito mais do que vinte; mas que poderia fazer a contagem se ela assim o desejasse. Foi então que uma senhora à minha frente informou-me que aquele caixa atendia somente clientes com até 20 itens a serem pagos. Assim orientado, e pedindo desculpas por ter me postado em  fila indevida, saí a procura de um outro caixa. Logo ao lado percebi um casal que havia terminado de embalar os produtos escolhidos, pronto para realizar o pagamento. Contudo, por motivos que me eram desconhecidos, tanto o casal quanto a funcionária do caixa, com cara de mal humorados, olhavam um para o outro sem nada dizerem. Fiquei ali por alguns instantes, até ouvir a funcionária do caixa dirigir seu olhar para mim e dizer: "o caixa está parado...". E ao final da informação utilizou a palavra "amor" na função de vocativo - pelo menos foi o que pensei ter ouvido. Entendi, então, que ela queria me dizer que seria bom que eu não ficasse ali aguardando, pois a espera poderia ser longa. Ao tomar conhecimento do problema, disse a ela que não me incomodava com a demora, mas que estava muito agradecido por ela ter se dirigido a mim daquela forma tão carinhosa: "amor". "Pra quê?" A moça, enfurecida, olhou para mim e para o casal ali ao lado dela, e esclareceu que não havia me chamado de "amor", mas sim de "moço". E eu, nos meus 65 anos de idade, não pude deixar de dizer a ela que a opção de me chamar de "moço", ao invés de "amor", agradava-me muito mais. Na sequência, ouvindo risos do casal que ali estava, saí à procura de um outro caixa.

Os Mutantes - "A minha menina" (Jorge Ben)

https://www.youtube.com/watch?v=EfHPjZSlOp8

    Não posso negar que gosto de ir ao supermercado. A cada vez que vou às compras aprendo muito e trago muitas histórias. Mas, pensando na atendente do caixa, creio que ela não foi verdadeira ao me chamar de "moço". Talvez ela tivesse querido, simplesmente, ser simpática. Em casa, ao chegar, depois de ter acomodado as compras nos armários da cozinha, olhei-me no espelho e fiquei pensando: "não, definitivamente não... minhas rugas, uma pinta que começa a surgir na no meu rosto, minha calvície, os cabelos brancos em minhas sobrancelhas atestam que, definitivamente, 'moço' já não sou...". A atendente de caixa ao dirigir a palavra a mim, chamando-me de "moço" (ou "amor"), não me convenceu. Contudo, aqui entre nós, admito que gostei de ambas as palavras que poderiam ter sido empregadas como vocativo: a que ela, de fato, verbalizou, e a outra, que só os ouvidos do meu coração conseguiram ouvir.